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quarta-feira, abril 17, 2024

Ações que Concretizam o Controle da Constitucionalidade

No presente trabalho de conclusão do Curso de Pós Graduação escolhemos o tema das ações que concretizam o controle de constitucionalidade por ser relevante para o Estado Democrático de Direito, que busca garantir que todas as espécies normativas do ordenamento jurídico estejam em conformidade com a Constituição Federal. Através da observação de validade à luz da Carta Maior é que se poderá aferir se as normas são ou não constitucionais. Nesse momento, é que entra o controle de constitucionalidade, observando se as leis e normas estão compatíveis com a Carta Magna. Para realizarmos esta monografia, pesquisamos a bibliografia dos grandes doutrinadores nacionais, através de análises textuais, interpretativas e temáticas, além de buscarmos as mais recentes decisões nos Tribunais Superiores. Os principais objetivos desta pesquisa são conceituar e demonstrar a diferença entre as espécies de ações de controle de constitucionalidade, discorrer sobre cada uma das ações mencionadas e demonstrar a diferença entre elas.

Palavras chaves: Controle de Constitucionalidade, Supremo Tribunal Federal, Constituição Federal, supremacia, lei.

ABSTRACT

In the present study completion of the Post Graduate chose the theme of the shares which give the judicial review to be relevant to the democratic rule of law, which seeks to ensure that all species of normative legal system in conformity with the Constitution. Through the observation of validity under the Charter Staff can one assess whether the rules are constitutional or not. At this point, do you get control of constitutionality, observing the laws and regulations are consistent with the Constitution. To accomplish this thesis, we studied the literature of the great national scholars, through textual analysis, and interpretation issues, and seek the most recent decisions in the Superior Courts. The main objectives of this research is to conceptualize and demonstrate the difference between the classes of shares of judicial review, discuss each of the actions mentioned above and demonstrate the difference between them.

Key words: Control constitutionality; Supreme Federal Court; Federal Constitution, supremacy, law.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
2 CAPÍTULO 1 – DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
2.1 O SISTEMA “AMERICANO” DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
2.3 MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
2.3.1 Quanto à natureza do órgão com competência para o controle
2.3.2 Quanto ao momento da realização do controle
2.3.3 Quanto ao modo de manifestação do controle
2.3.4 Quanto ao número de órgãos com competência para o controle
2.3.5 Quanto ao alcance subjetivo
2.3.6 Quanto ao alcance objetivo
2.4 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
2.4.1 Conceito de Controle de Constitucionalidade 
3 CAPÍTULO 2 – DAS AÇÕES QUE CONCRETIZAM O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
3.1 DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
3.2 DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
3.3 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA
3.4 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
3.5 DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, buscamos pesquisar uma questão que entendemos ser, ao mesmo tempo, tanto polêmica quanto relevante, qual seja, a questão das ações que concretizam o controle de constitucionalidade. Todavia, antes de adentrarmos ao cerne do trabalho faz-se necessário abordar alguns aspectos históricos, jurídicos e doutrinários.

Vale ressaltar, no entanto, que não pretendemos esgotar tudo aquilo que diz respeito ao controle de constitucionalidade. Tendo em vista a vastidão do tema, faremos uma explanação sucinta a respeito do assunto ora analisado, trazendo as discussões mais recentes relativas ao controle de constitucionalidade. Certamente o estudo comportaria um aprofundamento ainda maior, mas acreditamos que a pesquisa possa servir de fonte de consulta no estudo desta importante e atual temática, sobretudo para aqueles que se dedicam ao tema.

Necessário mencionarmos que muito poderia se discutir nesse estudo haja vista a variedade de temas interessantes que se interligam ao objeto do presente trabalho, quais sejam, o constitucionalismo, o papel da hermenêutica constitucional, contudo, fugiríamos do tema proposto.

Inicialmente, faremos uma breve explanação histórica do sistema americano e a evolução histórica do controle de constitucionalidade através das Constituições brasileiras.

Em seguida, mencionaremos alguns critérios de classificação adotados pela doutrina e, dentro deste mesmo tópico, faremos uma breve análise sobre os efeitos dos mecanismos utilizados no campo do controle de constitucionalidade.

Como forma de adentrarmos ao interessante tema que nos propomos à apreciação, mister se faz abordarmos alguns pontos relativos ao próprio controle de constitucionalidade, vez que as ações mencionadas no título desse estudo são formas do exercício da jurisdição constitucional, logo, instrumentos de defesa da Carta Maior.

Por meio do controle de constitucionalidade almeja-se uma forma de estabilidade do sistema implantado pela Constituição Federal, buscando-se a consagração da supremacia do estabelecido pela Lei Maior em relação aos demais atos normativos exarados pelo Estado, por qualquer de seus entes federativos.

Controlar a constitucionalidade de um ato normativo infraconstitucional implica em atribuir ou não a esse diploma validade jurídica diante da ordem constitucional vigente, quer em seu aspecto material quer no formal.

O controle da constitucionalidade, atualmente, no sistema jurídico brasileiro, além da característica política controle preventivo, relevada sobremaneira, com o veto presidencial e as Comissões Parlamentares específicas, ganha contorno pela via de ação judicial.

Esse controle jurisdicional da constitucionalidade pode ser realizado pela denominada via de exceção ou difusa, como também, pelo chamado controle concentrado ou de ação, de forma que podemos aludir que o Brasil adota um “sistema misto” de controle.

Como o cerne do presente estudo encontra-se nas denominadas formas de controle constitucional concentrado ou, segundo a doutrina mais abalizada, na jurisdição constitucional, o controle pela via de exceção não será amplamente abordado.

Nesse sentido, merece ser lembrado, tão somente, que no controle difuso há o reconhecimento da inconstitucionalidade incidenter tantum, ou seja, dentro de um processo comum, para um caso concreto, com efeito meramente inter partes, declarando-se a inconstitucionalidade num plano secundário.

Já o controle de constitucionalidade pela via de ação, por qualquer de suas modalidades, quais sejam, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental, denota-se pela sua maior complexitude, abrangência e relevância dentro da manutenção da ordem constitucional e supremacia das regras e princípios constitucionais.

Os fundamentos do controle da constitucionalidade residem na supremacia e na rigidez da norma constitucional.

A rigidez constitucional importa na impossibilidade de alteração do texto constitucional por normas de cunho ordinário. Daí a importância de se exercer o controle da constitucionalidade das normas infraconstitucionais, já que não é possível a existência de normas incompatíveis com a Constituição Federal. Nos países onde as Constituições são do tipo flexível não há necessidade de se aferir a harmonia das normas comuns para com a Norma Suprema, porquanto a reforma desta se perfaz com legislação de caráter comum.

Tendo-se, pois, um escalonamento normativo em cujo cume localiza-se a Constituição, fácil perceber que todas as demais normas componentes desse ordenamento encontrarão nela a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. Não se dá conteúdo à Constituição a partir das leis. A fórmula a adotar-se para a explicitação dos conceitos opera sempre de cima para baixo – a chamada compatibilidade vertical –, o que serve para dar segurança ao ordenamento jurídico.

Feita essa consideração inicial, passemos a análise e apresentação do tema que nos fora proposto, através de uma abordagem acerca das principais características e diferenças de cada qual dos meios de exercício da jurisdição constitucional.

2 CAPÍTULO 1 – DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: A GARANTIA DA SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

2.1 O SISTEMA “AMERICANO” DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A idéia de supremacia da Constituição é originária do constitucionalismo norte-americano e é considerada como a criação jurídica mais importante dos Estados Unidos, ao lado do sistema federal. A própria Constituição Federal dos EUA, de 17 de setembro de 1787, consagrou essa supremacia, ao incluir no seu artigo VI, cláusula 2.º (mais conhecido como supremacy clause), a seguinte redação:

“Esta Constituição, as leis dos Estados Unidos em sua execução e os tratados celebrados ou que houverem de ser celebrados em nome dos Estados Unidos constituirão o direito supremo do país. Os juízes de todos os Estados dever-lhes-ão obediência, ainda que a Constituição ou as leis de algum Estado disponham em contrário.”(1)

Cerca de duas décadas depois de haver entrado em vigor a Constituição dos Estados Unidos, o juiz John Marshall, em 1803, defrontou-se com o caso Marbury versus Madison, no qual injunções políticas se combinaram com jurídicas.

Nas eleições de 1800, os Republicanos (liderados por Thomas Jefferson) haviam derrotado os Federalistas (liderados por Alexander Hamilton). Porém, antes de deixarem o poder em 1801, os Federalistas criaram judicaturas, que os Republicanos não pretendiam manter, entre as quais se incluíam funções de juiz de paz.

Nesse contexto político, o Presidente John Adams – que sucedera a George Washington, de quem fora vice-presidente e que recusara a segunda reeleição – nomeou William Marbury e outros como juízes de paz no Distrito de Colúmbia. Porém, estando de saída do cargo de Secretário de Estado (da gestão do Presidente Adams), John Marshall não ultimou as providências necessárias para que Marbury e outros tomassem posse. Também não as ultimou o novo Secretário de Estado, James Madison (da gestão do Presidente Jefferson), que era republicano e, portanto, opositor dos federalistas, que haviam feito as nomeações. Pelo que, contra James Madison, William Marbury e outros impetraram uma ação de mandamus, resultando no célebre caso Marbury versus Madison, pioneiro dessa espécie de ação perante a Suprema Corte norte-americana.

Porém, não foi esse o pioneirismo que celebrizou esse caso. Foi o de consolidar em mãos dos juízes o poder de controle de constitucionalidade – the power of judicial review – isto é, o poder de revisão judicial, que reconheceu aos juízes, de modo definitivo, a faculdade de rever perante a Constituição os atos dos legisladores.

A bem da verdade, se este foi o primeiro caso em que a Suprema Corte reviu um ato legislativo, não foi o primeiro em que juízes exercitaram tal poder de rever, pois o revelaram no Hayburn’s Case em 1792. Nem foi a primeira vez em que a própria Suprema Corte o exercitou. Já em 1796, no caso Hylton versus United States, ela sustentara a constitucionalidade de um ato legislativo de tal forma, que não deixou dúvida de que o teria declarado inconstitucional, se disso estivesse convencida.

Também antes, no número 78 de O Federalista, coleção de artigos publicados na imprensa em prol da aceitação da proposta de união pelos Estados que se uniam, Alexander Hamilton – procedendo a um exame da repartição judiciária do governo proposto e analisando a utilidade e a necessidade de uma judicatura federal – já havia afirmado que a interpretação das leis é uma província própria e peculiar das cortes e que uma constituição é, de fato, e deve ser considerada pelos juízes uma lei fundamental e que, portanto, cabe a estes verificar o significado dela, assim como o significado de qualquer ato particular procedente da corporação legislativa, de tal modo que, se suceder que exista uma discordância irreconciliável entre ambos, aquele que tiver validade e obrigatoriedade superiores deve, certamente, ser preferido; ou, em outras palavras, a Constituição deve ser preferida à lei: a intenção do povo, à intenção dos seus agentes.

Já se admitia amplamente, portanto, que o Poder Judiciário detinha, como parte de sua competência constitucional, o poder de revisão – the judicial power of review – dos atos do Congresso dos Estados Unidos, no tocante à sua adequação constitucional. Apesar desses precedentes, é sabido que foi o célebre voto de Marshall, na decisão do caso Marbury versus Madison, que firmou esse poder sobre uma argumentação precisa e completa. Tanto, que definiu um sistema de controle da constitucionalidade das leis, que se tornou modelo para vários outros países, sobretudo nas Américas, inclusive para o Brasil desde o advento da República, conforme se verificará no decorrer do presente trabalho.

John Marshall, na condição de Juiz Presidente da Suprema Corte, enfrentava graves dificuldades, pois vivia-se o início da Federação norte-americana, em que os poderes em face da Constituição ainda não estavam definidos com pormenor e firmeza, ensejando embates – avanços ou recusas entre os três Poderes – hoje inaceitáveis.

Nessa época, a Suprema Corte ainda não granjeara o enorme respeito de que hoje desfruta. Particularmente no mandamus impetrado por William Marbury, John Marshall viveu dilema só compreensível à luz das condições políticas da época. De um lado, ele entendia que as nomeações feitas pelo Presidente Adams eram de ser mantidas. De outro lado, temia que o poderoso Secretário de Estado, James Madison, sob os auspícios do não menos poderoso Presidente, Thomas Jefferson, ignorasse o mandado em favor de Marbury, o que desmoralizaria o Juiz e a Corte, pondo em risco a recente Constituição dos Estados Unidos, em decorrência de um grave choque entre os Poderes, mais intensamente entre o Judiciário e o Executivo.

