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sexta-feira, março 29, 2024

A ALCA E OS POSSÍVEIS GANHOS PARA O BRASIL

Introdução

Os avanços que têm sido claros da ação dos Estados Unidos mediante uma integração econômica com o continente europeu, marca o início de uma rodada de negociações, de análises da conjuntura internacional pertinentes a cada país, e, principalmente, da análise minuciosa que a implicação de um bloco econômico traria à luz da economia brasileira.

Há muito o quintal americano cresceu, prosperou, criou forças e comanda a América do Sul. Com uma da maior econômica dessa América, o Brasil se vê frente à um impasse relevante para a história futura brasileira: avançar no processo de integração e comprometer alguns setores da economia que ainda estão engatinhando e/ou não estão preparados para enfrentarem os gigantes americanos, ou não avançar e, consequentemente, não integrar o bloco, e comprometer sua política de “good governance” com os Estados Unidos, e sofrer as consequências disso.

É exatamente isto que iremos analisar nesse ensaio sobre a ALCA e os possíveis ganhos para o Brasil de um bloco econômico.

A ALCA, que é o Acordo de Livre Comércio das Américas, foi proposto no ano de 1994, durante a Cúpula das Américas, que ocorreu em Miami. Visa integrar todas as três partes da América em um bloco econômico. Contando com a adesão de 34 países das Américas Central, Sul e Norte, com exceção à Cuba. Para efeito de comparação, vale ressaltar que o NAFTA (North America Free Trade Association) conta com a participação de 404,5 milhões de pessoas nesse bloco, o CARICOM (Mercado Comum e Comunidade do Caribe) com a participação de 14,6 milhões no bloco, o Pacto Andino com 111 milhões, o Mercosul com 209 milhões, o SADC (Comunidade da África Meridional para o Desenvolvimento) com 193,6 milhões e a UE (União Européia) com 374 milhões de participantes; com a adesão de todas as Américas ao ALCA, o bloco econômico irá não somente agregar a maior parte dessas populações inseridas de alguma maneira em um ou outro bloco, totalizando exatamente 783,6 milhões, como também irá gerar o maior PIB entre os blocos, que está estimado em 12 trilhões.

As intenções, porém, que animaram os Estados a uma possível integração, foi a de que os padrões de vida aumentassem, bem como que houvesse uma melhora nas condições de trabalho, e o objetivo de uma preservação ao meio ambiente viesse por meio da integração econômica progressiva e da bandeira do livre comércio. Entretanto, atualmente isso já nos dá sinais claro que o curso já não pende para esse lado utópico. Recentemente vimos os EUA se desvencilhar da responsabilidade quanto à redução das emissões de gases perante todos os outros países signatários ao Protocolo de Kyoto, que nos mostra mais uma vez que os EUA continuam sendo pragmáticos quando o assunto é defender seus interesses- seja de ordem política, ideológica, militar e econômica. O que nos leva a crer, que o curso poderá ser o mesmo quanto à ALCA- se já não o tiver sendo.

Uma das primeiras frustrações do líder do bloco, veio a ocorrer na II Cúpula das Américas, realizada em Santiago, há três anos atrás. O fast- track –que é um instrumento de que o governo se vale para negociar acordos comerciais sem submetê-los à aprovação dos parlamentares, dificultado pelo congresso naquele tempo, foi um empecilho às negociações. A posição do Brasil àquela época, era de que ele não estava de acordo com a cooperação se ela apenas se limitasse à acordos tarifários.

A ALCA prevê a construção de uma infra-estrutura hemisférica de transportes, energia e telecomunicações, contando com a ajuda importante dos setores privados e organizações internacionais. Neste II encontro, como foi mencionado, foi registrado a promessa de aplicação de R$ 45 bilhões em projetos educacionais, de defesa dos direitos humanos e de erradicação da pobreza aos 34 países que possivelmente possam vir a aderir ao bloco. Paralelamente à isso, estão os objetivos de combate ao tráfico de drogas, armas e o combate ao crime organizado, o que já começou a dar sinais de vida com o Plano Colômbia, que foi um incentivo ao combate do narcotráfico no país.

