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domingo, abril 21, 2024

CONSEQÜÊNCIAS PSÍQUICAS DA DISTINÇÃO ANATÔMICA ENTRE SEXOS

Em meus próprios escritos e naqueles de meus seguidores, sempre mais ênfase é dada à necessidade de que as análises de neuróticos lidem de modo completo com o período mais remoto de sua infância, a época da primeira e florescência da vida sexual. Apenas examinando-se as primeiras manifestações da constituição instintual inata do paciente e os efeitos de suas primeiras experiências, que de fato podemos avaliar com exatidão as forças motivadoras que levaram à sua neurose, e estar seguros contra os erros a que poderíamos ser induzidos pelo grau em que as coisas se tornaram remodeladas e sobrepostas na vida adulta. Essa exigência não é apenas de importância teórica, mas também prática, de vez que ela distingue nossos esforços do trabalho daqueles médicos cujos interesses se focalizam exclusivamente nos resultados terapêuticos, e que empregam métodos analíticos, embora apenas até certo ponto. Uma análise da primeira infância como a que estamos considerando é tediosa e laboriosa, e faz, tanto ao médico quanto ao paciente, exigências nem sempre possíveis de ser cumpridas. Ademais, ela nos conduz a regiões obscuras onde ainda não existem postes sinalizadores. De fato, os analistas podem se sentir seguros, penso eu, de que não há risco de seu trabalho tornar-se mecânico e perder assim seu interesse, durante as próximas décadas.

Nas páginas seguintes apresento alguns achados de pesquisa analítica que seriam de grande importância, caso se pudesse provar que são universalmente aplicáveis. Por que não adiei sua publicação até que a experiência ulterior me tivesse dado as provas necessárias, se é que se possa obter tais provas? Porque as condições sob as quais trabalho experimentaram uma mudança, com implicações que não posso disfarçar. Antigamente eu não contava entre aqueles incapazes de reter o que parece ser uma nova descoberta, até que tenha sido confirmada ou corrigida. A Interpretação de Sonhos (1900a) e ‘Fragmento da Análise de um Caso de Histeria’ (1905e) (o caso de Dora) foram por mim retidos — se não pelos nove anos prescritos por Horácio — pelo menos durante quatro ou cinco anos, antes que eu lhes permitisse serem publicados. Naqueles dias, porém, eu tinha tempo ilimitado à minha frente — ‘oceans of time’ como um autor afável o diz — e o material despejava-se sobre mim em tais quantidades que mal se podia escapar a novas experiências. Ademais, eu era o único a trabalhar em um campo novo, de modo que minha reticência não envolvia perigo para mim nem perda para os outros.

Hoje, porém, tudo mudou. O tempo à minha frente é limitado. Sua totalidade não é mais gasta no trabalho, de modo que minhas oportunidades de efetuar novas observações não são tão numerosas. Se penso perceber algo de novo, fico incerto quanto a se posso esperar que se confirme. E, além disso, tudo quanto há de ser visto à superfície já foi exaurido; o que resta tem de ser lenta e penosamente arrastado para cima, desde as profundezas. Finalmente, não estou mais sozinho. Um grupo ávido de companheiros de trabalho está apto a fazer uso daquilo que é inacabado ou duvidoso, e posso deixar-lhes aquela parte do trabalho que, doutra maneira, eu próprio teria realizado. Desta vez, portanto, sinto-me justificado em publicar algo que está em urgente necessidade de confirmação, antes que seu valor, ou falta de valor, possa ser decidido.

Examinando as primeiras formas mentais assumidas pela vida sexual das crianças, habituamo-nos a tomar como tema de nossas investigações a criança do sexo masculino, o menino. Com as meninas, assim supúnhamos, as coisas deviam ser semelhantes, embora de um modo ou de outro elas tenham, não obstante, de ser diferentes. O ponto do desenvolvimento em que reside essa diferença não podia ser claramente determinado.