Salus reipublicae summa lex esto (a salvação da república deve ser a suprema lei): urgia não colocar em risco, mas subtrair a qualquer risco de desconstituição a ainda frágil república norte-americana. Orientado e alentado por esse desiderato, John Marshall resolveu o impasse dando ao país uma aula de direito, em que sustentou que Marbury e outros tinham direito à posse, mas ele não tinha competência constitucional para conceder o mandamus. Marshall reconheceu que a Lei Judiciária (Judiciary Act) de 1789 dera à Suprema Corte o poder de expedir aquele tipo de mandado contra agentes de outros Poderes. Mas afirmou que a lei, ao agir assim, era inconstitucional, pois alargava a competência fixada pela Constituição para a Suprema Corte.

Eis as palavras de Marshall: A competência, entretanto, dada à Suprema Corte, pela lei que estabeleceu as cortes judiciárias dos Estados Unidos, de expedir writs of mandamus dirigidos aos agentes públicos, parece não estar garantida pela Constituição; e torna-se necessário indagar se a jurisdição, assim conferida, pode ser exercida.

Nessa indagação, Marshall colocou a alternativa histórica: ou a Constituição controla qualquer ato legislativo que a repugna, ou, então, o poder legislativo pode alterar a Constituição por uma lei ordinária. Acrescentou não haver meio termo, de modo que: ou a Constituição é uma lei superior, uma paramount law, inacessível à legislação ordinária; ou ela está no mesmo nível das leis ordinárias e, como qualquer lei ordinária, pode ser mudada a bel-prazer do poder legislativo. Argumentou: Se a primeira parte da alternativa for verdadeira, então um ato legislativo contrário à Constituição não é lei; se a última parte for verdadeira, então as constituições escritas são tentativas absurdas, por parte do povo, de limitar um poder em sua própria natureza ilimitável. Em suma, ou a constituição escrita limita o poder legislativo, ou o poder do Estado é ilimitável.

E concluiu: Certamente, todos aqueles que estruturaram as constituições escritas as contemplaram como formando the fundamental and paramount law of the nation, e conseqüentemente a teoria de todo governo assim constituído deve ser que um ato do poder legislativo, repugnando a Constituição, é void (=juridicamente vazio, inexistente). Essa teoria está essencialmente ligada a uma constituição escrita e, conseqüentemente, deve ser considerada por esta Corte como um dos princípios fundamentais de nossa sociedade.

Além desse argumento alternativo baseado na própria finalidade histórica do constitucionalismo, que adveio para limitar o poder do Estado, defendendo a liberdade dos indivíduos contra o arbítrio dos reis absolutos, John Marshall também usou de outros argumentos para descartar a lei infringente da constituição. Interessante é o que sacou do texto do juramento que o juiz faz, obrigando-se decidir conforme a Constituição e leis dos Estados Unidos. Ora, disse ele, o juiz só pode agir em conformidade com a constituição, se esta se impuser. Ademais, aí a constituição é mencionada em primeiro lugar, induzindo que as leis dos Estados Unidos não são quaisquer leis, mas somente as que estiverem de acordo com ela.

Marshall encerra o seu voto, dizendo: Desse modo, a linguagem particular da Constituição dos Estados Unidos confirma e reforça o princípio, que se supõe ser essencial a todas as constituições escritas, de que é void (= juridicamente vazio, írrito, inexistente) uma lei que repugna a Constituição.

Com isso, referindo-se àquela norma da Lei de Organização Judiciária (Judiciary Act) de 1789, que dera à Suprema Corte o poder de conceder aquele mandamus, ele conclui: A norma deve ser descartada. E denegou o mandado.

Eis como, por obra da jurisprudência, o controle de constitucionalidade surgiu sob a égide de uma constituição que, tendo sido uma das primeiras constituições escritas e rígidas, não o previu expressamente. Assim, nos Estados Unidos, como em qualquer Estado cuja constituição for escrita e rígida, exigindo para sua emenda um processo mais rigoroso do que o processo legislativo ordinário, é necessário haver controle de constitucionalidade, com a finalidade de inibir a execução de leis que afrontem a Constituição, uma vez que, por isso mesmo, em última análise, elas não são leis, verdadeiramente, mas sim atos natimortos. São atos que já nascem mortos para o Direito. São írritos e nulos, juridicamente inexistentes. De tal maneira, não podem produzir nenhum efeito de direito, ainda quando produzam efeitos de fato, que devem ser, se não evitados, ao menos reparados por compensações, indenizações ou quaisquer outras formas juridicamente aceitáveis.

Foi desse modo – pela atuação da Suprema Corte norte-americana e, sobretudo, do juiz John Marshall que se instaurou um sistema de controle da constitucionalidade, que se converteu em modelo, na medida mesma em que passou dos Estados Unidos para outros estados das Américas. Veio a ser conhecido como modelo ou sistema americano, dito também sistema ou modelo difuso, tendo em vista aquela que é – quiçá – a mais marcante de suas características: a difusão da competência de controlar por todos os juízes, indistinta e democraticamente.

Desse sistema, temos, resumidamente, as seguintes características típicas:

a) é incidental, pois a questão da constitucionalidade incide em outra questão que é a principal do litígio trazido a juízo; “incidir” se origina do latim in cadere, que significa “cair em” ou “cair sobre”; o debate da constitucionalidade não é a questão principal objeto do processo, mas é questão incidental: ela “cai” sobre a questão principal;
b) é difuso, pois a competência para controlar é difusa, isto é, difundida por todos os juízes e tribunais, não sendo concentrada nas mãos de um juiz ou tribunal único;
c) é declaratório, pois o ato inconstitucional é julgado um natimorto jurídico, nunca sendo anulável, porque jamais seria convalidável, mas sendo sempre nulo de pleno direito, porque nunca nasceu para o direito, tocando ao juiz apenas a função de declarar essa nulidade ab origine, com eficácia inter partes e ex tunc;
d) é inter partes, pois a decisão do juiz ou tribunal sobre a questão de constitucionalidade somente produz efeito entre as partes litigantes, não tendo eficácia erga omnes, ou seja, “contra todos”, que é o significado da expressão latina erga omnes;
e) é ex tunc, pois o ato declarado inconstitucional, sendo um natimorto jurídico, nulo de pleno direito, não pode produzir efeitos jurídicos desde quando nasceu, ou seja, “desde então”, que é o significado da expressão latina ex tunc; eventuais efeitos ocorridos devem ser desfeitos, quer sendo materialmente desconstituídos, quer sendo reparados por indenização, compensação ou outro meio viável;
f) é casual e concreto, pois se processa caso a caso, sempre in casu, em concreto.

Como disse Marshall, no processamento e no fim do controle, todo ato declarado inconstitucional é nulo e írrito, não produzindo efeitos de direito (efeitos jurídicos) desde a origem (ex tunc), ainda quando os produza de fato. Isso, segundo a doutrina tradicional.

A doutrina mais recente, buscando inspiração em Hans Kelsen, afirma que não pode existir uma nulidade tal, vazia de efeitos. Em verdade, o simples entrar de um ato jurídico – mormente uma lei – no ordenamento jurídico já é um efeito jurídico. Assim, todo ato jurídico, só por ser jurídico, já tem efeito jurídico. Portanto, não cabe dizer que o ato é nulo – natimorto – não produzindo efeitos desde quando nasceu. O que cabe é a anulação dos efeitos, a qual pode ser, ou só de agora para o futuro (ex nunc, o que significa “desde agora”), ou retroagindo ao passado até a origem do ato (ex tunc, o que significa “desde então”), ou mesmo por um tempo futuro (pro tempore futuro) pré-fixado. Não há falar em nulidade, mas, sim, em anulabilidade, com ou sem efeito retroativo.

Essas divergências teóricas podem resultar no mesmo desfecho prático: o de ser o ato inconstitucional juridicamente desconsiderado desde sua origem (ex tunc), sendo desde então os seus efeitos reparados, se produzidos, ou impedidos, se ainda não produzidos. Mas também podem resultar em práticas diferentes, ou seja, em soluções, sistemas ou modelos, em que o ato inconstitucional é anulável ex tunc, ou ex nunc, ou pro futuro, sendo que, nessas duas últimas hipóteses, são considerados válidos os atos praticados até o início de vigência da anulação. Em suma, a partir do princípio de ser considerado nulo ou anulável o ato inconstitucional, podem resultar – como resultaram – sistemas ou modelos diferentes na sua concepção e nos seus resultados.

Ao longo do século XIX, o modelo ou sistema americano de controle da constitucionalidade foi intensamente praticado e, apesar de ter sido constantemente aprimorado pelo constitucionalismo dos Estados Unidos e de outros estados, revelou algumas inconveniências.

O modelo americano não é econômico, sobretudo no campo processual, porque, resolvendo a inconstitucionalidade caso a caso, em concreto, com eficácia meramente inter partes, ocasiona a proliferação dos processos para tratar de casos essencialmente iguais, que redundam na só repetição do mesmo caso, com a mesma causa de pedir: a causa petendi é praticamente a mesma, só variando as partes litigantes e as situações ou condições acessórias do pedido.

Ademais, sobretudo nos países de direito não anglo-saxão, mas germano-românico, nos quais não prospera o stare decisis, o modelo americano gera uma certa instabilidade jurídica, não é um sistema plenamente coerente, visto que diversos juízes prolatam decisões diversas, não raro até conflitantes, sobre casos essencialmente iguais em matéria de constitucionalidade. Alguns juízes dão pela inconstitucionalidade e outros, não. Assim resulta que, meramente em função da distribuição do processo para este ou aquele juiz, pode uma pessoa sofrer algum ônus, ainda que transitório, que outras não sofreram, em casos praticamente iguais.

Visando a superar esses convenientes, como também por outros motivos de ordem teórica e prática, engendrou-se um novo método ou sistema de controle da constitucionalidade, mediante uma ação direta de inconstitucionalidade de leis e outros atos normativos, abreviadamente dita ação de inconstitucionalidade (mais conhecida pela sigla ADI).

Esse modelo ou sistema é chamado europeu, ou austríaco, ou kelseniano, porque pioneiramente apareceu na Europa, na Constituição da Áustria (1920/1929), por inspiração de Hans Kelsen. Suas características, em geral opostas ao sistema ou modelo americano, consistem em ser ele:

a) principal, porque a questão da constitucionalidade é a principal da ação, sendo a própria razão de ser dela: a causa petendi; portanto, há uma ação própria para litigar sobre a constitucionalidade;
b) concentrado, porque a competência para controlar se atribui a um só tribunal; ou tribunal especial, geralmente chamado tribunal ou corte constitucional, como em Portugal, no Peru e outros; ou tribunal superior, como no Brasil o Supremo Tribunal Federal, que acumula, com suas competências originária, recursal ordinária e recursal extraordinária, a competência de controlar a constitucionalidade mediante ação direta;
c) desconstitutivo (ou constitutivo negativo), porque o tribunal não meramente declara a inconstitucionalidade, mas desconstitui o ato por ela inquinado, seja retroativamente (ex tunc), seja prospectivamente (ex nunc);
d) erga omnes, porque o efeito da decisão vale para todas as pessoas submetidas ao ordenamento constitucional em tela;
e) ex tunc, ou ex nunc, ou até pro tempore futuro, porque se admite que o efeito desconstitutivo retroaja até a origem do ato inconstitucional, ou incida a partir do momento em que se consumou a decisão de inconstitucionalidade, ou advenha em um tempo futuro pré-fixado; por exemplo, no Peru, a Constituição expressamente (artigo 204) determina que não tem efeito retroativo a sentença do Tribunal que declara inconstitucional, no todo ou em parte, uma norma legal;
f) geral e abstrato, porque o controle não se processa “in casu”, em concreto, mas em geral, em tese, em abstrato.

Em suma: no modelo kelseniano, a inconstitucionalidade é a questão principal, o próprio objeto da lide, conhecida e julgada por um tribunal especial ou superior, no qual se concentra competência para decidi-la, de forma geral, com efeito erga omnes, que pode ser modulado no tempo: ex tunc, ex nunc ou pro futuro.

Paralelamente, ainda com vistas a superar ou mitigar esses inconvenientes, desenvolveram-se, em estados onde se pratica o sistema americano, certos mecanismos, seja na jurisprudência (por exemplo, súmulas vinculantes), seja no direito positivo (por exemplo, a suspensão da executoriedade da lei definitivamente declarada inconstitucional, suspensão essa que no Brasil incumbe ao Senado Federal, conforme art. 52, inciso X, da Constituição Federal de 1988(2) ). Mas esses mecanismos não superaram um inconveniente: não conseguiram evitar a proliferação ociosa de casos. Também não tem resultado conveniente permitir à jurisprudência tolher, mediante vinculação rígida, a liberdade do juiz em casos concretos, ferindo o princípio da livre convicção judicial.

Por isso, alguns estados, como o Brasil, ao lado do tradicional modelo americano, abrigaram o modelo europeu austríaco, provindo daí um sistema ou modelo misto, como o que hoje se pratica entre nós, em que os dois modelos – o difuso (de origem marshalliana) e o concentrado (de origem kelseniana) – convivem.