O jogo todo por parte dos EUA se deita sobre vários meios ideológicos, políticos e econômicos de que ele se vale para atrair seus vizinhos na adesão ao bloco. O debate em questão, se deita sobre as possíveis vantagens que possam vir com a implementação da ALCA para o Brasil. Veremos ao longo do ensaio as possíveis vantagens ao Brasil, se ele vir à aderir ao bloco.

Temeroso do avanço do Mercosul, Bush têm pressa na adesão por parte dos países do continente americano ao bloco. O presidente dos EUA deseja antecipar para 2003 a entrada em vigor do pacto, e as 34 nações se vêem no limite de dar seu parecer, assim foi de comum consenso prorrogar o prazo para 2005, e, para não se comprometer, o Brasil vai se desvencilhando das “pressões” por parte dos EUA, com cautela para não comprometer as relações bilaterais com o país.

O Brasil mantém firme a posição de que ele só virá a aderir ao pacto, se houver vantagens para ambas as partes, e que o acordo não se deite apenas sobre as barreiras tarifárias. O Brasil concorda sob o aspecto de que um acordo desse nível pode ser muito proveitoso para todos os membros inseridos nele, se tornando na mais fecunda parceria para um equilibrado desenvolvimento econômico- social das Américas.

O que está em vista, é o grau de integração que este pacto pode vir a trazer pra todos os participantes, em especial, ao Brasil. O Tesouro norte- americano gasta a cada ano em subsídios à agricultura US$ 100 bilhões, o que invalida assim, a capacidade de competição dos outros produtores latino-americanos. Fatos como esse, não podem acontecer na ALCA, possibilitando à todos os países oportunidades se não iguais, bem próximas disso. Uma outra forma de entrave que possa vir a acontecer também, são aquelas às importações sul-americanas que não se justificam como reações a procedimentos anormais de comércio. Restrições como as de grau fitossanitária a critério interno, acusações de dumping entre outras. O Brasil é o maior exportador de frango do mundo, mas nossos produtos não passam pelo controle rigoroso da fiscalização norte- americana por causa do veto sanitário. É disso que está em jogo aderir ou não à ALCA. E é isso de que o presidente brasileiro vai se valer para defender nossos interesses, pois detemos 40% do PIB sul- americano, e com certeza, os EUA não irão perder a chance de ter o maior ator sul- americano no pacto. O que parece ser de consenso à todos, é que não queremos um pacto de via de mão única, mas um que beire os moldes implantados pela União Européia.

Não há como não ver o quanto a ALCA é benéfica para todo o continente americano, mas o Brasil é o ator principal nesse contexto, e ele precisa manter o equilíbrio das regras, pois sua posição é muito mais complexa que todos os outros partícipes, pois ele é o país que mais cresce na região. Os Estados Unidos nos pedem mais abertura comercial, mas, pelo outro lado, sobretaxam nossos produtos mais competitivos. O que pode vir a acontecer do lado norte- americano, é que haverá uma certa pressão por parte de alguns setores da economia, no intuito de que ele mantenha o mercado reservado para produtos tais quais aço, suco de laranja, calçados e produtos agrícolas, justamente os produtos em que o Brasil é indiscutivelmente competitivo.

Um caso do que vêm acontecendo em relação às políticas econômicas externas do Brasil com os EUA é de que, no caso do açúcar, a tonelada do produto brasileiro chega aos consumidores do mercado internacional a US$ 200, sendo que os produtores americanos não o cobram por menos de US$450, fato decorrente da falta de competitividade. Por conta da política americana de subsídios, os Estados Unidos não jogam nem um centavo sequer no Brasil dos US$ 4,5 bilhões que gastam importando açúcar. Como vemos, de lá pra cá só se ver as muitas desvantagens da política econômica entre esses dois países. Nesse sentido, há que se analisar muito os ganhos que uma implementação da ALCA pode acarretar ao Brasil.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, diz que segundo suas estimativas, 60% das exportações brasileiras sofrem algum tipo de barreira alfandegária, isso porque o Brasil expressivamente seu mercado e reduziu nos últimos anos a tarifa média de importação para 15%. Apesar de que nos Estados Unidos a tarifa seja de 4%, as barreiras são inumeráveis que os produtos brasileiros acabam sendo discriminados no maior mercado consumidor do mundo.