Nos meninos, a situação do complexo de Édipo é o primeiro estádio possível de ser identificado com certeza. É fácil de compreender, de vez que nesse estádio a criança retém o mesmo objeto que previamente catexizou com sua libido — não ainda um objeto genital — durante o período precedente, enquanto estava sendo amamentada e cuidada. Também o fato de que, nessa situação, encare o pai como um rival perturbador e goste de se ver livre dele e tomar-lhe o lugar, é conseqüência direta do estado real de coisas. Demonstrei alhures como a atitude edipiana nos meninos pertence à fase fálica e como sua destruição é ocasionada pelo temor da castração — isto é, pelo interesse narcísico nos órgãos genitais. O assunto fica mais difícil de apreender pela circunstância complicante de que mesmo em meninos o complexo de Édipo possui uma orientação dupla, ativa e passiva, de acordo com sua constituição bissexual; o menino também deseja tomar o lugar de sua mãe como objeto de amor de seu pai — fato que descrevemos como sendo a atitude feminina.

Com referência à pré-história do complexo de Édipo nos meninos, estamos longe da clareza completa. Sabemos que esse período inclui uma identificação de tipo afetuoso com o pai do menino, identificação que ainda está livre de qualquer sentimento de rivalidade com relação à sua mãe. Outro elemento desse estádio é, acredito, invariavelmente uma atividade masturbatória vinculada aos órgãos genitais, a masturbação da primeira infância, cuja supressão mais ou menos violenta da parte daqueles que estão encarregados da criança põe em ação o complexo de castração. Deve-se presumir que essa masturbação está ligada ao complexo de Édipo e sirva como descarga para a excitação sexual que lhe é própria. Contudo, é incerto se a masturbação possui esse caráter desde o início, ou se, pelo contrário, efetua seu primeiro aparecimento espontaneamente, como uma atividade de um órgão corporal, e só é colocada em relação ao complexo de Édipo em alguma data posterior; essa segunda possibilidade é, de longe, a mais provável. Outra questão duvidosa é o papel desempenhado pela enurese noturna e pelo rompimento desse hábito mediante a intervenção de medidas de educação. Estamos inclinados a estabelecer a conexão simples de que a enurese continuada é um resultado da masturbação e que sua supressão é encarada pelos meninos como uma inibição de sua atividade genital — isto é, como mantendo o significado de uma ameaça de castração; contudo, ainda resta ver se estamos sempre corretos em fazer essa suposição. Finalmente, a análise nos demonstrou de maneira obscura como o fato de uma criança em idade muito precoce escutar os pais copularem, pode desencadear sua primeira excitação sexual e como esse acontecimento pode, devido a seus efeitos posteriores, agir como ponto de partida para todo o desenvolvimento sexual da criança. A masturbação, bem como as duas atitudes do complexo de Édipo, posteriormente se liga a essa experiência primitiva, tendo a criança subseqüentemente interpretado seu significado. É impossível, contudo, supor que essas observações de coito sejam de ocorrência universal, de modo que a essa altura nos defrontamos com o problema das ‘fantasias primitivas’. Assim, a pré-história do complexo de Édipo, mesmo nos meninos, levanta todas essas questões para seleção e explanação, e existe ainda o problema de saber se devemos supor que o processo invariavelmente segue o mesmo curso, ou se grande variedade de estádios preliminares diferentes não pode convergir para a mesma situação final.

Nas meninas, o complexo de Édipo levanta um problema a mais que nos meninos. Em ambos os casos, a mãe é o objeto original, e não constitui causa de surpresa que os meninos retenham esse objeto no complexo de Édipo. Como ocorre, então, que as meninas o abandonem e, ao invés, tomem o pai como objeto? Perseguindo essa questão pude chegar a algumas conclusões capazes de lançar luz exatamente sobre a pré-história da relação edipiana nas meninas.

Todo analista já deparou com certas mulheres que se aferram com intensidade e tenacidade especiais à ligação com o pai e ao desejo, em que esse vínculo culmina, de terem um filho seu. Temos boas razões para supor que a fantasia de desejo foi também a força motivadora de sua masturbação infantil, e é fácil formar a impressão de que, nesse ponto, viemos dar contra um fato elementar e não analisável da vida sexual infantil. Entretanto, uma análise rigorosa desses próprios casos traz à luz algo diferente, ou seja, que aqui o complexo de Édipo tem uma longa pré-história e constitui, sob certos aspectos, uma formação secundária.