Sob pena de confundir ou emaranhar os tipos ou classes, toda tipificação ou classificação há de obedecer a um critério, de sorte que diferentes critérios dão diferentes tipificações ou classificações das mesmas coisas. Por exemplo, os contratos podem sofrer diversas classificações ou tipificações sob diferentes critérios. Do mesmo modo, o controle de constitucionalidade – destacadamente, o das leis – pode sofrer tipificação segundo critérios vários.

Verifica-se, assim, que devemos entender que no sistema americano de controle de constitucionalidade, as questões de constitucionalidade das leis e atos do poder público não podem ser submetidas ao julgamento dos órgãos judiciais por via principal. Estas questões só podem ser suscitadas incidentalmente, ou seja, no curso e por ocasião de uma demanda ou de um processo concreto, qualquer que seja sua natureza e seu rito.

O modelo norte-americano da judicial review define-se como um controle judicial de constitucionalidade das leis e atos do poder público que qualquer juiz e tribunal, ante um caso concreto, pode desempenhar. No entanto, embora todo órgão judicial possa exercitar o controle de constitucionalidade, a Suprema Corte desempenha um papel determinante e hegemônico no domínio do sistema da judicial review of legislation, haja vista que lhe cumpre, em razão do princípio do stare decisis, isto é, da eficácia vinculante de suas decisões ou da força de seus precedentes, a última e definitiva voz a respeito das questões constitucionais do país. A conseqüência prática disto, de onde o sistema haure a sua funcionalidade, é que, mesmo decidindo um caso concreto , as decisões da Supreme Court produzem eficácia erga omnes, vinculando a todos.

O sistema americano da judicial review expandiu-se para quase todo o mundo. No entanto, ao longo do século XX cedeu espaço para a expansão do sistema de controle concentrado de constitucionalidade, também conhecido como “sistema austríaco”, onde a jurisdição constitucional é confiada, com exclusividade, a um órgão jurisdicional especial, o chamado Tribunal Constitucional, situado na cúpula do Poder Judiciário ou, em alguns países, fora da estrutura deste Poder.

Por fim, vale registrar que o “sistema austríaco” de controle de constitucionalidade das leis é considerado mais completo(3) que o “sistema americano”, uma vez que logra abranger as formas principal (por via de ação direta, independentemente de caso concreto) e incidental (por via de exceção, vinculado a um caso concreto) de instauração da jurisdição constitucional dos Tribunais Constitucionais, de modo tal que dificilmente possam surgir as chamadas leis intocáveis, que são aquelas insuscetíveis de qualquer controle, circunstância pela qual o “sistema austríaco” repara um defeito do sistema americano.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

A Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824 não previa, ainda, um controle judicial de constitucionalidade de leis ou atos normativos. Isso se deveu, em grande parte, à influência que o direito brasileiro sofreu da concepção inglesa da supremacia do Parlamento e do dogma francês da rígida separação de Poderes. Havia, tão somente, um controle político atribuído formalmente ao Poder Legislativo, cuja competência, entre outras, era velar pela guarda da Constituição, fazendo, interpretando e revogando as leis. Todavia, o Poder Moderador tinha a prerrogativa de intervir nos demais Poderes, em especial o Legislativo, consequentemente, avocando para si a competência para controlar a constitucionalidade das leis.

Assim, é certo que não haveria clima político e jurídico de se confiar ao Poder Judiciário o controle da constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público.

Com o advento da Carta Constitucional Republicana de 1891, sob influência do constitucionalismo norte-americano introduzido por Rui Barbosa, o controle jurisdicional difuso ingressou em nosso ordenamento jurídico constitucional. No entanto, tratava-se de um controle ainda incipiente, tendo em vista que houve, por parte do Judiciário, relativa timidez na aplicação do referido controle. Ademais, é relevante lembrar que, no intuito de tornar clara e efetiva a aplicação dos preceitos constitucionais relativos ao controle de leis, foi promulgada, em 1894, a lei 221 que previa: “Os juízes e Tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou a Constituição”(4) .

Em suma, apenas a partir da Constituição de 1891 é que o Poder Judiciário passou a titularizar a competência para exercer um controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público, porém sob o influxo do modelo “americano” da fiscalização difusa, incidental e sucessiva da constitucionalidade dos atos normativos em geral do poder público, que perdurou nas Constituições posteriores até a vigente.

A partir da Carta Constitucional de 1934 várias inovações foram implementadas. A primeira delas tratava da declaração de inconstitucionalidade de leis ou atos do Poder Público pelos Tribunais, exigindo que a mesma só obtivesse êxito para a sua aprovação com a concorrência dos votos da maioria absoluta de seus membros. Este princípio vem sendo reiterado pelas Constituições que a sucederam, inclusive na atual, conforme consta do art. 97. Instituiu também a “representação interventiva” conforme art. 12, que previa a intervenção federal nos Estados mediante provocação do Procurador Geral da República. Essa ação direta interventiva representou o primeiro passo para o desenvolvimento, entre nós, do controle europeu ou concentrado de constitucionalidade.

A mais importante das inovações, no que concerne ao objeto do nosso estudo, trazidas pela Carta de 1934 e repetida pelas demais constituições, com exceção da de 1937, foi a que introduziu a competência do Senado Federal para suspender, no todo ou em parte, leis ou atos normativos declarados inconstitucionais pelo Judiciário.

A Constituição de 1937, imposta autoritariamente ao povo brasileiro, trouxe um retrocesso, ao pretender enfraquecer a supremacia do Poder Judiciário no exercício do controle da constitucionalidade das leis, possibilitando ao Poder Executivo tornar sem efeito a decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal, quando a lei declarada inconstitucional, por iniciativa do Presidente da República, fosse confirmada pelo voto de dois terços de cada uma das Casas Legislativas. Aboliu a Justiça Federal de primeira instância e também alterou o controle difuso de constitucionalidade. Não cuidou da representação interventiva, nem da suspensão pelo Senado Federal da execução da lei declarada inconstitucional pelo Judiciário.

A Constituição de 1946 restaura a pureza da doutrina norte-americana da supremacia do Poder judiciário em matéria de controle de constitucionalidade. O Senado Federal deixou de ter competência para suspender a execução de leis ou atos normativos declarados inconstitucionais. Não houve mudança no que se refere ao sistema americano de controle difuso, e ao quorum exigido para que os Tribunais declarassem a inconstitucionalidade de leis. O Poder Judiciário reconquistou sua supremacia, cabendo a ele a última palavra em questões de natureza constitucional.

Em 26 de novembro de 1965, através da Emenda Constitucional n.º 16, houve a introdução do controle concentrado no sistema jurídico pátrio, prevendo a competência exclusiva do STF para apreciar a constitucionalidade de leis federais em tese. Essa Emenda Constitucional autorizou a adoção, pelos Estados, de controle de constitucionalidade dos atos normativos municipais em confronto com a Constituição estadual, de competência dos Tribunais de Justiça.

A Carta de 1967 não trouxe inovações relevantes relativas ao controle de leis, no entanto, a Emenda n.º 1 de 1969 criou o controle de constitucionalidade estadual para fim de intervenção nos municípios. Apesar de não alterar o modelo da Constituição de 67, admitiu, contudo, a instituição, pelos Estados, da representação interventiva para assegurar a observância dos princípios sensíveis indicados na Constituição estadual.

A Constituição Federal Brasileira, de 05 de outubro de 1988, aperfeiçoou o sistema judicial de controle de constitucionalidade, mantendo a combinação dos métodos difuso-incidental e concentrado-principal.

A Constituição de 1988 ampliou o modelo concentrado-principal da constitucionalidade, com a instituição da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ao lado da já existente ação direta de inconstitucionalidade por ação, ampliando a legitimidade ativa para a propositura destas ações e quebrando o monopólio outorgado ao Procurador-Geral da República; da ação declaratória de constitucionalidade, com a previsão de efeito vinculante das decisões de mérito, em face da EC n.º 03/93; e, da arguição de descumprimento de preceito fundamental.

No Brasil a jurisdição constitucional não é privilégio dos tribunais ou do Supremo Tribunal Federal, visto que todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, independentemente da instância (juiz ou tribunal), pode exercer o controle de constitucionalidade. Apenas o controle de constitucionalidade pela via principal ou abstrata é exclusiva do Supremo Tribunal Federal (em face da Constituição Federal) ou dos Tribunais de Justiça (em face da Constituição do Estado). No entanto, é certo que o controle difuso-incidental sofreu uma significativa restrição. Tal fato agravou-se com a previsão de efeito vinculante para todas as decisões proferidas no âmbito daquelas ações diretas. No entanto, essa circunstância não retira a importância da jurisdição constitucional desempenhada pelos juízes e tribunais ordinários, nos casos concretos, máxime quando exercida no controle das omissões do poder público violadoras de direito fundamental.

2.3 MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Podemos identificar vários modelos de justiça constitucional, ou seja, as diversas formas de manifestação e exercício do controle da constitucionalidade dos atos ou omissões do poder público. No entanto, urge ressaltar, que faremos uma breve exposição sobre o assunto, mas que é de grande importância para o desenvolvimento do presente trabalho.

Com efeito, vários são os critérios adotados para o estudo dos diferentes modelos de controle de constitucionalidade. Passemos à análise.

2.3.1 Quanto à natureza do órgão com competência para o controle

Quanto à natureza do órgão da justiça constitucional, pode o controle ser político ou jurisdicional, sendo este último também chamado judiciário ou judicial. O controle judiciário é feito pelos juízes e tribunais componentes do Poder Judiciário no exercício da jurisdição, ou seja, exercitando o poder de dizer o direito, fazendo coisa julgada.

Já no controle político o Poder Judiciário não intervém, mas órgãos não-judiciários, que, por isso mesmo, são ditos políticos. O exemplo típico de controle político é o francês. Historicamente, a França sempre adotou uma rígida separação dos poderes, razão por que não podia o Poder Judiciário interferir nas atividades do Executivo e Legislativo. O controle se insere no próprio processo legislativo. Antes de vigorar a lei, pode-se pedir a manifestação do Conselho Constitucional sobre sua constitucionalidade. Essa manifestação é obrigatória no caso das lois organiques, de caráter estrutural e complementar à constituição.

Contudo, a fiscalização desempenhada pelo Conselho Constitucional tem natureza essencialmente preventiva. Após a promulgação do ato normativo, não há mais espaço para o controle de constitucionalidade no Direito francês.

Para os franceses, a questão da constitucionalidade das leis é antes política que jurídica. Daí, a composição do Conselho e o processo do controle por pessoas eméritas do orbe político, às quais não faltará a sensibilidade política, nem decerto a suficiente cultura jurídica para bem controlar a constitucionalidade.

Nos países americanos e demais estados europeus, o controle é judicial, produzido por juízes singulares ou colegiados (tribunais ou cortes). Mas existe, note-se bem, em alguns estados, como o italiano, assim como no Brasil, um controle político resultante do veto, mediante o qual o Executivo pode devolver à reapreciação do Legislativo um projeto de lei que considere inconstitucional. Porém, na Itália como no Brasil, mesmo se o Legislativo derrubar o veto e der nascimento à lei, no final prevalecerá o controle judiciário, se devidamente acionado.

O controle de constitucionalidade judicial ou jurisdicional é aquele desempenhado por órgãos integrantes da estrutura do Poder Judiciário ou a ele exteriores, mas cuja atuação tem natureza jurisdicional.

Cabe citar, enfim, o caso da Suíça, em cuja federação o Professor José Afonso da Silva(5) vislumbra um terceiro tipo: o controle misto. Com efeito, na Confederação Helvética (que é uma federação, apesar de manter o nome de confederação que lhe é tradicional), o controle é judicial no nível dos cantões (estados-membros) e político no nível federal. Entretanto, melhor é não ver aí um terceiro tipo, mas a simples convivência dos dois tipos – o político e o judicial – dentro de uma estrutura federativa.

2.3.2 Quanto ao momento da realização do controle

Pode o controle ser prévio (ou preventivo da inconstitucionalidade), ou posterior (ou repressivo da inconstitucionalidade).

O controle preventivo configura-se quando o controle é exercido antes da entrada em vigor da norma, ou seja, quando ainda se está diante da formação do ato legal, do estudo e da discussão do projeto de lei. No Brasil é exercido tanto pelo Parlamento, mediante suas Comissões Permanentes (art. 58, CF/88, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados), quanto pelo Poder Executivo, através do poder de veto do Presidente da República, conforme art.66, §1º, da CF/88.

Seu objetivo é impedir a inserção no ordenamento jurídico de uma lei contrária à Constituição. O Judiciário, nesta fase, em respeito à independência dos poderes estatais (leia-se tripartição das funções do poder do Estado), não procede à análise do projeto de lei, embora possa exercer o controle da constitucionalidade do procedimento legislativo de sua elaboração e votação(6) .

