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quinta-feira, abril 25, 2024

Chanchada

Autoria: Louise

Chanchadas

Introdução

” Rio de Janeiro, anos 40 e 50.

Não era mais o Arraial da Penha que servia então de trampolim para o carnaval. Já havia, então, para esse fim, emissoras de rádio, em cujos estúdios e auditórios a folia de Momo corria solta com alguns meses de antecedência. Às telas de cinema ela também chegava – com menos antecedência, é verdade, mas pela primeira vez os rincões mais afastados do país passaram a ter acesso à imagem dos ídolos da música popular versados em sambas e marchinhas, através de filmusicais carnavalescos.

Nada de dramas atravessando o ritmo. Na passarela cinematográfica, só a alegria comandava o espetáculo. Atraindo filas e mais filas de espectadores religiosamente fiéis ao seu humor quase sempre ingênuo, às vezes malicioso e até picante, o filmusical carnavalesco impôs-se como um entretenimento de massa de singular expressividade. (…) em nenhum outro momento de sua trajetória o cinema brasileiro se relacionou tão bem e carinhosamente com o grande público como nos tempos em que Oscarito e Grande Otelo formavam uma dupla do barulho e os estúdios da Atlântida, apesar de suas notórias precariedades, eram mitificados como uma versão tropical da Metro. Seu humor mais ingênuo encantava as crianças, seu humor mais malicioso divertia os adultos, e seus interlúdios românticos e musicais fechavam o ciclo da sedução familiar”.

É assim que Sérgio Augusto introduz seu livro “O Mundo é Um Pandeiro”, no qual ele trata da época em que o cinema brasileiro foi mais assistido pelos próprios brasileiros. Época em que formavam-se filas enormes nas portas dos cinemas, cantavam-se as músicas que seriam sucesso no carnaval, prestigiava-se o cinema nacional. Época de grandes astros e estrelas, grandes diretores e muitas produções. Época em que a entrada do cinema era barato, e os filmes brasileiros ocupavam mais salas de cinema. Época em que parodiávamos filmes americanos e ríamos de nós mesmos. Época em que víamos nas telas um pouco da realidade social brasileira, sempre com muito bom humor. Época das chanchadas.

Este trabalho fala um pouco deste estilo cinematográfico que tanto agradou ao público e assumiu o papel de grande impulsionador do cinema nacional, do espetáculo de massas, da transformação de pessoas normais em astros internacionais e sustentáculo da indústria cinematográfica durante as décadas de quarenta e cinqüenta.

Por isso, Assim era a Atlântida, a Cinédia, a Brasil Vita Filmes, a Vera Cruz…

Conjuntura Brasileira

No início da década de 50, Vargas volta ao Poder, eleito, agora, pelo voto direto. Tentando despedir-se de sua vocação agrária, o Brasil começa a percorrer os caminhos da industrialização. Observa-se o crescimento das grandes cidades brasileiras em função desse estímulo à industrialização, provocado, também, pelo êxodo rural. Marcado pelo contexto do populismo, o Brasil da época teve certa abertura política, o que facilitou o sucesso das chanchadas, que também tiveram apoio nos decretos sancionados pelo governo brasileiro, exemplificando:

O primeiro decreto feito pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda – no Estado Novo), que obrigava as salas de exibição a programarem pelo menos um filme nacional por ano (1939);

Criação do Conselho Nacional de Cinema, que tinha como objetivo estabelecer normas para os produtores, importadores, distribuidores, propagandistas e exibidores de filmes cinematográficos, regulando as relações entre os mesmos, além de promover, regular e fiscalizar a produção, o aprimoramento, a circulação, a propaganda e a exibição das películas cinematográficas brasileiras em todo território nacional (1942);

A concessão de isenções de direitos e taxas aduaneiras para importação de material destinado à indústria cinematográfica; lei aprovada no Congresso por pressão do nascente Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica (1949);

A obrigatoriedade de uma proporção mínima de um filme nacional para cada oito estrangeiros para a programação das salas de exibição (1951).

Grandes personalidades do cenário político nacional foram por muitas vezes imitados e até criticados. Como bom exemplo podemos citar a famosa imitação feita por Oscarito de um discurso de Getúlio Vargas, no filme “Nem Sansão nem Dalila” (de Carlos Manga), o qual satiriza as manobras para um golpe populista e as tentativas de neutralizá-lo.