Segundo nosso presidente, Fernando Henrique Cardoso, “o Brasil não cederá um milímetro sequer na sua posição de não antecipar a data de implantação da ALCA, sem ter a garantia de que o governo americano está realmente disposto a atender os pedidos brasileiros de derrubada das barreiras que impedem nossos produtos de passar pelas fronteiras americanas”, o que espera que haja uma predisposição do governo americano de achar um denominador comum na relação agrícola entre os dois países. Uma política bem voltada ao “dilema do prisioneiro”, que beneficie ambos os lados; se os Estados Unidos persistirem na integração com a América Latina, e manter sua posição em relação à agricultura, é inviável qualquer esforço por parte do Brasil em aderir ao pacto que, ao olhos dos Estados Unidos, “os maiores beneficiados serão os países que a ele se integrar”, usando de sua estratégia ideológica para tal finalidade. O que temos que nos ater é que, uma negociação mal pensada, e pesada, pode levar à sérios danos para o Brasil. Seria o suicídio da nossa economia. Isso vai muito do fato de que, enquanto as empresas brasileiras não estiverem em plenas condições de competir com as grandes empresas americanas, é praticamente impossível tirar ganhos desse pacto. O que, de fato, levaria uma média de 30 anos para as empresas brasileiras se equipararem com as americanas em termos competitivos. Isso é de conhecimento do governo, e, as ações dos atores têm que ser bem cautelosas para não alimentar um encontro de frente com a maior economia do mundo, o que não seria nada bom para o Brasil. Do outro lado da moeda, enquanto temos um futuro incerto para as empresas de pequeno e médio porte brasileiras, temos dois grandes tigres brasileiros no setor privado, que estão hábeis para uma competitividade equiparada aos EUA, e que, com certeza, correspondem à ganhos de se implantar a ALCA no Brasil. O grupo siderúrgico Gerdau iniciou a sua expansão internacional ainda no início dos anos oitenta, quando o mercado doméstico brasileiro parecia não ser mais suficiente para absorver novas ampliações de oferta, uma vez que a empresa atendia sozinha à pouco mais da metade do consumo local. A Gerdau expandiu-se para outros mercados pela compra de outras empresas, firmando o foco de sua internacionalização na região que lhe parecia com maior potencial de crescimento – ou seja, o hemisfério. Atualmente a Gerdau é a maior fabricante de aços da América Latina, com faturamento de US$ 2,26 bilhões em 1999, figurando entre as 25 maiores siderúrgicas do mundo. O resultado da sua opção preferencial pelas Américas ganha os contornos de um mapa desenhado a partir das possibilidades de expansão nos diferentes mercados nacionais – a empresa tem duas fábricas na Argentina, uma no Chile, duas no Canadá, quatro nos EUA e uma no vizinho Uruguai.

A outra grande empresa brasileira, é a Petrobrás. Ela mantém relacionamento comercial com países fornecedores de todos os continentes (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Rússia, Inglaterra, Noruega, EUA, Venezuela, Argentina, Angola, e Nigéria sendo alguns exemplos de grandes fornecedores de óleo bruto para o Brasil). A isto se soma um intercâmbio técnico-científico tradicionalmente muito denso. Há que se recordar que se encontram em andamento (ou já estão implantadas) importantes parcerias com empresas de países da região que se inscrevem no âmbito da estratégia que a empresa traçou para ter uma melhor inserção na ALCA, a saber: a) na Bolívia – criação da Petrobrás Bolívia (PEB), com a intensificação das atividades de exploração, e sobretudo com a conclusão e início da exploração do gasoduto Brasil-Bolívia, ao que se soma a aquisição de refinarias, a implantação de rede de postos de serviços e a comercialização direta de derivados e lubrificantes; b) na Argentina – criação da Petrobrás Argentina (PAR), na qual se efetivou a troca de ativos com a Repsol/YPF, o adensamento na participação no sistema de transporte por gasodutos e igualmente a exploração, produção, e comercialização direta de derivados e lubrificantes; c) nos EUA – criação da Petrobrás América (PAI) para a exportação de gasolina e a exploração direta de petróleo no Golfo do México; d) no Paraguai, Uruguai, Colômbia, Trinidad e Tobago, Equador e Peru, a holding tem empreendido iniciativas que possibilitem a comercialização direta de derivados, combustíveis e lubrificantes e a exploração e produção direta; e) na Venezuela, país rapidamente se transformou em grande fornecedor de petróleo e derivados para o Brasil.