A razão da inoperância do Judiciário na seara do controle preventivo é simples. Ora, somente a lei é capaz de gerar direitos e impor obrigações. Desta forma, o mero projeto, enquanto tal, não tem repercussão nas relações sociais, isto é, não dá espeque a direitos ou obrigações e, portanto, não desperta o Judiciário para uma análise sobre sua validade.

Já o controle sucessivo ou repressivo, ocorre somente após a conclusão do processo de elaboração do ato, independentemente de encontrar-se o mesmo em vigor. Ou seja, atua no momento em que o ato já está concluído, ou seja, após a publicação da lei. Logo, tem como escopo retirar do ordenamento jurídico a norma considerada inconstitucional.

No nosso país é exercido, ordinariamente, pelo Poder Judiciário. Aqui também faz parte do controle repressivo a sustação de atos normativos do Poder Executivo quando exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, de competência do Congresso Nacional (art. 49, V, CF). Devemos lembrar que o Congresso Nacional também exerce o controle repressivo diante de Medidas Provisórias quando as rejeita com base em inconstitucionalidade, através de parecer da Comissão temporária mista, uma vez que essa espécie normativa, embora temporária, é perfeita e acabada, tendo força de lei. Tanto o é que pode, perfeitamente, ser objeto de ADI, segundo o pleno do STF(7) .

Em respeito novamente à independência dos poderes estatais (art. 2º), tanto Executivo quanto Legislativo acham-se desautorizados a realizar o controle repressivo no sentido de fulminar por vício de inconstitucionalidade a validade da norma por eles elaborada.

Na verdade, o Legislativo pode produzir outra lei que faça revogar uma que lhe seja anterior (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º) bem como o Executivo pode editar uma Medida Provisória (CF/88, art. 62) para suspender os efeitos da lei que considerar inconstitucional. Porém, tanto num como noutro caso, não estarão eles exercendo o controle repressivo de constitucionalidade, cujo caráter é eminentemente jurisdicional. Estarão sim, na verdade, desempenhando seus misteres precípuos de produção legislativa definitiva ou condicional, respectivamente.

Na França se adota apenas o controle preventivo. Já em Portugal, Áustria, Itália e Espanha, adotam tanto o controle preventivo como o sucessivo.

No Brasil, o controle se apresenta posterior à promulgação da lei, seja quando feito por juiz singular, seja por tribunal. Ressalve-se o controle preventivo feito no processo legislativo brasileiro pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Poder Legislativo e, posteriormente, pelo Chefe do Poder Executivo, cujo veto pode ter fundamento político (entende que o projeto de lei não atende ao interesse público) ou jurídico (entende que o projeto de lei não atende à constituição).

Por fim, vale ressaltar que a inconstitucionalidade de uma lei só pode ser aferida em face à Constituição de seu tempo, ou, em outras palavras, não é possível tachar de inconstitucional perante uma determinada Carta a lei editada sob a égide de uma Constituição anterior. As leis anteriores à Constituição vigente e que com ela conflitem são revogadas. Já as leis passadas que se coadunam com o atual Texto Magno são recepcionadas.

Não existe, portanto, inconstitucionalidade superveniente. Este, inclusive, é o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal(8) .

No que diz respeito à possibilidade de controle judicial preventivo de constitucionalidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal(9) tem recusado o controle preventivo em sede abstrata e admitido, de forma excepcional, o controle preventivo in concreto, em face de mandado de segurança impetrado por parlamentar para a defesa de suas prerrogativas em decorrência de proposta inconstitucional de emenda à Constituição.

2.3.3 Quanto ao modo de manifestação do controle

Quanto ao modo de manifestação, o controle pode ser incidental, principal, abstrato (ou em tese) e concreto.

O controle é incidental quando incide em outra ação, na qual a inconstitucionalidade (o incidente de inconstitucionalidade) geralmente se levanta como preliminar na petição inicial ou na contestação, embora possa ser arguido em qualquer grau de jurisdição pelo juiz ou tribunal, independentemente de provocação específica das partes. Nesse caso, a inconstitucionalidade ostenta caráter prejudicial, pois é matéria que necessita ser analisada e decidida antes pelo Judiciário, como condição e antecedente lógico para a solução da própria pretensão declinada na ação judicial proposta. É o sistema inaugurado por John Marshall. O controle se faz incidenter tantum, ou seja, “apenas incidentalmente”.

O controle incidental é sempre concreto, por envolver a resolução de um litígio ou de uma controvérsia real entre partes.

Já no controle principal a inconstitucionalidade é a própria questão principal trazida a juízo: é a res in judicium deducta, que é levada a juízo por meio de uma ação própria e direta. É o modelo europeu, que surgiu na Constituição austríaca de 01 de outubro de 1920 e se consolidou na Europa no correr do século XX, por influência de Hans Kelsen.

Tradicionalmente, o Brasil se prendia ao modelo norte-americano. Todavia, na Constituição de 1934 (art. 12, § 2º), já se prenunciou uma ação direta, quando, ao tratar da intervenção federal, a Constituição a condicionou à manifestação da Corte Suprema por provocação do Procurador-Geral da República. Nessa ação (também chamada representação) interventiva, tem antecedente a ação direta de inconstitucionalidade, que surgiu entre nós com a Emenda nº 16 à Constituição de 1946, que criou a representação contra inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, a ser proposta exclusivamente pelo Procurador-Geral da República, a molde da anterior ação interventiva.

A competência para processar e julgar essa ação de inconstitucionalidade foi atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Trata-se de competência originária, pois a ação é proposta diretamente – origina-se – perante o próprio Supremo Tribunal Federal. Este – embora não seja um tribunal constitucional exclusivamente, como o são alguns existentes na Europa, por exemplo, o Tribunal Constitucional português – assumiu assim a função de guardião da constituição, não só pela tradicional via incidental, mas agora também pela via direta.

No Brasil, o controle de constitucionalidade por via principal, através de ação direta, salvo algumas poucas hipóteses (ação direta de inconstitucionalidade interventiva e a arguição de descumprimento de preceito fundamental), é sempre abstrato ou em tese.

Vale ressaltar, todavia, que não há uma correspondência necessária entre o controle incidental (por via de exceção ou de defesa) e o controle difuso, ou entre o controle principal (por via de ação) e o controle concentrado. Existe no Brasil a correlação, onde o controle difuso é desencadeado sempre incidentalmente, à vista de um caso concreto (por via de exceção ou de defesa) e o controle concentrado é provocado por via de ação direta (principal). Mas a correspondência não existe em outros sistemas jurídicos.

2.3.4 Quanto ao número de órgãos com competência para o controle

Quanto ao número ou à quantidade de órgãos com competência para exercer o controle de constitucionalidade, temos: a) o controle difuso, segundo o modelo norte-americano, em que a competência para controlar se difunde por todos os juízes e tribunais, ou b) o controle concentrado, em que a competência se concentra em órgão único, segundo o modelo europeu austríaco. A concentração se verifica não só no modelo austríaco, em que o controle se faz por via jurisdicional, por tribunal ou corte de natureza judiciária, mas também no modelo francês, em que atua um Conselho Constitucional de natureza jurídico-política.

Há, ainda, uma terceira modalidade, qual seja, a mista ou eclética, que é aquela onde o controle pode ser simultaneamente difuso e concentrado, como ocorre no Brasil e em Portugal.

2.3.5 Quanto ao alcance subjetivo

Quanto a esse critério, o controle de constitucionalidade pode ter efeito inter partes (somente entre as partes litigantes), o que ocorre na via incidental, ou erga omnes (contra todos), o que é típico da via principal. Contudo, no Brasil, mesmo tendo origem na via incidental, o controle adquire efeito erga omnes depois de o Senado suspender a executoriedade da lei (art. 52, inciso X, da CF/88) declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

2.3.6 Quanto ao alcance objetivo

Aqui, são levados em consideração os aspectos objetivos alcançados pelo controle. Segundo esse critério, o controle será dito formal ou material conforme alcance os aspectos formais ou os aspectos materiais, podendo ser formal e material concomitantemente. Por exemplo, examinar o quorum com que foi aprovada uma lei complementar é fazer controle formal. Mas, caso se investigue se a matéria tratada é própria de lei complementar, estar-se-á fazendo controle material.

2.4 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A doutrina classifica as constituições quanto à possibilidade de modificação do texto constitucional em rígidas, semi-rígidas e flexíveis.

São consideradas rígidas as constituições que impõem formalidade mais solene e austera que a utilizada na feitura das demais leis.

Já as semi-rígidas, por sua vez, ora exigem um rito específico e solene, ora um rito idêntico à formulação de leis infraconstitucionais para sua alteração.

Por fim, as constituições flexíveis são aquelas que não exigem, para o processo de alteração de suas normas, procedimento diverso do estabelecido para a expedição de leis ordinárias. Diante do que foi exposto, a Constituição Federal do Brasil enquadra-se na primeira modalidade. Como consequência, temos que a nossa Lex Magna goza de supremacia perante todo o ordenamento jurídico pátrio. Sendo assim toda espécie normativa deve coadunar-se, tanto material quanto formalmente, aos princípios estabelecidos pelo legislador constituinte originário. Para resguardar tal conformidade, o próprio texto constitucional criou mecanismos político e jurisdicional de controle de leis.

Independentemente de seu conteúdo, todas as normas constitucionais das Constituições rígidas têm estrutura e natureza de normas jurídicas. Deste modo, a Constituição brasileira contém algumas normas de maior eficácia que outras. Mas o certo é que todas as normas jurídicas caracterizam-se por sua imperatividade. No entanto, cabe esclarecer que a imperatividade das normas constitucionais assume uma característica particular, ou seja, a da sua supremacia em face às demais normas do sistema jurídico.

Sendo assim, todas as normas precisam estar em consonância com a Constituição e jamais contra ela. Até porque, a Constituição é a base da ordem jurídica e o fundamento de sua validade. Como norma jurídica fundamental, goza do prestígio da supremacia em face de todas as normas do ordenamento jurídico.

A nossa atual Constituição, em seu artigo primeiro preceitua: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito…”. Já em seu artigo segundo enuncia: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

A Constituição põe à nossa disposição mais um instrumento que garante a inviolabilidade dos imperativos traçados pelos supramencionados artigos da Lex Magna, quando estabelece o controle de constitucionalidade difuso por via de exceção, uma vez que é dado a qualquer pessoa a possibilidade de arguir, por via reflexa, a inconstitucionalidade de uma lei num caso concreto.

O controle de constitucionalidade das leis abrange desde as espécies normativas mais comuns, até as leis ordinárias e as complementares, produzidas pelo poder legislativo para dar continuidade ou completude ao trabalho do poder constituinte. Todavia, não só as leis devem ser objeto de controle.

De modo geral, toda e qualquer espécie normativa, até os mais simples atos normativos editados pela administração pública, podem e devem ser objeto de controle perante a normatividade que lhes seja hierarquicamente superior e aplicável. O controle de constitucionalidade instituído pela Constituição dirige o seu foco primordialmente sobre as leis e os demais atos produzidos no processo legislativo previsto na própria Constituição, tomando-os como objeto do controle.

Quanto ao paradigma, buscando a completude do sistema de controle, os atos jurídicos têm sua constitucionalidade controlada não só perante as normas editadas pelo poder constituinte originário (constituição), como também perante as normas editadas pelo poder constituinte derivado reformador (emendas constitucionais) e, enfim, perante as normas editadas pelo poder constituinte derivado decorrente (constituições e emendas constitucionais das unidades-membros da federação). No entanto, também se controla a legalidade dos atos jurídicos ante as espécies normativas primárias: leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções legislativas. Enfim, também se controla a regularidade dos atos jurídicos ante os atos normativos editados pelo poder regulamentar: decretos e outros regulamentos, tais como regimentos, portarias, avisos, resoluções administrativas, deliberações administrativas, etc.

Quanto ao sujeito controlador, além dos juízes, todos os demais operadores do direito – advogados, promotores, procuradores, delegados, assessores, consultores, etc. – têm a obrigação de controlar a juridicidade dos atos jurídicos, agindo cada qual no âmbito da atividade ou função que lhe seja própria.

O controle exercido pelos juízes é repressivo da inconstitucionalidade, sendo posterior à existência da lei, a qual nasce da sanção ou da derrubada do veto. Antes disso, é relevante o controle prévio exercido pelos próprios agentes participantes do processo legislativo, no curso desse processo, sobre projetos de lei e demais proposições de teor normativo.

