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sábado, abril 20, 2024

A AUTONOMIA ESCOLAR NO CENTRO DO DEBATE

Autora: Denise Carreira

A autonomia escolar ocupa lugar de destaque no debate das mudanças em curso nas políticas estaduais de educação. Em declarações e artigos de representantes da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE), publicados na imprensa, a autonomia ora aparece como princípio a ser afirmado por essas mudanças, ora como um mito a ser desconstruído, “armadilha” e até panacéia alimentada ao longo dos anos de 1980 e 1990. Nesta última perspectiva, as políticas comprometidas com a promoção da autonomia escolar são acusadas de terem gerado uma profunda fragmentação pedagógica, desorganização nas escolas e excessiva liberdade nas redes públicas de ensino, contribuindo para a queda da qualidade da educação.

Afinal, a autonomia escolar deve ser responsabilizada dessa forma? De qual autonomia está se falando? Que condições ela exige para florescer e qual a relação entre ela e a ação das secretarias de Educação?

A autonomia escolar não pode ser entendida como algo absoluto e que prescinda da ação organizada e coordenada das Secretarias por meio de suas políticas; e, muito menos, responsabilizada pelas limitações, inadequações e insuficiências dessas mesmas políticas, ao longo das últimas décadas, em garantir condições adequadas para que a autonomia escolar de fato pudesse se desenvolver em todo o seu potencial, observa Elie Ghanem.

Com base na produção de José Mario Azanha, Ghanem retomou o conceito de autonomia como “possibilidade de estabelecer novos paradigmas”, “capacidade de estabelecer normas” e como “compreensão própria das metas da tarefa educativa em uma democracia”. Em um breve giro pela história, o pesquisador mostrou como a autonomia figurou na legislação e nas políticas educacionais desde os anos de 1930, em sua tensão permanente com o contexto político do País.

Uma autonomia que desaparece em períodos ditatoriais, que se restringe à dimensão didática em outros momentos e que é afirmada enfaticamente e de forma ampla na abertura democrática na década de 1980, como processo comprometido com a partilha do poder e o estímulo a que educadores(as) e comunidades participassem das decisões das políticas educacionais, como preconizado pelo governo de Franco Montoro (1983-1987), no Estado de São Paulo.

Nos anos de 1990, a autonomia começa a ser desqualificada por alguns setores que propõem a aplicação da lógica gerencial e de prestação de serviços na gestão educacional, ao mesmo tempo em que é defendida por aqueles e aquelas que a entendem como caminho para a efetivação das políticas de descentralização e democratização das decisões políticas. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), a autonomia aparece no artigo 12, vinculada ao desenvolvimento dos projetos político-pedagógicos da escola.

Em meio a tantas tensões, afirmações e recuos, o debate sobre autonomia revela o lugar de poder da escola nos sistemas educacionais. Para Ghanem, a lógica vigente estabelece uma forte hierarquia administrativa entre secretarias e escolas, sendo que as últimas ocupam a base da pirâmide, carecendo de poder. “A escola não deveria estar acima ou abaixo, ela deve estar no centro das políticas educacionais”, afirma o professor.

O desenvolvimento da autonomia escolar depende profundamente da existência de um trabalho em equipe, que gere reflexão sobre a realidade, identificação de problemas comuns e a construção de soluções coletivas. Está também relacionado à capacidade de a escola estabelecer e alimentar vínculos com a comunidade e estimular a participação cidadã. Como viabilizar o trabalho em equipe e a relação com a comunidade em realidades escolares marcadas predominantemente por profissionais sobrecarregados(as), com muitos(as) alunos(as) por turma, sem tempo para formação, reflexão coletiva e preparação do trabalho pedagógico, atuando em várias escolas e com alta rotatividade?

Para se desenvolver plenamente, a autonomia escolar exige um conjunto de condições que as políticas educacionais ainda não conseguiram garantir, entre elas, a valorização e a formação dos(as) profissionais da educação.