Assim, é notório que, em particular essas duas empresas estejam muito bem preparadas para o desafio que virá a ser a competitividade com os demais tigres econômicos norte- americanos, e que encontram uma instrumentalidade favorável para o seu posicionamento no mercado, podendo sim trazer ganhos desconhecidos para o Brasil no pacto. O que não se aplica, como já foi debatido anteriormente aqui, à alguns setores da economia brasileiros, como o industrial, que ainda não detêm de meios seguros para se firmarem nesse bloco.

Aliás, no ponto de vista de alguns políticos, entendedores da temática, há muitas controvérsias de opiniões. O renomado Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães nos relata o que viria a acontecer com o Brasil caso ele viesse a aderir, dizendo que a “competitividade das mega empresas americanas são muito maiores do que as das brasileiras e pode-se chegar a conclusão que nossas exportações para tais países (do Mercosul) diminuirão enquanto aumentarão as exportações americanas, inclusive para o mercado brasileiro, onde a tarifa será zero. Aliás, este é o objetivo declarado dos Estados Unidos em promover a ALCA: aumentar suas exportações de bens e serviços e seu saldo comercial com esta região, sem prejudicar seus setores sensíveis, tendo em vista suas dificuldades de equilibrar seu comércio com outras regiões como a União Européia, o Japão e a China, com quem tem grandes déficits”. Nos dando ainda relevantes esclarecimentos no que concerne ao tema de que a implementação da ALCA, reduziria a margem de investimentos americanos no Brasil, visto que, como a TEC (Tarifa Externa Comum) deixaria de existir para os Estados Unidos e Canadá, isso faria com que as empresas se estalassem lá e distribuíssem de lá seus produtos para o mercado daqui e regional.

Do outro lado da visão, se encontra o presidente do Comitê da ALCA na FIERGS, Frederico Behrends, que acentua quais as possíveis vantagens do pacto, esclarecendo que “o papel da Mídia é esclarecer as novas oportunidades e também os riscos da zona hemisférica. Por exemplo, no caso do México, há cinco anos tínhamos o mesmo volume de exportações mexicanas só que por causa dos negócios com os EUA no Nafta eles cresceram 375% e o Brasil apenas 57% neste período. Então, teríamos aumentado nossos negócios em 160%. Uma argumentação contrária poderia ser de que lá a indústria é de maquiagem mas isso gerou divisas, empregos e indústrias paralelas”. Com o exemplo do México, ficou suposto que um mercado integrado, só traria benefícios para as empresas e para o país como o todo, pois estaria nos dando a oportunidade de negócios em um âmbito muito mais amplo do que o atual.

Para muitos, a ALCA é uma opção. Se os EUA não avançarem nas negociações, em termos de acabar com a lei de subsídios, antidumping, etc, não iremos sair do lugar. É fato que os países vizinhos quebrados, vão aderir à ALCA, como disse André Stumpf, jornalista. E, se todos os países da região resolverem aderir ao pacto, e não quisermos assinar nada, não sairemos perdendo muito, visto que o mercado regional não afeta em nada nossa política econômica exterior, segundo sua visão; o que diverge com a opinião do então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Lafer, que afirma que as negociações devem adquirir caráter de transparência, e que o pacto também possa trazer benefícios não só para os demais países que possam vir à aderir, como também para o Brasil porque “a perspectiva de constituição de uma zona de livre comércio no Hemisfério, com países que hoje respondem por 50% de nosso comércio exterior e 70% de nossas exportações de manufaturados para o mundo, precisa ser encarada com consciência da magnitude do que está em jogo”.

É de comum à todos que haja proveito dessa eventual união comercial, assim como também pensa o Secretário-executivo da Camex, Câmara de Comércio Exterior, Roberto Gianetti da Fonseca, ao assinalar que “é a negociação mais importante neste momento já que metade das nossas exportações vão para o hemisfério norte. No ano passado, 85% do crescimento das vendas brasileiras foram para lá. Agora, mais importante do que o calendário para o início da ALCA é o conteúdo do acordo. Se ele for bom, pode ser antecipado mas se não for, então que não ocorra nunca. Não estaremos isolados porque viemos tratando outros acordos com os países da União Européia, China, Índia, México e Mercosul. Temos esperança de que os EUA aceite pôr nas discussões as questões do antidumping e dos produtos agrícolas, cujo nível de protecionismo e de subsídios é fora do mercado da OMC”.