“Considerado pela crítica como o mais inteligente dos roteiros já escritos para uma chanchaada, o filme além de ser uma paródiia bem estruturada ao épico de Cecil B. Dde Mille “SANSÃO E DALILA” revela-se também uma sátira à condição do nosso cinema e do país. Realizado em 1953, durante o governo de Getúlio Vargas, “NEM SANSÃO NEM DALILA” é uma grande crítica ao populismo, suas alianças, ao autoritarismo e a demagogia reinante”

Mas as chanchadas também percorreram a época de outros nomes como JK, Jânio Quadros e João Goulart (já em seu final), num momento que pode ser caracterizado como de turbulência política.

A industrialização nascente estimulou o surgimento das grandes cidades, provocado também pelo forte êxodo rural. Estas cidades são retratadas nos enredos das chanchadas, que mostravam com vivacidade e humor os problemas urbanos que se formavam, principalmente aqueles relacionados às classes mais baixas.

De um modo geral, podemos dizer que as chanchadas formam o retrato de um país em transição, abdicando dos valores de uma sociedade pré-industrial e ingressando na vertiginosa ciranda da sociedade de consumo, cujo modelo teria num novo meio, a TV, o seu grande sustentáculo.

O que eram as chanchadas

“Nome geral que se dá a todas as comédias, inclusive musicais, de “apelo” popular”, disse Jean Claude Bernardet. “Comédia popular com interpolações musicais”, segundo Alex Viany, ou ainda “Peça teatral sem valor, destinada apenas a produzir gargalhadas; qualquer espetáculo teatral de pouco ou nenhum valor”, define o Grande Dicionário Enciclopédico Ilustrado Solar. Inúmeras são as definições para os “filmusicais” feitos no Brasil entre 1930 e 1960, mas seja qual for a adotada, o incontestável é que as chanchadas constituíram um momento único da cinematografia brasileira, quando multidões eram atraídas pelo nosso cinema, garantindo a sobrevivência industrial desta arte no país.

O primeiro estúdio de cinema brasileiro foi a Cinédia. Nascida em 1930, espelhava-se no modelo hollywoodiano. Adhemar Gonzaga, fundador da companhia, chegou a viajar para Hollywood para pesquisar as técnicas do cinema falado. Já em 1933 utilizou a câmara na mão, primeiros planos e escurecimento da imagem no clímax de algumas cenas, linguagem totalmente nova na época e que rendeu muitas críticas ao filme “Ganga Bruta”, de Humberto Mauro. No mesmo ano “A Voz Do Carnaval”, de Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro, abriu para o cinema brasileiro o caminho do filme musical, originalmente americano, que permaneceria em nossas telas durante trinta anos. Junto com a comédia de costumes, daria origem à chanchada, com a marca registrada da irreverência. A Cinédia começou a declinar na metade da década de quarenta, e no início dos anos 50 estava praticamente falida.

Foi a Atlântida, fundada em 1941 por Moacyr Fenelon, Alinor Azevedo e José Carlos Burle que tornou-se a maior produtora e uma verdadeira especialista em chanchadas, ao descobrir a forma de explorar o mercado: voltar-se quase exclusivamente para um público popular, apoiando-se no teatro ligeiro e nos nomes conhecidos dos meios de comunicação da época, formados pelos ídolos do rádio. O primeiro longa produzido pela companhia foi “Moleque Tião” (1943), trazendo um Grande Otelo ainda pouco popular no papel principal. Foi uma decisão ousada: colocar um ator negro e desconhecido como protagonista de um filme era novidade na época. Apesar disso, “Moleque Tião” fez enorme sucesso, e até o final dos anos 40 as melhores produções eram as da Atlântida. É importante frisar que a companhia raramente incursionou por temas mais sérios. Seu forte estava nas chanchadas, sendo que a primeira delas foi “Tristezas Não Pagam Dívidas” (1943), de Rui Sá e José Carlos Burle. Embora não tenha sido a primeira, o crítico Sérgio Augusto, diz que “A chanchada propriamente dita nasceu, sem dúvida, com Carnaval no Fogo (1948)”, fato que Alex Viany explica:

“Este filme revoluciona o modo de realização dessas comédias. Reunindo pela primeira vez Oscarito, Grande Otelo e José Lewgoy, Watson Macedo cria uma nova fórmula: conta uma história, uma intriga policial, com brigas, correrias, um par romântico e o galã de herói contra os bandidos, em filme de melhor acabamento, os artistas bem orientados e os números musicais encenados com um certo bom gosto”.