Além de ferir um princípio da Constituição Brasileira, desqualificar a possibilidade da autonomia escolar e limitar os seus sujeitos ao papel de executores significa reduzir a complexidade na tarefa educativa e comprometer o potencial de mudança que se pretende estrutural. “Mudanças têm mais chance de sucesso quando são desejadas e envolvem aqueles que têm um papel vital no processo. Como se propõe uma mudança estrutural na política estadual desconsiderando-se totalmente o diálogo com os profissionais de educação? Qual a chance de sucesso?”, questiona Ghanem.

Jornal do Aluno

A professora Regina Oshiro abordou sua experiência e a de um grupo de docentes da rede estadual com os materiais fornecidos pela Secretaria de Estado da Educação no início do ano letivo de 2007, para o ciclo II do ensino fundamental da rede estadual (5ª a 8ª série). Em especial, o “Jornal do Aluno” e os vídeos distribuídos como parte do Programa São Paulo Faz Escola.

Sintonizada com outras opiniões apresentadas ao longo do seminário, Regina destacou que o programa foi imposto à rede estadual sem qualquer tipo de diálogo com as equipes escolares, o que se caracterizou, para grande parte do professorado, como profundo desrespeito à sua autonomia. Apesar disso, Regina observou que uma parcela significativa dos profissionais aprovou a iniciativa da Secretaria, entendendo que o material facilitaria um cotidiano marcado pela falta de tempo para preparação das aulas.

A professora avaliou que os materiais das várias disciplinas – que estão subordinados ao objetivo principal de desenvolvimento da leitura e do raciocínio lógico-matemático – foram produzidos de forma aligeirada, com tratamento superficial e equivocado de vários conteúdos. Observou também que a implementação do Programa São Paulo Faz Escola modificou o cotidiano escolar, as dinâmicas de avaliação e colocou um novo papel para o(a) coordenador(a) pedagógico. Criticou o fato de o material e de sua aplicação serem pouco sensíveis à diversidade dos ritmos de aprendizagem dos(as)alunos(as), ao estabelecer a exigência de abordagem de uma grande quantidade de conteúdos em uma aula.

Também observou que no material há passagens que restringem o enfrentamento de problemáticas complexas – como as dificuldades vivenciadas pelo ensino noturno – a uma questão de capacidade do(a) gestor(a) escolar de coordenar ações. Em outra passagem, é minimizado o impacto das condições de trabalho no processo de aprendizagem ao se afirmar que o grande número de alunos(as) em uma classe não compromete a qualidade.

“Na base de tudo isso, existe um discurso que justifica a precarização das condições de trabalho e reforça a responsabilização dos profissionais pelos problemas da educação pública, eximindo as secretarias da necessidade urgente de garantir condições adequadas para o desenvolvimento do trabalho escolar”, afirma Regina.

A opinião de estudantes foi expressa pela aluna Carolina Roberto do Nascimento, da Escola Estadual Tide Setúbal. Segundo ela, os(as) alunos(as) foram surpreendidos(as) pela entrega do material no começo do ano. “No início, muitos acharam que poderia ser algo bom, que garantisse uma mesma qualidade de ensino para todos. Depois, começamos a achar que os conteúdos foram sendo “jogados” em cima da gente. Tudo muito rápido, sem muita discussão”.

Autonomia responsável

Gustavo de Oliveira, da Revista Nova Escola, lembrou que jornalistas têm dificuldade de acesso a informações nas secretarias: “Há muito que avançar”. E ponderou sobre a necessidade de uma “autonomia escolar responsável”, submetida a uma lógica de interesse público. “Por exemplo, não podemos deixar que uma direção mantenha livros trancados”. O repórter defendeu a necessidade que a autonomia seja construída por meio de um forte diálogo e envolvimento com a comunidade. Várias falas reforçaram a importância do controle social e da gestão democrática como bases para a autonomia escolar e do envolvimento das entidades sindicais nesse debate.

* Este texto reflete as exposições e debates empreendidos durante o “Seminário Mudanças na Educação Paulista: gestão, currículo e profissão docente”, na mesa “Autonomia político-pedagógica – alteração nas atribuições da escola e dos profissionais da educação”, que teve a participação de: Elie Ghanen, professor da Faculdade de Educação da USP; Regina Oshiro, professora da rede pública estadual na capital; e Gustavo de Oliveira, repórter da revista Nova Escola.

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