Há evidentes benefícios na atual abertura geral dos mercados. Escalas maiores e eliminação de tributos certamente propiciarão uma redução nos preços internacionais dos produtos, tanto para países pobres como para ricos. É o que está se propondo agora em informática e telecomunicações. As nações líderes da produção global de bens industriais e serviços (EUA, Japão, França, Alemanha e Inglaterra) que sediam os verdadeiros atores do processo econômico mundial – as grandes corporações transnacionais – embora tenham grandes divergências entre si, sabem que elas e suas empresas têm muito a ganhar na quebra das barreiras ao comércio internacional. Já os países pobres, com uma base industrial inexistente, embora temam seus efeitos, têm poucas alternativas a utilizar. O que importa a eles é caminhar, mesmo que bem mais lentamente que os outros. E é nesse sentido que uma união aduaneira vem a propiciar. A abertura ao comércio mundial é uma tendência inevitável. Mas a fragilidade da estrutura de empregos e da indústria nacional – por suas próprias ineficiências e pelo “custo-país” – exige uma estratégia inteligente que calibre simultaneamente a qualidade e a velocidade dessa abertura. Afinal, é a estrutura econômica e social de um país que está em jogo. O modo pelo qual os EUA vêm tentando impor o bloco aos países do continente, chega a ser de um modo tão deliberadamente coercitivo, que fatalmente pode vir a arranhar sua legitimidade de país líder perante os mesmos.

Segundo os norte-americanos os eventuais ganhos girariam em torno de melhor divisão e especialização internacional do trabalho, economias de escala, alocação mais eficiente dos fatores de produção, otimização das vantagens comparativas, dinamismo concorrencial, identificação de nichos de mercado, processos de racionalização, queda de preços e conseqüente aumento de bem estar para o consumidor. Além disso a liberalização comercial induz o aumento de produtividade ao patrocinar a importação de know-how, técnicas de gerenciamento e investimentos diretos. Não deixando-se levar, no entanto, pela postura ingênua de que os Estados Unidos estão interessados apenas em promover o bem-estar dos países do continente, há outros fatores que sim, seriam bastante vantajosos ao Brasil a serem considerados.

O que não pode deixar de acontecer, é que essa possível adesão brasileira ao bloco liderado pelos EUA, venha a comprometer o Mercosul. Só para efeito de análise, a implementação do Mercosul mais do que triplicou a troca entre os países membros, elevando-o de US$ 3,9 bilhões, em 1990, para US$ 12,4 bilhões, em 1995, com um crescimento de 212%. Perto de 60% desse comércio está ocorrendo no setor intra-industrial, liderado pelas empresas transnacionais, que nele encontram uma adequada proteção que mais do que compensa o alto custo sistêmico da região. Do lado das importações, o movimento intra-bloco aumentou de US$ 4,0 bilhões (1990) para US$ 12,7 bilhões (1995) o que poderia levar a crer em regionalismo fechado. Além do mais, o crescimento das exportações totais do Mercosul de 1990 a 1995 foi de 50%, e das importações totais do bloco foi de 150%. A tarifa média do Mercosul para manufaturados reduziu-se de 25% em 1990 para 12% em 1995. E essa liberalização com o exterior foi complementada pela eliminação e redução de inúmeras barreiras tarifárias e não tarifárias. Que fique evidente que uma possível adesão ao bloco, não comprometa as relações econômicas que o Brasil têm com os demais países do continente, e nem com a Europa, China, índia e outros demais países. É isso que deve ser também levado em conta nas negociações.