Criada com a finalidade não apenas de fazer cinema, mas de criar uma experiência cinematográfica brasileira, ou, pelo menos, carioca (uma vez que sua sede era no Rio de Janeiro, principal cenário e mercado consumidor desses filmes), a Companhia Atlântida Cinematográfica também pretendia abordar problemas sociais até então ausentes no cinema nacional, e alcançar um padrão de produção comparável ao dos filmes americanos. A partir dela, foram produzidos, em vinte anos, sessenta e dois filmes de ficção e dois documentários, além de inúmeros cine-jornais, apresentados antes do longa-metragem.

Depois da Atlântida, surgiram outras produtoras, como a Herbert Richers, a Cinedistri, as produções independentes de Watson Macedo e Oswaldo Massaini. Graças às chanchadas que o cinema nacional conseguiu produzir 300 obras entre 1950 e 1960, com público garantido. A euforia estava lançada: embora ainda se exibissem mais filmes americanos do que brasileiros, as chanchadas agora competiam em condições de igualdade com o cinema americano.

A influência americana sobre o cinema brasileiro começou muito cedo, por volta de 1911. O cinema americano já era assunto principal e freqüente em qualquer conversa na década de 20, e havia inclusive concursos para eleger a estrela americana mais popular. Por aqui surgiam cópias brasileiras dos astros hollywoodianos e publicações nacionais tinham correspondentes em Hollywood. Ares californianos, a terra dos sonhos, invadiam os filmes nacionais. O cinema americano era uma obsessão no Brasil. Sérgio Augusto, em “Este Mundo é um Pandeiro”, comenta que a chanchada brasileira provavelmente nunca tivesse existido sem Hollywood. Veremos mais sobre isso adiante.

Até os críticos, de quem se poderia esperar uma opinião consciente, idolatravam o cinema americano, chegando a comparar as atrizes nacionais às stars hollywoodianas, tomadas como padrão de avaliação. Mas, apesar da dependência do modelo estrangeiro, a produção nacional conseguia parodiar sua fonte de inspiração. A paródia é um tipo de imitação irônica e deformante que inverte valores, repetindo o modelo com distanciamento crítico. Em outras palavras copiava-se descaradamente sim, mas sabia-se que se estava copiando e o cinema nacional conseguia divertir-se com essa situação paradoxal de dependência. A relação entre o elemento original e a paródia, porém, é de forças desiguais. O referencial é sempre o elemento mais forte, dominador, valor cultural incontestável. Por mais que se parodie, haverá sempre a relação de subordinação mostrando aquele que dita as regras. Nas chanchadas brasileiras ficava explícita a posição de quem era seguidor das regras hollywoodianas. Nosso cinema era visto como negócio de pessoas vigaristas em quem não se podia confiar. A produção nacional menosprezava a si própria como produto mal-acabado, de qualidade duvidosa e feito por amadores.

Seus assuntos foram sempre tipicamente nacionais e o enfoque ideológico correspondia ao da média burguesia, essa sim, de caráter bastante alienado. A única filosofia veiculada em seus roteiros é a do “lugar-comum”, do vulgar, do consumo e do chamado bom senso burguês.

Caricaturas dos heróis e estilos hollywoodianos; Oscarito, Grande Otelo e outros artistas “lavavam a alma” da população mais pobre ao tornarem-se verdadeiros heróis – ou seriam anti-heróis?

À esta fórmula ainda era empregado um tom humorístico vindo do rádio, notando–se algumas conotações circenses. Na verdade, a chanchada está intimamente ligada à trilha sonora, a ação nunca era levada pela música: as melodias eram simplesmente inseridas no enredo, de acordo com a conveniência.