No verdadeiro Estado Democrático de Direito, a atividade de controlar a juridicidade converte-se em poder-dever democrático. Ou seja, qualquer cidadão ou, mesmo, qualquer indivíduo que pratique um ato jurídico ou nele colabore, pode e deve controlar sua juridicidade. Se a ninguém é dado alegar ignorância da lei para escapar de cumpri-la, por decorrência a ninguém é dado violar o ordenamento jurídico assentado nas leis, abrangendo-se aqui no nome leis, em sentido amplíssimo, todas as formas normativas que contêm as condutas sociais dos seres humanos.

Desta maneira é que o controle da juridicidade se perfaz no seu todo, tendo por controladores todos os sujeitos e, por objetos controlados, todos os atos jurídicos e, enfim, por paradigma, todo o ordenamento jurídico. Não só os atos normativos devem ser controlados e não só perante a constituição, mas todos os atos jurídicos podem e devem ser controlados por todos os sujeitos perante todo o ordenamento jurídico, cumprindo o que, em sua generalidade, cabe chamar controle de juridicidade. Inserido nesse quadro geral, o controle de constitucionalidade é apenas uma especialidade, é a espécie mais eminente do controle de juridicidade.

A juridicidade é a qualidade de ser jurídico: é a situação de estar um fato ou ato de acordo com o ordenamento jurídico. Esse ordenamento reveste forma piramidal. No topo da pirâmide jurídica está a constituição, visto que nas normas constitucionais se fundamentam todas as restantes normas jurídicas. Posta no nível fundamental, a constitucionalidade é a forma superior da juridicidade. Mas a juridicidade não se limita ao nível fundamental constitucional e, sim, desce para os níveis inferiores na hierarquia das normas jurídicas.

Ao longo da pirâmide jurídica, a juridicidade declina – e, portanto, escalona-se e controla-se – em três níveis normativos: no nível da constitucionalidade (adequação às normas editadas pelo poder constituinte); no nível da legalidade (adequação às normas editadas pelo poder legislativo); e no nível da regularidade (adequação às normas editadas pelo poder regulamentar). Correspondentemente, podem ser distinguidas três espécies básicas de controle de juridicidade: o de constitucionalidade, o de legalidade e o de regularidade.

Dentre os controles de juridicidade, o primeiro a ser institucionalizado no processo de evolução histórica do Estado de Direito foi o controle das leis em face da constituição. Porém, a partir da institucionalização do controle de constitucionalidade das leis, a atividade de controlar se veio espraiando sobre as demais espécies normativas primárias e descendo da constitucionalidade para os níveis inferiores da juridicidade. Com base na hierarquia das normas jurídicas, certamente essa atividade acabará por atingir – de forma institucionalizada – as espécies normativas de grau inferior às primárias, bem como, em derradeiro, todos os atos jurídicos. O certo é que hoje se controlam mais e de várias formas não só a constitucionalidade, como também a legalidade e a regularidade dos atos jurídicos.

No avanço em que esses controles incidem sobre a juridicidade, declinando desde a constitucionalidade, vão sendo sindicados os níveis hierárquicos em que se desdobrou o poder normativo do Estado: primeiro, o nível normativo constituinte; segundo, o nível normativo legislativo; terceiro, o nível normativo regulamentar. Contudo, de todos esses controles, o mais importante para a estabilidade do Estado e a segurança da sociedade política é o provido pelos juízes ante a constituição sobre as espécies normativas primárias, o qual doravante será simplesmente chamado controle de constitucionalidade.

É certo que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, conforme preceitua o caput do art. 102. Por sua vez, dispõe o art. 52, inciso X da Constituição: “Compete privativamente ao Senado Federal: (…) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

Da análise do rol de competências que a Carta de 1988 traz elencado em seu art. 102, infere-se que no Brasil, o Supremo Tribunal Federal agrega tanto a função de Órgão de Cúpula do Poder Judiciário quanto a de Corte Constitucional, ou seja, trata-se de um órgão híbrido, possui tanto competências quanto ao controle de constitucionalidade, bem como competências jurisdicionais.

A competência do Senado Federal é apenas residual, não sendo permitido que o mesmo venha a questionar o mérito da decisão definitiva do STF, ou seja, inexiste controle misto (político-jurisdicional) de constitucionalidade de leis no nosso país.

Nos ensinamentos de Dirley da Cunha Junior(10) :

Não podemos olvidar as razões que ensejaram o Constituinte de 1934 e os Constituintes de 46, 67 (inclusive da Emenda nº 01/69) e de 88 a instituírem essa atribuição do Senado, com vistas a prevenir a pletora de ações judiciais e a possibilidade de existirem decisões judiciais conflitantes, com o consequente e lamentável estado de insegurança jurídica. De modo que, entender como discricionária ou facultativa essa atribuição, é desconsiderar tais razões, com o reconhecimento de que o Senado pode, ao seu mero talante, decidir se confere efeitos gerais a uma decisão inter partes do Supremo Tribunal, evitando todos aqueles inconvenientes, ou se não os confere, deixando abertas as vias geradoras da incerteza do direito. Ademais, aceitar a liberdade do Senado para suspender, ou não, a execução de ato declarado inconstitucional pelo STF consiste em admitir que uma consideração exclusivamente política sobrepõe-se a um exame jurídico acerca da inconstitucionalidade.

O eminente Ministro Gilmar Mendes(11) é um dos precursores do movimento no Supremo Tribunal Federal, no sentido de se atribuir eficácia erga omnes às decisões de inconstitucionalidade proferidas em sede de controle incidental ou concreto, sem a necessidade da interferência do Senado Federal, passando a resolução senatorial a servir apenas para conferir publicidade à decisão da Corte. A respeito, vale transcrever as palavras do Ministro Gilmar Mendes:

Portanto, é outro o contexto normativo que se coloca para a suspensão da execução pelo Senado Federal no âmbito da Constituição de 1988.

Ao se entender que a eficácia ampliada da decisão está ligada ao papel especial da jurisdição constitucional e, especialmente, se considerarmos que o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente o papel desta Corte, que passou a ter uma função preeminente na guarda da Constituição a partir do controle direto exercido na ADI, na ADC e na ADPF, não há como deixar de reconhecer a necessidade de uma nova compreensão do tema.

A aceitação das ações coletivas como instrumento de controle de constitucionalidade relativiza enormemente a diferença entre os processos de índole objetiva e os processos de caráter estritamente subjetivo.

É que a decisão proferida na ação civil pública, no mandado de segurança coletivo e em outras ações de caráter coletivo não mais poderá ser considerada uma decisão inter partes.

De qualquer sorte, a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental.

Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado.

O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF tomadas em sede de controle difuso.

(…)

Em verdade, a aplicação que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo ao disposto no art. 52, X , CF, indica que o referido instituto mereceu uma significativa reinterpretação a partir da Constituição de 1988.

É possível que a configuração emprestada ao controle abstrato pela nova Constituição, com ênfase no modelo abstrato, tenha sido decisiva para a mudança verificada, uma vez que as decisões com eficácia erga omnes passaram a se generalizar.

(…)

Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo.

A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que se não cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca, art. 140,5 – publicação a cargo do Chanceler Federal, e Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art. 31,(2) publicação a cargo do Ministro da Justiça). A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia.

Essa solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se, assim, também, as incongruências cada vez mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado, e, de outro, a visão doutrinária ortodoxa e – permita-nos dizer – ultrapassada do disposto no art. 52, X, da Constituição de 1988.

Comungamos do pensamento esposado pelo Ministro Gilmar Mendes e através da leitura da jurisprudência e da legislação, verifica-se que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do inciso X do art. 52 da Magna Carta. E isto não poderia ser diferente, tendo em vista que o contexto normativo atual é diferente daquele existente no momento de sua origem.

2.4.1 Conceito de Controle de Constitucionalidade

Controlar a constitucionalidade consiste em verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.

Por sua vez, entende-se por inconstitucionalidade a situação decorrente de um ou vários vícios que tornem a norma jurídica contrária à constituição, quer quanto ao conteúdo (inconstitucionalidade material), quer quanto ao seu procedimento de elaboração (inconstitucionalidade formal).

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho(12) , controle de constitucionalidade é:

“(…) controle da constitucionalidade é, pois, a verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente a lei) à Constituição. Envolve a verificação tantos dos requisitos formais – subjetivos, como a competência do órgão que a editou – objetivos, como a forma, os prazos, o rito, observados em sua edição – quanto dos requisitos substanciais – respeito aos direitos e às garantias consagrados na Constituição – de constitucionalidade do ato jurídico”.

A inconstitucionalidade formal é verificada sob dois aspectos: objetivo e subjetivo (orgânico). O primeiro, objetivo, diz respeito ao procedimento de elaboração da lei infraconstitucional bem como ao seu status dentro da escala hierárquica. Assim, se a Constituição exige regulação de determinada matéria através de lei complementar (art. 192, por exemplo), mas é editada uma lei ordinária para o mesmo mister, esta, a lei ordinária, será considerada inconstitucional por vício formal objetivo. Quanto ao mote subjetivo, ou orgânico, verifica-se a inconstitucionalidade de uma lei quando ocorre um vício de competência do órgão que a criou ou de quem teve a iniciativa de propô-la. Exemplo corriqueiro é a regra do art. 61, § 1º, II, “a” da CF/88 que estabelece ser de iniciativa privativa do Presidente da República a lei tendente a criar cargos no âmbito da Administração Pública Direta ou Autárquica.

Em sendo criada uma lei sobre tal matéria, mas cuja iniciativa tenha partido de um parlamentar, será ela inconstitucional por vício formal de cunho subjetivo.

A inconstitucionalidade material refere-se ao conteúdo da norma. Assim, por exemplo, estaria eivada de inconstitucionalidade a lei que criasse cargos de provimento efetivo na Administração Pública independentemente de aprovação do candidato em prévio concurso público de provas ou de provas e títulos, por acaroar o art. 37, II da CF/88.

É possível ainda falar-se em “inconstitucionalidade progressiva” ou “inconstitucionalidade temporária”. Ocorre apenas no aspecto material da norma e diz respeito à inércia do Poder Público em concretizar os objetivos idealizados pela nova ordem. O seguinte aresto do Supremo Tribunal Federal, julgado à unanimidade na esteia do voto do Min. Marco Aurélio, bem ilustra o instituto:

“LEGITIMIDADE. AÇÃO ‘EX DELICTO’. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA. ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no artigo 134 da Constituição Federal, cabe à defensoria pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA. VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. ASSITÊNCIA JURÍDICA E JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS. SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício.

Enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento” (RE 135328/SP, DJ 20/04/2001)(13) .

Do ponto de vista da inconstitucionalidade material, esta se daria, portanto, com uma desconformidade de normas inferiores – leis ou atos normativos – com a norma superior. Seria, por assim dizer, uma contrariedade vertical, porque é sabido que, de acordo com a supremacia constitucional, todas as normas inferiores têm de estar em plena conformidade com os vetores da Constituição, que está situada no ápice da imaginária pirâmide hierárquica do ordenamento jurídico.

Por sua vez, inconstitucionalidade sob o aspecto formal é a não obediência ao processo legislativo previsto no Texto Magno.

Verificada qualquer dessas duas hipóteses haverá, consequentemente o vício jurídico insanável da inconstitucionalidade.

A afronta à Constituição pode tanto se dar por um ato positivo dos Poderes Públicos, quanto por sua inércia, que ocorre do silêncio do legislador, por exemplo, ou quando este deixa de regulamentar um determinado dispositivo da Constituição que exige, para produzir efeitos, de norma infraconstitucional ulterior.

3 DAS AÇÕES QUE CONCRETIZAM O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

No Brasil, o controle repressivo jurisdicional apresenta-se através de duas formas: a concentrada (ou por via de ação) e a difusa (via de exceção). Pela via concentrada as questões de inconstitucionalidade são levantadas a título principal, mediante processo constitucional autônomo. A Constituição Federal de 1988 contempla as seguintes espécies: ação direta de inconstitucionalidade, art.102, I, “a”(14) ; ação direta de inconstitucionalidade por omissão, art. 103, § 2º(15) ; ação declaratória de constitucionalidade, art. 102, I, “a”, in fine; arguição de descumprimento de preceito fundamental, art. 102, § 1º(16) .

O controle concentrado ou por via de ação, visa à invalidação da lei em tese, não havendo um caso concreto a ser decidido. Portanto, não existe qualquer direito subjetivo a ser tutelado pelo juiz. A atuação do Judiciário, neste caso, tende apenas a expurgar do ordenamento jurídico a norma contrária ao Texto Constitucional, independentemente de interesses pessoais eventualmente feridos pela aplicação da lei.

O maior mentor do sistema de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade foi Hans Kelsen. Ele defendia a ideia de que o controle deveria ser exercido por um órgão único que funcionaria como uma espécie de legislador atípico negativo.

Como o objeto principal da ação é o reconhecimento da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma jurídica, não se admite a transação ou a desistência.