Finalmente, vamos analisar os ganhos propostos pelo trabalho, dessa possível integração com o continente americano para o Brasil. De imediato, os possíveis ganhos seriam:

aumento do fluxo de comércio com os demais países do hemisfério;
redução das barreiras tarifárias e não-tarifárias às exportações brasileiras;
participação em acordos de cooperação, inclusive financiamentos;
garantia de democracia na região;
política conjunta na área de direitos humanos;
reafirmação do Brasil como líder da América do Sul;
maior integração física nas áreas de transportes, energia elétrica e telecomunicações. No tocante ao PIB setorial, o impacto da ALCA, estaria atrelado à um aumento nos couros em 10,8%, na Cana-de-açúcar e beterraba em 3%, no açúcar em 1,4% e no vestuário em 0,6%.
Na agricultura, o empresário Blairo Maggi, maior produtor individual de soja do mundo, recebeu no ano passado meia dúzia de delegações de agricultores americanos em suas fazendas em Mato Grosso e Rondônia. Eles foram conferir como se produz a soja mais competitiva do mundo. O paranaense Maggi colhe 3 420 quilos de soja por hectare, contra a média americana de 2 450. Tal eficiência pode premiar sojicultores como Maggi tão logo a ALCA vire realidade. O prêmio, no entanto, só virá se os brasileiros puderem competir em condições de igualdade.

Na agroindústria, ela seria a maior beneficiada com a ALCA. A produtividade brasileira é alta, e a presença do produto do país só não é maior nos Estados Unidos. Caso estes concordem em rever sua política de subsídios à produção local, dando assim maior espaço para exportações brasileiras. A tarifa média de importação de óleo de soja nos países da região da ALCA é de 20%. Se for eliminado o imposto, o Brasil exportará US$ 200 milhões ao ano em óleo de soja para os Estados Unidos, hoje em dia é zero.

Na área de têxteis, apesar de ter estado fria no início dos anos 90, conseguiu alcançar considerável avanço, e se revigorou. A Coteminas, por exemplo, faturou 774 milhões de reais em 2000, 45% a mais que no ano anterior. Mais expressivo ainda foi seu desempenho na exportação: cresceu 130%, para 112 milhões de dólares. A Coteminas pode exportar mais. Um dos planos é aumentar a venda de lençóis nos EUA. Mas os americanos limitam a importação do Brasil a uma cota de 1,6 milhão de lençóis por ano. “A Alca facilitará nosso acesso ao maior mercado do mundo”, diz Josué Christiano Gomes da Silva, superintendente da Coteminas. O setor têxtil ganha com a ALCA. Só nos EUA, o mercado de camisetas é de 3,4 bilhões de peças. A cota de exportação do Brasil é de apenas 23 milhões. A principal vantagem da área de livre comércio para o setor têxtil seria a remoção das cotas que hoje limitam a entrada de produtos brasileiros nos EUA.

Na área de siderurgia, as usinas brasileiras de aço são mais modernas e produzem a custo mais baixo que as concorrentes americanas, hoje obsoletas e endividadas. Os produtores nos EUA têm lutado para manter seu mercado doméstico fechado. A ALCA poderia ajudar os brasileiros a vencer o lobby. Mas o principal desafio do setor é trilhar o caminho da gaúcha Gerdau, como citado anteriormente aqui. Os Estados Unidos, apesar de todas as barreiras impostas aos competidores internacionais, ainda são o mercado mais importante para a siderurgia brasileira, consumindo quase um terço de todo o aço colocado no mercado externo. Em 2000, das 9.617 mil toneladas de aço exportadas pelo Brasil, 3,1 milhões foram para o mercado norte-americano, rendendo receita de US$ 834,4 milhões. Devido as barreiras, a maior parte das vendas aquele pais é de semi-acabados, principalmente placas, lingotes e tarugos, que tem menor valor agregado. Esses produtos responderam por 2,3 milhões das 3,1 milhões de toneladas de aço colocadas pela siderurgia brasileira nos EUA. Apesar da forte concorrência internacional, empresas brasileiras poderiam ocupar mais espaço no mercado norte-americano. Entre os produtos acima da faixa dos semi-acabados, as restrições impostas pelos EUA são mais pesadas. Por isso mesmo, aços planos de menor valor agregado, como as bobinas a quente, predominam nas exportações brasileiras para aquele país. Nesse campo, estão as duas maiores siderúrgicas brasileiras, CSN e Usiminas, que dominam linhas de produção mais sofisticadas, como laminados a frio e aços revestidos.