A chanchada foi, se a resumirmos, apenas um tipo particular de cinema regional, predominantemente carioca, que, aproveitando a conjuntura favorável da época, representada pela melhoria técnica do equipamento e facilidades de distribuição, logrou agradar a boa parcela do público, que passou a encarar o gênero como uma diversão à altura das demais fitas estrangeiras. Assim, chamar nossos filmes de imitação caipira dos modelos hollywoodianos seria simplificar demais o problema. A chanchada tem suas raízes no teatro de comédia, algo de bastante brasileiro, apesar de suas origens no “vaudeville”.

Indústria Cultural e Chanchada

A produção durante a década de quarenta concentrou-se na cidade do Rio de Janeiro, essencialmente pela produtora Atlântida. Já na década de cinqüenta, entraram nesse circuito outras companhias, como por exemplo, a Vera Cruz, situada em São Paulo. O surgimento das chanchadas impulsionou como nunca antes visto o mercado cinematográfico brasileiro.

A Vera Cruz surgiu para fazer um cinema “sério”, seguindo os moldes americanos. Seu lema era “Produção brasileira de padrão internacional”. A crítica às chanchadas é percebida com clareza no texto retirado do site da companhia:

“As companhias Cinédia e Atlântida no Rio de Janeiro, apesar de terem produzido uma grande quantidade de filmes, foram rejeitadas pela elite por se tratarem de comédias carnavalescas (chanchadas) com um tom popularesco e vulgar.

O aparecimento da Cia. Cinematográfica Vera Cruz vislumbra a possibilidade de um cinema “verdadeiro”, distanciado da “indigência” em que se havia transformado o cinema brasileiro visto do Rio de Janeiro. A Vera Cruz ambicionava realizar filmes de classe e em muito maior número, uma verdadeira “expressão cultural””.

Entre as décadas de cinqüenta e sessenta, foram produzidos em torno de trezentas obras, havendo uma melhor divulgação e distribuição devido à associação entre a produtora Atlântida e o grupo Severiano Ribeiro (1947). Esta associação em primeira mão foi feita para Luiz Severiano Ribeiro se beneficiar de uma lei executada por Dutra, em 1946, que ampliava a reserva e mercado, aumentando a obrigatoriedade da exibição de um para três filmes brasileiros por ano em cada cinema. Posteriormente chegou-se a uma harmonia entre produção, distribuição e exibição que resultou na transformação do empreendimento em um negócio altamente lucrativo, sem sacrificar a qualidade técnica manteve, durante 15 anos, o estúdio funcionando sem interrupção – o caso mais bem sucedido de indústria cinematográfica no Brasil.

Exemplos são dados da ampliação da indústria cultural que se formou a partir do surgimento das chanchadas, que chegavam a competir com o cinema americano, visto como padrão de comparação e idealização dos diretores e produtores da época.

A indústria cultural da chanchada é explicitada principalmente pelo fato de conseguir reproduzir bens culturais e de abranger e concluir as quatro fases de um sistema de produção cultural citadas por Teixeira Coelho. A produção como já dito, foi conseguida graças ao surgimento de novas produtoras; a distribuição foi feita, principalmente, pelo grande número de salas de exibição (na década de cinqüenta existiam trezentas salas e hoje, apenas, oitenta e nove); a terceira é a troca entre o público e o bem cultural, feita através do comparecimento deste nas projeções e o pagamento mediante a compra do ingresso, sendo complementado pelo entendimento da obra, o uso, fechando assim, o ciclo de produção.

Como qualquer indústria capitalista, a indústria cultural da chanchada visava a ampliação do número de consumidores, diminuindo assim o custo unitário do produto. Isto é conseguido principalmente pela associação da idéias que se identificam com o público, como a circularidade existente entre as culturas, sendo elas populares ou eruditas, conseguindo assim uma aproximação com o espectador. Essa circularidade cultural, como será visto mais tarde, diz respeito às chanchadas veicularem em seus meios um conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios das classes subalternas e das dominantes, utilizando elementos das culturas eruditas, como óperas, peças de Shakespeare e socialites.

Vários costumes foram popularizados pela indústria das chanchadas. As revistas que abordavam esse assunto como Anhembi e Cinelândia, viraram um grande meio de difusão. A música também teve um papel de destaque nas chanchadas, e sua propagação chegava a grande parte da população devido ao rádio. Esta articulação entre os meios de produção (cinema-revista-rádio), gera uma interseção maior entre o público e a obra, resultando em costumes muito casuais da época, como o fato de todos saberem as marchinhas presentes nos filmes antes mesmo de sua estréia, ou o aumento do número de pessoas se inscrevendo nas produtoras buscando o estrelato que surgiria do acaso, por sorte de ser descoberto, como aconteceu com a maioria das estrelas da chanchada.