As normas revogadas ou cuja eficácia já se tenha exaurido, ainda que hostis à Constituição, não podem ser objeto de controle concentrado. Somente as leis e atos normativos em vigor passam pelo crivo do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato. Se, no curso da ação direta, for revogada ou suspensa a norma cuja constitucionalidade se discute, a demanda será extinta por perda de objeto. Eventuais danos referentes a situações concretas serão analisados em ação própria intentada pelo prejudicado.

A decisão prolatada em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade produzirá efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante. O foro competente para julgar a ADI é o Supremo Tribunal Federal, o qual poderá ser provocado, exclusivamente, por aqueles a quem a Constituição atribui legitimidade (art. 103, I a IX da CF). No que tange à Ação Declaratória de Constitucionalidade, seus efeitos equiparam-se aos da ADI. Diferenciam-se, porém, no tocante ao objeto. Enquanto a ADI tem por finalidade a obtenção de uma declaração de inconstitucionalidade da norma, a Ação Declaratória visa a afastar a insegurança jurídica obtendo uma declaração de validade da lei ou do ato normativo federal.

Ocorre o controle difuso quando é dado a qualquer juiz ou Tribunal apreciar, num caso concreto, a constitucionalidade da norma. Destarte, qualquer órgão do Judiciário pode realizar o controle sobre a norma que não está em conformidade com os ditames constitucionais. A questão da constitucionalidade será discutida na medida em que seja relevante para a solução do caso concreto. A norma é atacada in concreto, e a declaração de inconstitucionalidade produzirá efeitos inter partes e ex tunc.

Previsto no sistema brasileiro inicialmente na primeira Constituição Republicana de 1891, o controle difuso de constitucionalidade, também denominado incidental, descentralizado, indireto ou mediato, tem espeque no caso Madison versus Marbury (1803) julgado pelo juiz Marshal da Suprema Corte Americana.

Pelo controle difuso, exercido perante um caso concreto, qualquer juiz ou tribunal pode, incidenter tantum, declarar a inconstitucionalidade da lei. O objeto principal da ação, porém, não é a declaração de inconstitucionalidade, mas o litígio instaurado entre autor e réu em virtude do cumprimento da norma eivada daquele vício.

Quando a querela estiver sendo analisada pelo tribunal, deverá o relator, antes de proferir seu voto em relação ao objeto principal da demanda, encaminhar o feito para o plenário ou para o órgão especial, se houver, que decidirá, incidental e previamente, sobre a inconstitucionalidade da lei pelo voto da maioria absoluta de seus membros (art. 97). É a chamada “cláusula de reserva de plenário”. Tem entendido o Supremo Tribunal Federal, porém, que se a inconstitucionalidade da lei já tiver sido declarada pelo guardião da Constituição, não há necessidade de se submeter o feito ao órgão especial ou plenário, em homenagem ao princípio da economia e celeridade processuais.

A última palavra acerca da inconstitucionalidade da norma será dada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Recurso Extraordinário (RE), do qual não caberá mais recurso. Os efeitos da decisão judicial, neste caso, serão inter partes e ex tunc, isto é, obrigam somente as partes envolvidas na ação e retroagem à data de vigência da lei. O STF deverá encaminhar ao Senado Federal cópia da decisão exarada no RE para que seja suspensa, por resolução, a execução da lei declarada inconstitucional. Todavia, não está o Senado obrigado a suspender a lei. Sua postura, nesta hipótese, decorre de um juízo de conveniência, em conformidade com o ensinamento de Paulo Brossard(17) :

Tudo está a indicar que o Senado é o juiz exclusivo do momento em que convém exercer a competência, a ele e só a ele atribuída, de suspender lei ou decreto declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. No exercício dessa competência cabe-lhe proceder com equilíbrio e isenção, sobretudo com prudência, como convém à tarefa delicada e relevante, assim para os indivíduos como para a ordem jurídica.

Em sendo a lei suspensa por resolução do Senado Federal, os efeitos dessa deliberação abrangerão todas as pessoas (erga omnes), mas ex nunc, ou seja, não serão retroativos.

3.1 DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade foi criada pela EC n.º 16/65, à Constituição de 1946, como uma representação contra a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ser encaminhada pelo Procurador Geral da República para julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Trata-se de um a ação de controle concentrado-principal de constitucionalidade concebida para a defesa genérica de todas as normas constitucionais, sempre que violadas por alguma lei ou ato normativo do poder público. Por isso que também é conhecida como ação genérica.

Tem por objetivo retirar do ordenamento jurídico a lei contemporânea estadual ou federal, que seja incompatível com a Constituição Federal, com a finalidade de obter a invalidade dessa lei, pois relações jurídicas não podem se basear em normas inconstitucionais. Dessa maneira fica garantida a segurança das relações.

Fica a cargo do Supremo Tribunal Federal, a função de processar e julgar, originariamente, a ADI de lei ou ato normativo federal ou estadual.

Assim como a Ação Declaratória de Constitucionalidade tem seu procedimento regrado pela Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999. O objeto da ADI é a invalidação da lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital, quando expedido no exercício da competência atribuída aos estados. Atos normativos, para esse fim, são, além das espécies elencadas no art. 59 (emenda à constituição, lei complementar, lei ordinária, medida provisória, decreto legislativo, lei delegada e resolução) todos aqueles dotados de generalidade e abstração.

As leis e atos normativos municipais contrários à Constituição Federal não podem ser objeto de ADI perante o Supremo Tribunal Federal. Neste caso, os Tribunais de Justiça dos Estados poderão julgar tais normas, desde que aflijam também a Constituição Estadual no tocante aos preceitos de repetição obrigatória.

Somente as pessoas arroladas no art. 103 da CF/88 têm legitimidade para encetar a ação direta de inconstitucionalidade, que, como a própria terminologia está a indicar, visa à retirada do ordenamento jurídico da norma avessa à Constituição. São eles: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa, o Governador de Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Comungamos da opinião segundo a qual, à exceção do Procurador-Geral da República e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, todos os legitimados ativos, sejam universais ou especiais, devem se fazer representar por advogado (salvo se, na hipótese de legitimados pessoas físicas, eles próprios já o sejam), uma vez que somente detêm a legitimidade ad causam, não dispondo de capacidade postulatória.

Para alguns daqueles legitimados exige-se exista pertinência temática entre suas atribuições e a norma que se pretende invalidar. Isto é, a legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das Assembléias Legislativas e Governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação.

A relação de pertinência temática nada mais é do que a demonstração da utilidade na propositura daquela ação, interesse, utilidade e legitimidade para propô-la. Quem propõe a ADI não é a mesa do Congresso Nacional, e sim a Mesa da Câmara e do Senado.

O Advogado-Geral da União participa do processo, na condição de curador especial, para sustentar a constitucionalidade da norma impugnada que, aliás, já surge com tal presunção. A presunção de estar condizente com a Constituição decorre de a lei ter sido submetida ao crivo dos Poderes Legislativo e Executivo quando ainda era mero projeto de lei.

A atuação do AGU de curador especial do ato normativo atacado estende-se aos atos estaduais. Ou seja, o AGU deve obrigatoriamente defender o ato impugnado, ainda que este seja estadual.

Não é permitida a intervenção de terceiros no controle concentrado, em virtude de sua natureza abstrata. Todavia, o § 2º do art. 7º da Lei n º 9.868/99 criou a figura do amicus curiae, que consiste na oitiva de órgãos ou entidades interessadas no desfecho da ação, a fim de pluralizar o debate.

Exige-se quorum mínimo de oito ministros para se instalar a sessão de julgamento da ADI e a inconstitucionalidade deve ser reconhecida pela maioria absoluta dos membros do STF. Daí não ser cabível ação rescisória da decisão. Declarada a inconstitucionalidade, não haverá necessidade de se oficiar ao Senado para este suspenda a norma, pois a decisão do STF já é suficiente para retirá-la do ordenamento jurídico, pois age como “legislador negativo”.

Os efeitos da decisão são erga omnes e, regra gral, ex tunc, isto é, retroagem à data de vigência da lei – ocorrendo a repristinação da lei anterior –, pois se considera que uma norma inconstitucional é nula desde o seu nascimento. Excepcionalmente, porém, pode o Supremo, presente a necessidade de segurança jurídica e interesse social, estabelecer outros efeitos (ex nunc ou pro futuro) para a decisão exarada na ADI (dá-se o nome de “manipulação dos efeitos da declaração”. O STF pode inclusive decidir sobre a repristinação da lei revogada pela norma declarada inconstitucional).

A respeito do tema em análise, vale transcrever o ensinamento de Ives Gandra da Silva Martins(18) :

No Brasil, uma vez declarada, via controle concentrado, a inconstitucionalidade, esse reconhecimento atinge a norma desde sua origem e, por força do princípio da segurança jurídica, a decisão tem efeito vinculante e erga omnes. Porém, diante da impossibilidade material de reconduzir as situações definitivamente constituídas, sob a égide da norma inválida, à situação pretérita, eliminando todos os efeitos do ato legislativo inválido, pode o tribunal reconhecer à decisão de mérito, eficácia ex nunc.

A propositura de uma ação desse tipo, não está sujeita a nenhum prazo de natureza prescricional ou de caráter decadencial, pois de acordo com o vício imprescritível, os atos constitucionais não se invalidam com o passar do tempo.

O procedimento que uma ação direta de inconstitucionalidade deve seguir está prescrito na Lei n.º 9.868/99.

Uma vez declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em discussão, a decisão terá os seguintes efeitos:

• Ex tunc, retroativo como consequência do dogma da nulidade, que por ser inconstitucional, torna-se nula, por isso perde seus efeitos jurídicos.
• Erga omnes, será assim oponível contra todos.
• Vinculante, relaciona-se aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal, Estadual e Municipal. Uma vez decida procedente a ação dada pelo STF, sua vinculação será obrigatória em relação a todos os órgãos do Poder Executivo e do Judiciário, que daí por diante deverá exercer as suas funções de acordo com a interpretação dada pelo STF. Esse efeito vinculante aplica-se também ao legislador, pois esse não poderá mais editar nova norma com preceito igual ao declarado inconstitucional.
• Represtinatório, em princípio vai ser restaurada uma lei que poderia ser revogada.

O STF não pode ir além da matéria discutida. Assim, todo julgado está limitado ao pedido que foi feito ao juiz. Dessa maneira, a decisão irá versar apenas sobre a ADI. Essa decisão poderá ser através de sentença (decisão de um juiz monocrático), ou acórdão (decisão do tribunal colegiado).

Quem será atingido pela decisão do STF são aqueles que participaram da relação jurídica processual: o Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, STF e também toda a sociedade.

Depois de formada a decisão da coisa julgada, sua eficácia será preclusiva, ou seja, aquela questão uma vez decidida não poderá ser mais discutida. A decisão judicial é uma lei entre as partes.

O juiz não pode desconsiderar a decisão dada como inconstitucional pelo STF, e sim passar a cumpri-la deixando de aplicar. Quando o juiz insistir em aplicar a lei já decidida como inconstitucional, ocorrerá a reclamação constitucional, que é um instrumento que busca a preservação da competência e garantir a autoridade da decisão do STF (art.102, “l”, CF).

São consequências da declaração de inconstitucionalidade de uma lei nos casos julgados: ocorre o ajuizamento de ação decisória, dentro do prazo de dois anos. Após esse período se dá a coisa soberanamente julgada (pretensão bem maior de imutabilidade da decisão). Após ter o título judicial, as partes podem ajuizar outro processo embargando (contestando) a decisão.

O art. 26 da Lei n.º 9.868/99 traz o embargo declaratório que nada mais é do que um meio de impugnação de decisão judicial “endoprocessual” (dentro do processo). Não tem a finalidade de reformar ou invalidar a decisão judicial de um julgado, e sim buscar esclarecer algo que não decisão dada pelo STF ficou omisso, contraditório ou obscuro. Poderá ter um efeito modificativo (infringente), quando for o caso de omissão que possa resultar na modificação de um julgado.

Em havendo perigo de lesão irreparável, poderá o STF conceder medida cautelar para suspender a eficácia da norma impugnada. Esta decisão, todavia, produzirá efeitos ex nunc.

Vale destacar, ainda, que a decisão declaratória de inconstitucionalidade deve respeito à coisa julgada. Ou seja, não tem o condão de rescindir a sentença passada em julgado, ainda que esta tenha sido prolatada com fundamento na lei ou ato normativo declarado inconstitucional. Destarte, a nulidade ex tunc da decisão declaratória de inconstitucionalidade não afeta, ao menos automaticamente, a coisa julgada, que representa, aliás, uma garantia constitucional. Para rescindir-se o julgado, exige-se a ação rescisória. E o Supremo já decidiu que a ação direta de inconstitucionalidade não é sucedâneo de ação rescisória.