No que concerne à área de autopeças, A Mangels, produtora de rodas, entre outros itens, se manteve no mercado, depois da crise do Plano Collor de abertura de mercado. Acertou o foco, antes diversificado, e enxugou a estrutura. Quando chegou o Plano Real, a empresa tinha voltado a lucrar e exportava US$ 50 milhões por ano. A valorização do real, porém, derrubou sua competitividade externa. Em compensação, a importação de equipamentos modernos ficou mais em conta. Mangels aproveitou a oportunidade e, de 1994 a 1998, investiu US$ 50 milhões na modernização de suas três fábricas. Resultado: hoje, diante da perspectiva da ALCA, é um otimista: “Quem sobreviveu aos anos 90 está preparado. Nossos custos agora são inferiores aos internacionais”.

No químico, a indústria nacional tem conquistado vantagens competitivas e se aproximando do mercado, mas é preciso garantir os direitos jurídicos diante de outros países. Isso significa a aprovação da “cesta básica” empresarial para maior abertura: reforma tributária, redução da taxa de juro, facilitação de investimentos.

O setor de calçados está de olho em acertar uma tarifa zero para os produtos brasileiros, em frente aos que continuarão a ser taxados, como os italianos e os asiáticos. A gaúcha Azaléia já manda 60% de suas exportações para os Estados Unidos. “Vamos sem dúvida exportar ainda mais”, diz Nestor Herculano de Paula, presidente da Azaléia. O setor calçadista é um dos poucos que estão preparados para a ALCA. O mercado norte-americano importa 1,7 bilhão de pares e produz apenas 10% ao ano. A industria brasileira teria condições de triplicar a exportação para os EUA se fossem eliminadas as tarifas de importação que variam de 8,5% a 17%. em média, chegando a 37% em casos especiais. Como nenhum país das Américas é concorrente, o setor não teme a importação para o Brasil.

Na área de cerâmicas, Os americanos tradicionalmente preferem revestir as paredes de suas casas com papel e acarpetar os pisos. Mas nos últimos anos vem aumentando o consumo de azulejos e pisos cerâmicos. Fabricantes brasileiros como a catarinense Cecrisa, do pólo cerâmico de Criciúma, já têm os EUA como o principal mercado exterior, embora seus produtos enfrentem lá uma tributação de 15%. A ALCA poderia significar a queda dessa taxa e daria vantagem na disputa com os produtores da Itália, o país que hoje mais vende cerâmica para EUA e Canadá.

No ramo de papel e celulose, empresas como a Klabin, a maior do setor, com receita de 2,4 bilhões de reais em 2000, dos quais 30% gerados com exportação, voltaram a ter lucro e a investir. Segundo Josmar Verillo, diretor-geral da Klabin, a concorrência no setor aumentará com a ALCA. “Precisamos reduzir pela metade a nossa carga tributária para competir em igualdade com os americanos. Com as condições de hoje, se eles chegassem sem barreira tarifária, seríamos triturados”. A empresa focou nas linhas de maior rentabilidade e com mais chance de crescimento: embalagens, papéis descartáveis e celulose. A decisão de abandonar nichos em que a atuação era complexa e pouco lucrativa foi tomada em 1998.

No setor de alimentos, a Sadia estuda a melhor maneira de atender o mercado norte-americano que só consome peito de frango. Estima-se que as exportações, que somaram US$ 800 milhões no ano passado, teriam reforço de US$ 300 milhões com a ALCA. O Brasil, o segundo país exportador de frango do mundo, tem tudo para incomodar os EUA. Tanto as aves quanto os suínos criados no Brasil são os mais baratos do mundo. Mesmo assim não entra um grama de carne de frango brasileiro nos EUA, devido à barreiras fitossanitárias, que devem ser conversadas repetitivamente até chegar à um acordo que beneficie nosso lado.

No aeronáutico, contamos com a presença forte da Embraer. Poucos países no mundo contam com uma indústria aeronáutica. O único entre os emergentes a ter destaque é o Brasil. A Embraer não depende da ALCA para continuar competitiva no mercado global. Não há barreiras tarifárias às vendas de aviões.

No referente à móveis, a Carraro, uma das maiores fabricantes brasileiras de dormitórios, mesas e cadeiras, sediada em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, obteve 10% do seu faturamento de R$ 75 milhões em 2000 com vendas no exterior. O mercado americano absorveu 80% do volume exportado, em especial móveis nobres, de madeira maciça.