O antigo pediatra Lindner [1879] certa vez observou que a criança descobre as zonas genitais (o pênis ou o clitóris) como fonte de prazer enquanto se entrega ao sugar sensual (sugar do polegar). Deixarei como questão aberta saber se realmente procede que a criança assume a fonte de prazer, que acaba de descobrir, em troca da perda recente do mamilo da mãe — possibilidade a que fantasias posteriores (felação) parecem apontar. Seja como for, a zona genital é descoberta em alguma ocasião ou outra e não parece haver justificativa para atribuir qualquer conteúdo psíquico às primeiras atividades a ela vinculadas. O primeiro passo na fase fálica iniciada dessa maneira não é a vinculação da masturbação às catexias objetais do complexo de Édipo, mas uma momentosa descoberta que as meninas estão destinadas a fazer. Elas notam o pênis de um irmão ou companheiro de brinquedo, notavelmente visível e de grandes proporções, e imediatamente o identificam com o correspondente superior de seu próprio órgão pequeno e imperceptível; dessa ocasião em diante caem vítimas da inveja do pênis Existe um contraste interessante entre o comportamento dos dois sexos. Na situação análoga, quando um menino pela primeira vez chega a ver a região genital de uma menina, começa por demonstrar irresolução ou falta de interesse; não vê nada ou rejeita o que viu, abranda a expressão dele ou procura expedientes para colocá-lo de acordo com suas expectativas. Somente mais tarde, quando possuído de alguma ameaça de castração, é que a observação se torna importante para ele; se então a relembra ou repete, ela desperta nele uma terrível tormenta de emoção e o força a acreditar na realidade da ameaça de que havia rido até então. Essa combinação de circunstâncias conduz a duas reações, capazes de se tornarem fixas e, se assim for, quer separada, quer juntamente, quer em conjunto com outros fatores, determinarão permanentemente as relações do menino com as mulheres: horror da criatura mutilada ou desprezo triunfante por ela. Esses desfechos, contudo, pertencem ao futuro, embora não muito remoto.

A menina se comporta diferentemente. Faz seu juízo e toma sua decisão num instante. Ela o viu, sabe que não o tem e quer tê-lo.

Aqui, aquilo que foi denominado de complexo de masculinidade das mulheres se ramifica. Pode colocar grandes dificuldades no caminho de seu desenvolvimento regular no sentido da feminilidade, se não puder ser superado suficientemente cedo. A esperança de algum dia obter um pênis, apesar de tudo, e assim tornar-se semelhante a um homem, pode persistir até uma idade incrivelmente tardia e transformar-se em motivo para ações estranhas e doutra maneira inexplicáveis. Ou, ainda, pode estabelecer-se um processo que eu gostaria de chamar de ‘rejeição’, processo que, na vida mental das crianças, não aparece incomum nem muito perigoso, mas em um adulto significaria o começo de uma psicose. Assim, uma menina pode recusar o fato de ser castrada, enrijecer-se na convicção de que realmente possui um pênis e subseqüentemente ser compelida a comportar-se como se fosse homem.

As conseqüências da inveja do pênis, na medida em que não é absorvida na formação reativa do complexo de masculinidade, são várias e de grande alcance. Uma mulher, após ter-se dado conta da ferida ao seu narcisismo, desenvolve como cicatriz um sentimento de inferioridade. Quando ultrapassou sua primeira tentativa de explicar sua falta de pênis como uma punição pessoal para si mesma, e compreendeu que esse caráter sexual é universal, ela começa a partilhar do desprezo sentido pelos homens por um sexo que é inferior em tão importante aspecto, e, pelo menos no sustentar dessa opinião, insiste em ser como um homem.