O Supremo Tribunal Federal, a propósito dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade, vem adotando algumas técnicas compatíveis com o controle abstrato de constitucionalidade. É o caso da técnica da interpretação conforme a Constituição e da declaração parcial.

3.2 DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Sob influência da Constituição portuguesa de 1976, a Constituição Federal de 1988 criou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, para resolver, em sede abstrata, o grave problema da inatividade do poder público, o que se reconduz a solucionar, em última instância, a própria inação dos órgãos estatais que ameaça comprometer a efetividade da Constituição.

A Constituição Federal determinou que o Poder Público competente adotasse as providências necessárias em relação a efetividade de uma determinada norma constitucional. Dessa maneira, quando esse poder cumpre com a obrigação que lhe foi atribuída pela CF, está tendo uma conduta positiva, garantindo a sua finalidade que é a de garantir a aplicabilidade e eficácia da norma constitucional.

Assim, quando o Poder Público deixa de regulamentar ou criar uma nova lei ou ato normativo, ocorre uma inconstitucionalidade por omissão. Resulta então, da inércia do legislador, falta de ação para regulamentar uma lei inconstitucional. Essa conduta é tida como negativa. E é a incompatibilidade entre a conduta positiva exigida pela Constituição e a conduta negativa do Poder público omisso, que resulta na chamada inconstitucionalidade por omissão.

Os mecanismos usados para evitar a inércia do Poder Público são o Mandado de Injunção na via difusa e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão na via concentrada.

Com essa ação de controle abstrato das omissões, o constituinte quis superar, em favor da supremacia e efetividade da Constituição, o estado de inconstitucionalidade decorrente das omissões do poder público.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão tem a mesma natureza da ação direta de inconstitucionalidade por ação. Assim, por meio dela, instaura-se um processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, com todas as consequências daí decorrentes.

O objetivo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão é, segundo Alexandre de Moraes, dar total eficácia às normas constitucionais (de eficácia limitada) que necessitam de complementação ou regulação infraconstitucional. A inconstitucionalidade reside justamente na inércia do poder público.

A edição de norma inconsistente ou injusta não dá ensejo à ação direta por omissão. Somente a ausência de norma regulamentadora é que possibilita o manejo dessa modalidade de ADI.

Julgada procedente a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, dará o Supremo Tribunal Federal ciência ao órgão administrativo para editar o ato normativo faltante em 30 dias, sob pena de responsabilização. Em se tratando de norma a ser editada pelo Legislativo, não fixará o STF prazo para cumprimento do dever, em respeito à tripartição das funções estatais e independência dos Poderes.

Cuida-se de uma ação específica vocacionada ao controle abstrato de constitucionalidade da omissão de medida necessária para tornar efetiva norma constitucional, a despeito de ter sido instituída em simples parágrafo de artigo que dispõe sobre a ação direta de inconstitucionalidade. Não se destina à defesa de direitos subjetivos, mas à tutela da própria completude do ordenamento constitucional.

Os legitimados para esse tipo de ADI são os mesmos da ADI genérica e o procedimento a ser seguido também.

Ao declarar a ADI por omissão, o STF deverá dar ciência ao Poder ou órgão competente para, se for um órgão administrativo, adotar as providências necessárias em 30 dias. Caso seja o Poder Legislativo, deverá fazer a mesma coisa do órgão administrativo, mas sem prazo preestabelecido. Uma vez declarada a inconstitucionalidade e dada a ciência ao Poder Legislativo, fixa-se judicialmente a ocorrência da omissão, com seus efeitos.

Os efeitos retroativos da ADI por omissão são ex tunc e erga omnes, permitindo-se sua responsabilização por perdas e danos, na qualidade de pessoa de direito público da União Federal, se da omissão ocorrer qualquer prejuízo.

Dessa maneira a decisão nesse tipo de ADI tem caráter obrigatório ou mandamental, pois o que se pretende constitucionalmente é a obtenção de uma ordem judicial dirigida a outro órgão do Estado.

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de maneira geral, tem por parâmetro todas as normas constitucionais que careçam de medidas de efetivação. Assim, em conformidade com a classificação apresentada por José Afonso da Silva, só as normas constitucionais de eficácia limitada podem servir de parâmetro para a ação de inconstitucionalidade por omissão. Quanto ao objeto, só as normas constitucionais podem ser impugnadas pela ADI por omissão.

O STF tem entendido que, em face de a ação direta de inconstitucionalidade por omissão destinar-se a dar ciência da mora ao poder omisso para a adoção das providências necessárias, é incompatível com o instituto a concessão de medida liminar.

3.3 DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA

A ação direta de inconstitucionalidade interventiva foi originada da Constituição de 1934, com a designação de representação interventiva, confiada ao Procurador Geral da República e sujeita à competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses de ofensa aos princípios constitucionais sensíveis, quais sejam, a forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático; a prestação de contas da administração pública, direta e indireta; a aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Foi suprimida pela Constituição de 1937, mas restabelecida pela Constituição de 1946 e mantidas nas Constituições que se seguiram.

A representação interventiva é uma medida excepcionalíssima prevista no art. 34, VII da CF e fundamenta-se na defesa da observância dos Princípios Sensíveis. São assim denominados, pois sua inobservância pelos Estados-membros ou Distrito Federal no exercício de suas competências, pode acarretar a sanção politicamente mais grave que é a intervenção na autonomia política.

Dessa maneira, toda vez que o Poder Público, no exercício de sua competência venha a violar um dos princípios sensíveis, será passível de controle concentrado de constitucionalidade, pela via de ação interventiva.

Quem decreta a intervenção é o chefe do Poder Executivo (Presidente da República), mas depende da requisição do Supremo Tribunal Federal, o qual se limitará a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade.

Esse tipo de ADI pode ser espontânea ou provocada. A espontânea é aquela que é decretada por vontade própria. Já a provocada é provocada por algum poder ou órgão.

A representação interventiva é uma ação que possui uma natureza (finalidade) jurídico-político. Ao ser violado o princípio sensível pelo governo e o STF processar e julgar procedente a representação interventiva, o Presidente da República fica obrigado a expedir o decreto interventivo, sustando os efeitos da lei, para que deixe de utilizá-la por ser inconstitucional.

Assim, declara a inconstitucionalidade formal ou material da lei ou ato normativo estadual. Essa é a dimensão jurídica. Caso o governo insista, o Presidente vai expedir um novo decreto afastando o governador do cargo. Com isso, decreta a intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal, constituindo-se um controle direto, para fins concretos. Essa a dimensão política.

Na ADI por intervenção, não é viável a concessão de liminar.

A legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade por intervenção, está prevista na CF, art. 36, III.

Essa espécie de ADI é provocada por requisição. Uma vez decretada a intervenção, não haverá controle político, pois a Constituição Federal exclui a necessidade de apreciação pelo Congresso Nacional. Sua duração, bem como os limites, serão fixados no Decreto presidencial, até que ocorra o retorno da normalidade do pacto federativo.

3.4 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

Criada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, a Ação Declaratória de Constitucionalidade tem o objetivo oposto ao da ADI. Visa-se reconhecer, pelo Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual que esteja sendo objeto de análise por outros órgãos do Poder Judiciário. Em outras palavras, tem o fito de afastar a insegurança jurídica e tornar absoluta a presunção de constitucionalidade inerente a toda lei.

A petição inicial deve vir acompanhada de demonstração da controvérsia judicial em torno da constitucionalidade da norma. Os efeitos da decisão serão erga omnes e vinculantes. Há divergência na doutrina quanto à constitucionalidade da EC nº 3, que criou a ADECON, pois os efeitos vinculantes da decisão afrontam a independência dos magistrados e o princípio do juiz natural (o juiz da causa é hábil a conhecer do feito e sobre ele decidir). Alega-se também sua inconstitucionalidade por não haver réu na ação. Ensina Gilmar Mendes(19) que,

Em verdade, o efeito vinculante decorre do particular papel político-institucional desempenhado pela Corte ou pelo Tribunal Constitucional, que deve zelar pela observância estrita da Constituição nos processos especiais concebidos para solver determinadas e específicas controvérsias constitucionais. Esse foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal na ADC 4, ao reconhecer efeito vinculante à decisão proferida em sede de cautelar, a despeito do silêncio do texto constitucional. Não foi outro o entendimento do legislador infraconstitucional ao conferir efeito vinculante às decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade. No caso, muito embora os atos impugnados não guardem identidade absoluta com o tema central da decisão desta Corte na ADI 1.662, Relator o Min. Maurício Corrêa, vale ressaltar que o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados “fundamentos determinantes” (Rcl n. 2.126, DJ de 19.8.02)

O Advogado-Geral da União não participa do feito para sustentar a presunção de constitucionalidade da norma, eis que o objeto da ADECON é justamente firmar a certeza e incontestabilidade da lei. Admite-se também a oitiva do amicus curiae.

A liminar concedida em Ação Declaratória de Constitucionalidade produz efeitos no sentido de impossibilitar que os demais órgãos do Poder Judiciário reconheçam incidenter tantum a inconstitucionalidade da norma.

A ação declaratória de constitucionalidade é uma modalidade de controle por via principal, concentrado e abstrato, cuja finalidade da medida é muito clara : afastar a incerteza jurídica e evitar as diversas interpretações e contrastes que estão sujeitos os textos normativos.

Há casos em que câmaras ou turmas de um mesmo tribunal firmam linhas jurisprudenciais contrárias. Isso tudo envolve um grande número de pessoas, onde por essa razão se faz necessário uma segurança jurídica acerca das razões de interesses públicos, a qual é estabelecida pela ação direta de constitucionalidade, para assim tornar mais rápida a definição do Poder Judiciário.

De acordo com o art. 102 da CF, cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar a ação declaratória constitucional.

Em relação a legitimidade para a propositura dessa ação a Carta Magna elenca em seu art. 103 e também no parágrafo 4.º. Todos os agentes políticos e órgãos previstos no dispositivo constitucional possuem legitimação universal e extraordinária, bem como capacidade postulatória.

Apenas poderá ser objeto desse tipo de ação, lei ou ato normativo federal, com o pedido de que se reconheça a compatibilidade entre determinada norma infra constitucional e a Constituição.

Uma vez proposta a ação declaratória, não caberá mais desistência e nem intervenção de terceiros. A decisão será irrecorrível em todos os casos, admitindo-se apenas interposição de embargos declaratórios.

A declaração de constitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública federal, estadual e municipal.

Enfim, uma norma que era válida agora mais do que nunca continua sendo, apenas tendo sido reafirmada sua força impositiva.

3.5 DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

A arguição de descumprimento de preceito fundamental é uma ação constitucional, pois está prevista na Constituição Federal que funciona como parte integrante e complementar do sistema concentrado.

Prevista pelo constituinte originário na norma do art. 102, § 1º, cuja eficácia era limitada de preceito institutivo, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, após passados 11 anos, foi regulamentada pela Lei n.º 9.882, de 3 de dezembro de 1999. É julgada pelo Supremo Tribunal Federal e tem o objetivo de evitar ou reparar lesão a um preceito fundamental da Constituição Federal decorrente de ato do Poder Público.

De acordo com o que reza a Lei n.º 9.882/99, em seu parágrafo 1.º, a ADPF terá a finalidade de “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do poder público”. Pode se entender que preceitos fundamentais são decisões políticas e rol de direitos e garantias fundamentais.

Assim, a ADPF tem duas finalidades que são a preventiva e repressiva, de evitar ou reparar lesão não só a preceito fundamental, mas também de ato do poder público seja este normativo ou administrativo.

A doutrina se utiliza duas espécies de ADPF, que são:

a) Arguição autônoma- pode ser inserida no artigo 1o da lei em questão, por ter como objetivo prevenir ou reprimir lesão a algum preceito fundamental, resultante de ato do poder público. Logo, essa espécie tem como pressuposto a inexistência de qualquer outro tipo de meio eficaz que possa evitar a lesividade.
b) Arguição incidental- essa espécie enquadra-se no inciso I do artigo e lei anteriormente citados. A argüição incidental, ou por equiparação em relação ao seu objeto, é mais restrita e exigente. Isso se justifica pelo fato de que para propô-la deve existir controvérsia de extrema relevância a lei ou ato normativo federal, estadual, ou municipal e também as anteriores a atual constituição.

Nas duas espécies de ADPF, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar a ação de acordo com os procedimentos corretos. Essa ação é proposta perante o STF, o qual irá apreciar a questão para posteriormente, caso ache procedente, processar e julgar.

De acordo com o art. 2.º, I da lei, pode ajuizar uma ADPF os mesmos legitimados para a ADI, onde estes são os que estão previstos no art. 103 da CF. Os legitimados têm que se ater a alguns requisitos como capacidade postulatória, legitimação universal e a relação de pertinência temática.