Uma prova mais do que contundente da circularidade das diversas formas de cultura, que se evidencia a cada cena filmada, é o grande sucesso das chanchadas. As chanchadas significariam a união da sátira com o naturalismo hollywoodiano, somada às expressões da cultura popular brasileira.

Um dos aspectos culturais mais marcantes destas comédias foi a divulgação do que se chamava “filosofia barata”, não podendo ser diferente, pois muitos espectadores eram ainda analfabetos e preferiam o cinema nacional por não entenderem as legendas das fitas importadas. A partir disto, este espectador estaria apto a compreender nada além de seu cotidiano identificando-se com um personagem típico, com os mesmos problemas de seu dia-a-dia.

O sonho com o Olimpo

É realmente notável para o cinema brasileiro o fascínio exercido pelas chanchadas sobre o público. Os personagens, com seu aspecto irreverente, caricatural e popular carregavam um diferencial, um signo do “jeito” brasileiro que se espelhava no próprio público. Além disso, o domínio da técnica corporal era o complemento essencial dos artistas que, em grande parte, tiveram o circo e o teatro de revista como escola.

A relação ator/espectador não poderia ser mais “íntima”. Os personagens, mesmo com toda a sua malícia, tinham uma expressiva carga de sentimentos, o que lhes conferia uma sincera humanidade que atingia em cheio as massas. Outro elemento que estreitava essa relação era o fato de alguns astros terem vindo de classes pobres, como Dercy Gonçalves, promovendo um certo nivelamento com o público. Isso só fazia aumentar o fascínio do brilho exibido no cinema, já que pessoas comuns, pobres e de pouca instrução, poderiam tornar-se, como por mágica, estrelas das grandes telas. A Atlântida chegou a receber, nessa época, 12615 candidatos à figuração.

A força das chanchadas influenciava, e até moldava, o imaginário coletivo de tal forma que os personagens eram vistos como figuras de contos de fadas, envolvidas por uma magia presente apenas nas telas. Edgar Morin, em seu livro “Cultura de massa no século XX”, chegou a comparar os grandes astros da mídia aos deuses olimpianos da mitologia grega.

Com o auxílio das revistas de cinema, que vasculhavam a vida pessoal dos artistas, acabava ocorrendo um misto ator/personagem, já que os astros e estrelas encarnavam um mesmo tipo de papel em todos os filmes que faziam.

Eliana era sempre a mocinha, enquanto José Lewgoy e Renato Restier passavam a imagem do vilão. Os mocinhos, galãs, eram representados por Cyll Farney e John Herbert e restava aos maravilhosos Grande Otelo, Oscarito e Colé a malandragem dos personagens mais populares das chanchadas, estereótipos maliciosos do cidadão brasileiro.

Dirigindo este verdadeiro espetáculo, dois grandes nomes, entre outros, destacaram-se: Watson Macedo, diretor do imortal “Este mundo é um pandeiro”, que abusou da paródia ao estrangeiro, criticando também as mazelas da sociedade em esquetes humorísticas com musicais carnavalescos e Carlos Manga, cuja marca era a ironia. Este deixou de lado os musicais e apostou nas paródias extremamente irônicas, como em “Nem Sansão nem Dalila”, uma paródia ao épico americano.

O sucesso das chanchadas

Diferente do que acontece atualmente, que, para lotar uma sala de exibição de um filme brasileiro é necessário que o mesmo tenha sido indicado para o Oscar americano, na década de 1950, ir ao cinema assistir aos filmes brasileiros era algo muito comum. Isso ocorria graças à ausência das TVs, aos preços populares cobrados pelos ingressos, ao grande número de salas de exibição e, principalmente, à popularidade das chanchadas.

Sem dúvida alguma, a cinematografia nacional nunca foi tão prestigiada quanto na época áurea das chanchadas, pois mesmo que os filmes americanos ocupassem maior número de salas e também tivessem um público alto, era para assistir às chanchadas que se faziam filas. Mas, porque esse tipo de filme conquistou o público? O que tinha de tão atraente nas chanchadas que não tinha em outros tipos de filmes nacionais ou até mesmo nos americanos?