Na área de automotivos, a Marcopolo, o maior fabricante brasileira de ônibus, acelerou sua internacionalização e se tornou uma multinacional. Produz ônibus na serra gaúcha, Portugal, México, Argentina, África do Sul e Colômbia. A Marcopolo gerou com a exportação cerca de 50% do faturamento de R$ 833 milhões em 2000. “Ainda não podemos estimar ao certo o tamanho do pulo que podemos dar com a ALCA, mas estamos prontos para ela, na hora que for”, diz José Martins, vice-presidente corporativo da Marcopolo. Segundo ele, a preparação para o futuro mercado comum americano já começou. De uns anos para cá, todos os contratos firmados pela empresa no continente incluem cláusulas prevendo que, com a ocorrência de “eventos” que mudem as regras vigentes, eles serão revistos. Os executivos da empresa fizeram isso prevendo a ALCA.

Estes são os setores que estão melhores preparados para uma eventual ALCA, e que, possivelmente possam trazer os benefícios que o Governo está preocupado em negociar, para não desfalcar a economia brasileira, muito menos comprometer a área social.

Muitos esforços ainda têm de ser feitos, para que possam assegurar a competitividade justa das empresas brasileiras frente os gigantes americanos. Mas, é certo que nossos empresários estão de olho no futuro há muito, e estão fazendo o possível para capacitarem suas empresas em um futuro bloco sem saírem perdendo.

Conclusão

Apesar dos esforços americanos em avançar no processo de integração, o que muito está atrelado à uma política em que eles incluem coerção para tais fins. As estratégias hegemônicas bem sucedidas sempre foram constituídas por uma combinação de força (ou ameaça) e de liderança moral e intelectual. E é baseado nisso que segue os “avanços” para conclusão do bloco.

Os Estados Unidos levantam a bandeira do livre comércio como sendo de interesse universal e com propósitos de promover a prosperidade mundial. O que têm que ser levado em conta não só pelo Brasil, mas como para todos os países que aspiram à uma adesão, a defesa do emprego, a qualidade ambiental, sua posição geopolítica e o equilíbrio de seu Balanço de Pagamentos – pelos efeitos perversos que problemas nessa esfera podem acarretar nas suas demais variáveis macroeconômicas. Importam, também, o valor adicionado de sua produção local, o nível de empregos e os impostos arrecadados.

Lembremos, por exemplo, o modelo da China. Um país comunista, que viveu tempos de crises, mas que soube aproveitar o que tinha de bom, e promoveu seu crescimento, assinalo, sem precisar ter integrado bloco algum, e sem precisar ficar sob a influência americana. As décadas de protecionismo encaradas pela América Latina, contribuíram para um progresso industrial, mas também para a acomodação de uma classe empresarial e pouca inovadora. Apesar de em alguns anos ter crescido substancialmente, nos ainda temos que mudar muitas coisas nos setores da nossa economia para enfrentar uma possível adesão. Esses possíveis acordos regionais, em forma de bloco, podem tanto se apresentar como uma forma de obstáculo ou de estímulo. Eles são mais extensos e profundos do que aqueles engajados pela OMC. Podem ajudar na ampliação da pauta da mesma ao criar mecanismos que podem ser servidos à toda comunidade internacional. Por outro lado, regras usadas à nível regional, podem ser usadas como barreiras não-tarifárias, onde exigências de padrão de proteção ambiental e de trabalho são na verdade práticas de protecionismo mascaradas.

Um ponto que deve ser revisto é o fato de que, muito se fala que essa possível integração nos daria passagem ao mercado americano. Não devemos nos deixar nos fazerem de bobos. Não há garantias que o líder do continente não continuará a usar sua política protecionista, e o que só beneficiará seu lado. Ou seja, têm-se que atentar para todos os lados na busca de um denominador comum.

O processo de integração à ALCA é bom, isso não se pode negar. Mas não podemos abrir mão dos nossos outros mercados conquistados, e do Mercosul em favor de uma união exclusiva com os Estados Unidos. Temos que procurar uma melhor forma de negociar, para que não seja uma via de mão única o bloco econômico.

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