O teor do princípio da subsidiariedade (que é visto por muitos como uma regra) está inserido no artigo 4.º parágrafo 1.º da Lei 9882/99. Desse artigo pode-se entender que ele possui requisitos extremamente específicos, que torna essa regra tão importante que com a ausência dele, não poderia ser proposta uma ADPF.

Como regra geral, o juízo da subsidiariedade, há de ter em vista a verificação da exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial.

É através desse princípio que se torna possível a utilização de ADPF, quando não existir nenhum outro meio de caráter objetivo, apto a acabar, de uma vez por todas, a controvérsia constitucional relevante, de forma ampla, imediata e geral.

O fato primordial é a solução que esse princípio é capaz de produzir, por ter uma natureza objetiva, seu caráter é vinculante e contra todos.

Com isso, a subsidiariedade desse princípio deve ser invocada para casos estritamente objetivos. Onde a realização jurisdicional possa ser um instrumento disponível capaz de sanar, de maneira eficaz a lesão causada a direitos básicos, de valores essenciais e preceitos fundamentais contemplados no texto da CF.

O Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADPFs nºs 03(20) e 12(21) , negou-lhes seguimento. O Tribunal considerou, sob o enfoque da arguição como ação própria do controle incidental/difuso de constitucionalidade, cabíveis, em tese, outros recursos como o agravo regimental e o recurso extraordinário para sanar a lesividade do ato atacado.

Já na ADPF nº 13(22) , em uma primeira análise sob a perspectiva do controle de constitucionalidade objetivo, o Tribunal entendeu inviável a arguição de descumprimento de preceito fundamental em razão da existência de ação direta de inconstitucionalidade hábil a sanar a lesão.

À medida que se avançava no julgamento das arguições, a compreensão do instituto como um instrumento do sistema de controle abstrato de constitucionalidade foi se fortalecendo. Como se pode verificar no julgamento da ADPF nº 17(23) em que o Ministro Celso de Mello destacou a impossibilidade de o princípio da subsidiariedade ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional da ADPF uma vez que a referida ação estaria vocacionada a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais, e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República. Caso contrário, ocorreria grave comprometimento da própria efetividade da Constituição.

Na referida ADPF, incidiu o veto do parágrafo 4.º do art. 5º em razão da efetiva possibilidade do manejo da ação popular para reparar a lesão a preceito fundamental.

Posteriormente, o entendimento esposado na ADPF nº 33(24) reforçou o caráter da arguição de descumprimento de preceito fundamental como ação de natureza de processo objetivo de controle de constitucionalidade e por essa razão a sua subsidiariedade há que ser sempre interpretada de acordo com o sistema objetivo de controle. Somente os instrumentos do controle objetivo servem de parâmetro para a análise do atendimento ao princípio da subsidiariedade. Caso contrário, sempre existiriam, em tese, meios de salvaguardar preceito fundamental afastando, dessa forma, a aplicação da arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Por ocasião desse julgamento, assentou-se que uma leitura excessivamente literal da disposição contida no parágrafo 1.º, do art. 4.º conduziria à retirada de qualquer significado prático do instituto da ADPF.

O Supremo Tribunal Federal considerou que se a ação fosse apreciada apenas sob uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial.

Em verdade, o Ministro Relator da referida ADPF 33 ressaltou a importância de uma leitura mais cuidadosa a revelar que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental no processo da ADPF deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva.

O principio da subsidiariedade, inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, contido no §1º do art. 4º da Lei nº 9.882, de 1999, deveria ser compreendido no contexto da ordem constitucional global.

Nesse contexto, em que se considera o caráter objetivo da ação, meio eficaz de sanar a lesão seria o apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.

Dessa forma, se cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em contrapartida, se não for hipótese de cabimento de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade, caberá a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Em princípio, dificilmente incidiria o obstáculo da subsidiariedade da argüição de descumprimento de preceito fundamental nas hipóteses de solução de questões relativas a normas anteriores à Constituição Federal de 1988 e questões de direito municipal em face da Constituição Federal. Isso porque nesses casos não se admite o ajuizamento de ADIN ou ADC.

De acordo com o art. 3º da Lei 9.882/99, a petição inicial da ADPF deverá conter a indicação do preceito fundamental que se considera violado, a indicação do ato questionado, a prova da violação do preceito fundamental, o pedido, com suas especificações. E ainda, se o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

A inicial da ADPF deve atender aos requisitos genéricos previsto no art. 282 do Código de Processo Civil no que for compatível com o art. 3º da Lei 9.882/99.

O parágrafo único desse mencionado artigo dispõe que a petição inicial deverá ser apresentada em duas vias que deverão conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.

A doutrina se digladia acerca do conceito de “princípio fundamental”. Para alguns juristas, preceito fundamental é toda regra constante da Constituição Federal; para outros, são somente os princípios fundamentais dos artigos 1º a 4º. Porém, para a maior parte dos estudiosos da matéria, preceitos fundamentais são as cláusulas pétreas e os princípios fundamentais – explícitos ou implícitos (decorrentes) – esculpidos na Carta bem como todas as normas constitucionais de conteúdo principiológico.

José Afonso da Silva(25) diferencia os preceitos fundamentais de princípios fundamentais e assinala:

“Preceitos fundamentais” não é expressão sinônima de “princípios fundamentais”. É mais ampla, abrange estes e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais.

Podem ser objeto de ADPF as leis e atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais, anteriores ou posteriores à CF/88. São legitimados para propor ADPF os mesmos da ADI.

Tem um caráter subsidiário (princípio do exaurimento das instâncias), significando isso dizer que não será a ADPF conhecida se a lesão puder ser reparada ou evitada por qualquer outro meio eficaz. Assim, aliás, já decidiu o STF, vejamos:

EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (CF, ART. 102, § 1º) – AÇÃO ESPECIAL DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE (LEI Nº 9.882/99, ART. 4º, § 1º) – EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO APTO A NEUTRALIZAR A SITUAÇÃO DE LESIVIDADE QUE EMERGE DOS ATOS IMPUGNADOS – INVIABILIDADE DA PRESENTE ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O ajuizamento da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental rege-se pelo princípio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º), a significar que não será ela admitida, sempre que houver qualquer outro meio juridicamente idôneo apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade emergente do ato impugnado. Precedentes: ADPF 3/CE, ADPF 12/DF e ADPF 13/SP.

A mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, contudo, não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir – impedindo, desse modo, o acesso imediato à argüição de descumprimento de preceito fundamental – revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional.

– A norma inscrita no art. 4º, § 1º da Lei nº 9.882/99 – que consagra o postulado da subsidiariedade – estabeleceu, validamente, sem qualquer ofensa ao texto da Constituição, pressuposto negativo de admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental, pois condicionou, legitimamente, o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional, à observância de um inafastável requisito de procedibilidade, consistente na ausência de qualquer outro meio processual revestido de aptidão para fazer cessar, prontamente, a situação de lesividade (ou de potencialidade danosa) decorrente do ato impugnado.(26)

Os efeitos são erga omnes, ex tunc e vinculantes.

Consoante disposto no art. 5º da Lei 9.882/99, é possível a concessão de medida cautelar na ADPF desde que o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, defira o pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Conforme o art. 5º, a maioria absoluta dos membros do STF pode conceder medida cautelar na ADPF.

Os requisitos para a concessão de cautelar nesse processo constitucional são os mesmos requisitos exigidos para a sua concessão no processo civil comum.

Mais adiante, o parágrafo 1º do aludido ar. 5º faculta ao relator a concessão de liminar ad referendum do Tribunal Pleno em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave.

Nesse caso, o relator poderá, monocrática e liminarmente, conceder a medida cautelar desde que atendidos pressupostos de perigo na demora e plausibilidade.

Percebe-se, assim, que o legislador pretendeu conferir a faculdade de concessão monocrática de cautelar ao relator e não criar um requisito específico para essa concessão já que a extrema urgência ou perigo de lesão nada mais são que o perigo da demora (periculum in mora).

Até a edição da Lei 9.882/99, o sistema de controle abstrato de normas em face da Constituição Federal limitava-se apenas às normas concomitantes e posteriores à Constituição Federal de 1988.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental, prevista no inciso I do parágrafo único do art. 1.º da lei retro mencionada, permite a veiculação de controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal anteriores à promulgação da Constituição.

Essa inovação legal ampliou o alcance das ações do controle de constitucionalidade objetivo para suprir a ausência de um instrumento de controle concentrado e abstrato apto à apreciação do direito pré-constitucional.

Gilmar Ferreira Mendes(27) assinala “essa solução vem colmatar uma lacuna importante no sistema constitucional brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam solvidas pelo Supremo Tribunal Federal, com eficácia geral e efeito vinculante.”

Destarte, a ADPF possui parâmetro temporal mais amplo que a ADC e a ADI, pois tanto normas anteriores como posteriores à Constituição podem ser confrontadas na referida ação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto ao longo do estudo, constatou-se que os preceitos ou normas que integram a Constituição, em razão de suas características e objetivos, acham-se num grau hierárquico supremo face às demais normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico.

Fácil concluir, desta forma, que a Constituição encontra-se no ápice do sistema jurídico de qualquer país, nela se encontrando as normas fundamentais do Estado.

Através do presente trabalho procuramos analisar os principais aspectos pertinentes ao controle de constitucionalidade principalmente demonstrando a sua necessidade com vista a garantir a supremacia constitucional. Fizemos uma análise do texto legal e da interpretação que é dada pela doutrina e jurisprudência.

Cumpre ressaltar que não tivemos a pretensão de esgotar o tema, mas apenas demonstrar as discussões acerca do objeto de estudo, esperando contribuir para o debate doutrinário e consequente aplicação no dia a dia forense.

Vimos que no Brasil, ao Supremo Tribunal Federal cabe o dever de guarda da Constituição Federal. Através da garantia da supremacia e da força normativa da Constituição, ocorre um processo de filtragem constitucional. E para que o controle de constitucionalidade seja um instrumento eficaz é extremamente necessário o combate à inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais, preservando-se com isso o equilíbrio do ordenamento jurídico brasileiro.

Hodiernamente, os juízes devem pautar as suas decisões em fundamento constitucional, tendo em vista os princípios explícitos e implícitos que dela derivam.

Constatamos, ainda, que após a Emenda Constitucional n.º 45/04, deve sempre ser averiguada a dupla compatibilidade vertical, isto é, a lei deve ser compatível não só com a Constituição Federal, mas também com o direito internacional.

Percebe-se, assim, que são variadas as transformações no tocante ao controle de constitucionalidade, principalmente com relação aos efeitos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Em um Estado Democrático de Direito, a Constituição deve permear o Direito em todas as suas dimensões. A base e o fundamento da hermenêutica constitucional devem sempre estar comprometidos em tornar realidade o objetivo de uma sociedade menos desigual e mais justa.

O papel da Constituição não pode ser olvidado pelos operadores do direito. É neste momento que sobressai como princípio de imperativa observância a supremacia da Constituição, cuja vertente se materializa no controle de constitucionalidade.

Vimos, também, que no controle de constitucionalidade, encontra-se uma série de atividades destinadas a aferir a compatibilidade dos atos normativos com a Constituição Federal, as quais são levadas a efeito pelos três poderes, dentro de suas esferas de atuação.

Assim, é imperativo o conhecimento da matéria, uma vez que é impossível que o operador jurídico não venha a deparar-se com a questão da constitucionalidade de lei ou ato jurídico em algum momento.

Somos favoráveis a uma harmonização das funções estatais, incumbindo ao STF, guardião supremo da Constituição, resguardar a ordem constitucional e, ao Senado Federal apreciar, residualmente, apenas os aspectos formais da decisão definitiva do Pretório Excelso.

Ressalte-se, porém, quisesse o legislador constituinte originário permitir ao Senado exercer um juízo de conveniência e oportunidade acerca da decisão do Supremo, teria criado um mecanismo de controle direto, similar ao controle misto. No entanto, não é isto que se verifica de nossa tradição jurídica, pois prevalece em nosso país o princípio da jurisdição una, delegada exclusivamente ao Poder Judiciário.

Por último, vale ressaltar que quando o juiz se deparar com um caso concreto em que se argui a inconstitucionalidade de uma norma, deve agir sempre com cautela e valendo-se da garantia da independência que lhe é inerente, no intuito de resguardar o ordenamento jurídico e a dignidade da pessoa humana, não permitindo, assim, que normas declaradas afrontosas à Lei Maior pelo Supremo Tribunal continuem sendo aplicadas, pelo simples fato de não terem sido suspensas por resoluções senatoriais.

Por todo o exposto, com base na pesquisa realizada, esperamos que o objetivo da pesquisa tenha sido atingido. Temos consciência de que há ainda necessidade de maiores estudos quanto à matéria em razão de suas particularidades. Mas, sabemos que é neste processo que o Direito evolui, e é nossa responsabilidade realizar efetivamente o projeto constitucional de justiça.

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