Elas caíram no gosto popular por falarem a linguagem de seus espectadores: a população de renda média e baixa; além do que, as personagens e situações apresentadas eram de fácil aceitação e identificação com o público.

Importantes situações da realidade social eram tratadas num tom de sátira e deboche, agradando em cheio aos espectadores. Os heróis das fitas eram malandros e simpáticos, fazendo mil e uma trapalhadas para, no fim, vencer o mal. Carlos Manga fixa quatro situações básicas do modelo da chanchada: 1)mocinho e mocinha se metem em apuros; 2)cômico tenta proteger os dois; 3) vilão leva vantagem; 4)vilão perde vantagem e é vencido.

O sucesso popular e o direcionamento da chanchada devem-se em boa parte ao desempenho de vários dos atores e atrizes principais, capazes de dar sua parcela de contribuição efetiva na recuperação para as telas dos valores do homem simples brasileiro. Atores que guardam grandes heranças populares, acrescentando muitas vezes passagens de suas vidas modestas e cheias de dificuldades aos papéis que interpretavam.

Testemunhando a circularidade cultural existente entre as diferentes classes sociais, as chanchadas mostravam as diferenças e semelhanças entre os universos das classes alta e baixa da sociedade brasileira. Podemos observar em alguns filmes, provas dessa circularidade cultural. Rosângela Dias de Oliveira nos mostra exemplos claros disso em trechos retirados de seu livro O mundo como chanchada: cinema e imaginário das classes populares na década de 50:

“No mesmo filme (Carnaval no Fogo), há uma outra prova dessa circularidade cultural, quando Oscarito, interpretando um faxineiro do Hotel Copacabana Palace, finge reger uma obra erudita transmitida pelo rádio. O que demonstra que ouvir e gostar de obras clássicas não é privilégio de nenhuma classe, ainda que o acesso às salas de concerto o seja.

Já no filme Samba em Brasília, há uma cena demonstrando que a cultura das classes populares também penetra no high society. Heloísa Helena, patroa de Eliana, resolve despedi-la por ter estragado a recepção, fazendo bolinhos carregados na pimenta. No entanto, muda de idéia quando a outra diz que não há problema algum em ficar sem emprego: “Meu santo é forte!” Heloísa Helena, ao ouvir isso, exclama:

“Ela entende de macumba!”, e decide contratar os serviços da empregada para que a mesma lhe faça um “despacho”.

(…) A macumba, mesmo sendo uma religião oriunda das classes menos favorecidas, penetra em outras camadas da população, que a utilizam segundo seus interesses.

(…) O faxineiro regendo o concerto pelo rádio e a grã-fina que faz despachos de macumba são provas desse trânsito cultural. O fato de a cultura erudita ser parodiada pelas chanchadas demonstra que alguns de seus aspectos são comuns a grande parte da população (aí incluídas as classes subalternas).

(…) O grande sucesso das chanchadas seria uma prova mais do que contundente da sobreposição ou circularidade das diversas formas de cultura, que se evidencia a cada cena filmada. As chanchadas significariam a união, mais do que fortuita, da sátira com o naturalismo hollywoodiano, somada às expressões da cultura popular brasileira”. (DIAS, Rosângela de Oliveira, 1993, pp 19, 20).

Enfim, como escreveu Sérgio Augusto para o jornal O Estado De São Paulo, em 6 de fevereiro de 1999, as chanchadas deram certo “porque eram capazes de divertir uma ampla e diversificada camada de expectadores com sua esperta mistura de humor ingênuo e malicioso e seus cândidos esforços para emular os musicais de Hollywood”. E, assim, com uma linguagem extremamente popular, onde se achavam presentes elementos do carnaval, do rádio e do teatro de revista, as chanchadas foram sucesso absoluto de público.

Críticas

As chanchadas eram feitas para um público diferente: o povo. Como já dito, o preço dos ingressos era baixo e os filmes retratavam a realidade da população. Havia filas na porta e quase todos adoravam e se divertiam com os astros desse “novo” cinema.