Mesmo após a inveja do pênis ter abandonado seu verdadeiro objeto, ela continua existindo: através de um fácil deslocamento, persiste no traço característico do ciúme. Naturalmente, o ciúme não se limita a um único sexo e tem um fundamento mais amplo, porém sou de opinião que ele desempenha um papel muito maior na vida mental das mulheres que na dos homens e isso se deve ao fato de ser enormemente reforçado por parte da inveja do pênis deslocada. Antes, quando ainda não estava ciente dessa fonte do ciúme e considerava a fantasia ‘uma criança é espancada’, que ocorre tão comumente em meninas, construí para ele uma primeira fase na qual seu significado consistia em que outra criança, uma rival de quem o indivíduo tinha ciúmes, deveria ser espancada. Essa fantasia parece constituir uma relíquia do período fálico nas meninas. A rigidez peculiar que tanto me impressionou na fórmula monótona ‘uma criança é espancada’ provavelmente pode ser interpretada de modo especial. A criança que está sendo espancada (ou acariciada) pode, em última análise, ser nada mais nada menos que o próprio clitóris, de maneira que, em seu nível mais inferior, a afirmação conterá uma confissão de masturbação, a qual permaneceu ligada ao conteúdo da fórmula desde seu início, na fase fálica, até a vida posterior.

Uma terceira conseqüência da inveja do pênis parece ser um afrouxamento da relação afetuosa da menina com seu objeto materno. A situação como um todo não é muito clara, contudo pode-se perceber que, no final, a mãe da menina, que a enviou ao mundo assim tão insuficientemente aparelhada, é quase sempre considerada responsável por sua falta de pênis. A forma pela qual isso historicamente ocorre consiste, com freqüência, no fato de que a menina, logo após ter descoberto que seus órgãos genitais são insatisfatórios, começa a demonstrar ciúmes de outra criança, baseando-se em que sua mãe gosta mais dessa criança do que dela, o que serve de razão para ela abandonar sua ligação com sua mãe. Isso então terá efeito, se a criança que foi preferida pela mãe se tornar o primeiro objeto da fantasia de espancamento que termina em masturbação.

Um outro surpreendente efeito da inveja do pênis, ou da descoberta da inferioridade do clitóris, existe e é, indubitavelmente, o mais importante de todos. No passado, amiúde formei a impressão de que, em geral, as mulheres toleram a masturbação de modo pior que os homens, de que mais freqüentemente lutam contra ela e são incapazes de usá-la em circunstâncias nas quais um homem se valeria dela como via de escape, sem qualquer hesitação. A experiência sem dúvida trará à tona inumeráveis exceções a essa afirmativa se tentarmos transformá-la em uma regra. As reações de indivíduos humanos de ambos os sexos naturalmente se constituem em traços masculinos e femininos. Não obstante, pareceu-me que a masturbação está mais afastada da natureza das mulheres que da dos homens e a solução do problema poderia ser auxiliada pela reflexão de que a masturbação, pelo menos do clitóris, é uma atividade masculina, e que a eliminação da sexualidade clitoridiana constitui precondição necessária para o desenvolvimento da feminilidade.Análises do período fálico remoto ensinaram-me hoje que nas meninas, logo após os primeiros sinais de inveja do pênis, manifesta-se uma intensa corrente de sentimento contra a masturbação, a qual não pode ser atribuída exclusivamente à influência educacional daqueles encarregados da criança. Esse impulso é claramente um precursor da onda de repressão que, na puberdade, extinguirá grande quantidade da sexualidade masculina da menina, a fim de dar espaço ao desenvolvimento de sua feminilidade. Pode acontecer que essa primeira oposição à atividade auto-erótica não logre atingir seu fim. E com efeito, esse foi o caso nos exemplos que analisei. O conflito continuou e na ocasião, como também mais tarde, a menina fez tudo quanto podia para se libertar da compulsão a masturbar-se. Muitas das manifestações posteriores da vida sexual das mulheres permanecem ininteligíveis, a menos que esse poderoso motivo seja reconhecido.

Não posso explicar a oposição que por esse modo é levantada pelas meninas à masturbação fálica, exceto supondo existir algum fator concorrente que faça a menina voltar-se violentamente contra essa atividade prazerosa. Esse fator está bem à mão. Não pode ser outra coisa senão seu sentimento narcísico de humilhação ligado à inveja do pênis, o lembrete de que, afinal de contas, esse é um ponto no qual ela não pode competir com os meninos, e que assim seria melhor para ela abandonar a idéia de fazê-lo. Seu reconhecimento da distinção anatômica entre os sexos força-a a afastar-se da masculinidade e da masturbação masculina, para novas linhas que conduzem ao desenvolvimento da feminilidade.