Obviamente, alguns não gostavam e criticavam ferozmente, como esse crítico que diz:

“Em sã consciência, é possível chamar de cinema brasileiro a essas peças de aventura? Por que em caso afirmativo, se Carnaval em Marte ou Carnaval em Lá Maior for cinema brasileiro, então eu confesso que sou contra o cinema brasileiro…”

As chanchadas eram severamente criticadas pelos críticos cinematográficos da época, como Fred Lee, Pedro Lima, Moniz Vianna (encarado como o lobo mau do cinema nacional), sendo que não só os jornalistas intitulavam as chanchadas como amorais, como muitos diretores (como Paula Wanderley) atacavam também esses filmes, os quais, na sua concepção, eram totalmente diferentes das comédias (que seriam mais nobres, em geral feitas no estrangeiro). Os críticos, a cada novo lançamento carioca, soltavam o seu veneno e frases do tipo “mais um abacaxi nacional!” ou “descemos ao nível de cloaca!” eram corriqueiras. Em matéria sobre o cinema nacional da edição de 25 de maio de 1957 da revista O Cruzeiro, E. Pacote e Jorge Lyra escrevem:

“Câmbio negro de filme virgem, chanchadas, falsos diretores e produtores que só pensam em ganhar dinheiro fácil, eis os principais males que afligem o cinema nacional”.

“A eliminação da chanchada, o aspecto mais negativo do cinema brasileiro exigiria, em primeiro lugar, que a censura deixasse de ser cúmplice desse autêntico crime cometido contra o bom gosto e, freqüentemente, contra os bons costumes”.

A legenda de duas fotos diz:

“Duas concepções de movimento. Em cima, “O Gaúcho”, rodado na Vera Cruz, em São Paulo. Embaixo, mais uma calamidade de Watson Macedo” (grande diretor de chanchadas).

Entretanto, a ira dos críticos não influenciava o grande público, que praticamente não lia jornais e, quando lia, estava mais interessado nas páginas policiais ou nas manchetes políticas. Além disso, em filme nacional não se precisa ler letreiro, bastava ser todo ouvidos.

Após a renovação da crítica a partir de 1944, primeiramente no Rio e depois em São Paulo, com a primeira geração de críticos conscientes de uma arte cinematográfica autônoma – exaltou-se obras como: “O Dia é Nosso”, “Moleque Tião”, “Gente Honesta”, “Também Somos Irmãos”, ainda maldizendo as chanchadas, mas reconhecendo um cinema brasileiro de qualidade. Essa crítica fora em vão, pois, mesmo com a presença de atores famosos de chanchadas, estes filmes não foram sucesso entre o público, que continuou lotando mesmo as salas de exibição das chanchadas .

De forte apelo popular, a chanchada era claramente inspirada em grandes bilheterias americanas, o que rendia mais críticas e alienações, pois eram acusadas de alienar o povo afastando-se e afastando-o da crítica social e política, acabando com a possibilidade de uma identidade própria nos filmes. Não podemos negar a existência de pessoas que queriam transformar o cinema nacional, fazendo-o nos moldes do americano (a Vera Cruz prova isso, por ser uma empresa fundada para alcançar os “padrões americanos de qualidade” e fazer filmes sérios, como diziam seus donos), mas esta não é a única faceta do gênero. Temos que ressaltar a importância cultural e econômica das chanchadas para o Brasil, visto que era a forma cultural existente que mais atraía a população, lotando as salas de exibição.

Alguns enfatizam seu aspecto original e criativo, e, sem negar que a maioria parodiava o cinema americano, afirmam que não se pode considerar a chanchada apenas como um subfilme alienado, mas como um veículo de comunicação que traz, latente, uma resistência cultural definida, sobretudo quando se preocupa com a política nacional, criticando a estrutura do poder ou ressaltando necessidades básicas do povo. Por outro lado, ao ridicularizar os valores apresentados nos filmes americanos, ajudava a desmascarar o seu cunho ideológico. Eram filmes críticos que nunca desperdiçaram uma ponta de ironia aos problemas nacionais. A sátira, a farsa e a paródia eram freqüentes, mas sugeridas de maneira sutil, de forma a não criarem problemas com as autoridades.

Fim da Chanchada e Chanchada Hoje em Dia

A chanchada perdeu terreno quando a televisão cooptou de vez o seu humor e até mesmo alguns de seus luminares, no começo dos anos 60. Talvez o gênero ainda sobrevivesse por mais alguns anos, porém, mediante realizações de baixo nível (excetuando-se a filmografia de Mazzaropi, fiel a seu estilo até nossos dias). No Rio, as interpretações de Zé Trindade eram muito estimadas, mas a conjuntura já estava fazendo o rádio – grande sustentáculo da chanchada – perder terreno para a TV, que predominaria no cenário da diversão doméstica a partir de 1965/67.

Somente o despontar do Cinema Novo, com “Barravento”, de Glauber Rocha em 1961, acabou encerrando o ciclo, que mais tarde renasceria sob denominações várias, tais como, pornochanchadas, a comédia erótica e a neo-chanchada, mas nunca mais foi tão popular.

O ator e diretor Hugo Carvana sempre empenhou-se em manter vivo o espírito das comédias carnavalescas em seus filmes Vai Trabalhar Vagabundo (1973), Se Segura Malandro (1977). E agora em 2002 deve sair seu novo filme, “Tempestade Cerebral”, uma homenagem que ele faz ao gênero que lhe rendeu cerca de 30 papéis. Mais detalhes sobre a produção temos no trecho retirado de matéria do Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo de 20 de junho de 2001:

“A ligação veio quando optou por uma solução absurda, mas inteiramente pertinente à lógica das chanchadas: um cientista americano (José Lewgoy, who else?) decide vir ao Brasil capturar o cérebro de Apolônio e extrair, de seus neurônios, o gene da alegria para um lucrativo comércio internacional de clonagem humana. Coisas de globalização, of course.

Mas o cientista não será o único interessado na massa encefálica: antigos amigos, amantes, e até um filho que desconhecia, entrarão na briga pelas moléculas responsáveis pela alegria de viver do pianista. A tensão entre os que defendem e os que rejeitam a clonagem com fins comerciais criará algo como “o Apolônio é nosso”, brinca Carvana, referindo-se à antiga campanha em defesa do petróleo nacional.

Para alinhavar a trama rocambolesca, que começa no século 21 e retrocede a 1948, Apolônio (interpretado por Caio Junqueira na adolescência – e Marco Nanini quando adulto) brindará os espectadores com seu tremendo talento, em generosos flash-backs, reeditando o melhor da noite carioca dos anos 50 e 60″.

No ano de 1952 um grande incêndio destruiu quase tudo da Atlântida, alguns anos mais tarde uma inundação arrasou o que restava; apenas 27 filmes foram salvos e nunca mais viu-se um filme produzido pela Atlântida. Agora estes filmes estão sendo relançados em DVD.

Bibliografia

Augusto, Sérgio. “Este Mundo É Um Pandeiro – A Chanchada de Getúlio a JK”. São Paulo: Cinemateca Brasileira: Companhia das Letras, 1989.

Dias, Rosângela de Oliveira. “O mundo como chanchada: cinema e imaginário das classes populares na década de 50”. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993.

Coelho, Teixeira. “Indústria Cultural”. In: “Dicionário Crítico De Política Cultural”. São Paulo: Editora Iluminuras, 1997.

Catani, Afrânio M. e Souza, José I. de Melo. “A Chanchada no Cinema Brasileiro”. São Paulo: Brasiliense.

Lyra, Jorge e Pacote, E. “Cinema Nacional – Marco Zero”. In: Revista “O Cruzeiro”, 25 de maio de 1957.

Miranda, Luiz F. A. “Dicionário de Cineastas Brasileiros”. São Paulo: Art Editora, 1990.

Piper, Rudolf . “Filmusical Brasileira e Chanchada. Posters e Ilustrações”

Paiva, Salvyano Cavalcanti. “História Ilustrada dos Filmes Brasileiros”

Silva Neto, Antônio Leão da. “Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro – Dicionário de Atrizes e Atores”. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

Almanaque Abril 1998.

Grande Dicionário Enciclopédico Ilustrado Solar, Volume 2.

http://www.atlantida.art.br

http://veracruz.itgo.com/mainbr.htm

Fontes Consultadas

“Assim era a Atlântida”, Carlos Manga, 105min, preto e branco, 1974.

“Nem Sansão Nem Dalila”, Carlos Manga, 90 min, preto e branco, 1953.

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