Até aqui não se cogitou do complexo de Édipo, nem até esse ponto desempenhou ele qualquer papel. Agora, porém, a libido da menina desliza para uma nova posição ao longo da linha — não há outra maneira de exprimi-lo — da equação ‘pênis-criança’. Ela abandona seu desejo de um pênis e coloca em seu lugar o desejo de um filho; com esse fim em vista, toma o pai como objeto de amor. A mãe se torna o objeto de seu ciúme. A menina transformou-se em uma pequena mulher. Se dou crédito a um único exemplo analítico, essa nova situação pode gerar sensações físicas que se teria de considerar como um despertar prematuro do aparelho genital feminino. Malogrando-se mais tarde e tendo de ser abandonada, a ligação da menina a seu pai pode ceder lugar a uma identificação com ele, e pode ser que assim a menina retorne a seu complexo de masculinidade e, talvez, permaneça fixada nele.

Agora já expus a essência do que tinha a dizer: portanto me detenho, e porei o olhar sobre nossos achados. Alcançamos determinada compreensão interna (insight) da pré-história do complexo de Édipo nas meninas. Nas meninas, o complexo de Édipo é uma formação secundária. As operações do complexo de castração o precedem e preparam. A respeito da relação existente entre os complexos de Édipo e de castração, existe um contraste fundamental entre os dois sexos. Enquanto, nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração. Essa contradição se esclarece se refletirmos que o complexo de castração sempre opera no sentido implícito em seu conteúdo: ele inibe e limita a masculinidade e incentiva a feminilidade. A diferença entre o desenvolvimento sexual dos indivíduos dos sexos masculino e feminino no estádio que estivemos considerando é uma conseqüência inteligível da distinção anatômica entre seus órgãos genitais e da situação psíquica aí envolvida; corresponde à diferença entre uma castração que foi executada e outra que simplesmente foi ameaçada. Em suas essências, portanto, nossos achados são evidentes em si mesmos e teria sido possível prevê-los.

O complexo de Édipo, contudo, é uma coisa tão importante que o modo por que o indivíduo nele se introduz e o abandona não pode deixar de ter seus efeitos. Nos meninos (como demonstrei amplamente no artigo a que acabo de me referir [1924d] e ao qual todas as minhas atuais observações estão estreitamente relacionadas), o complexo não é simplesmente reprimido; é literalmente feito em pedaços pelo choque da castração ameaçada. Suas catexias libidinais são abandonadas, dessexualizadas, e, em parte, sublimadas; seus objetos são incorporados ao ego, onde formam o núcleo do superego e fornecem a essa nova estrutura suas qualidades características. Em casos normais, ou melhor em casos ideais, o complexo de Édipo não existe mais, nem mesmo no inconsciente; o superego se tornou seu herdeiro. De vez que o pênis (para acompanhar Ferenczi [1924]) deve sua catexia narcísica extraordinariamente elevada à sua significação orgânica para a propagação da espécie, a catástrofe que ocorre no complexo de Édipo (o abandono do incesto e a instituição da consciência e da moralidade) pode ser considerada uma vitória da raça sobre o indivíduo. Isso constitui um ponto de vista interessante quando se considera que a neurose se baseia em uma luta do ego contra as exigências da função sexual. Entretanto, abandonar o ponto de vista da psicologia individual não é qualquer auxílio imediato no esclarecimento dessa complicada situação.

Nas meninas está faltando o motivo para a demolição do complexo de Édipo. A castração já teve seu efeito, que consistiu em forçar a criança à situação do complexo de Édipo. Assim, esse complexo foge ao destino que encontra nos meninos: ele pode ser lentamente abandonado ou lidado mediante a repressão, ou seus efeitos podem persistir com bastante ênfase na vida mental normal das mulheres. Não posso fugir à noção (embora hesite em lhe dar expressão) de que, para as mulheres, o nível daquilo que é eticamente normal, é diferente do que ele é nos homens. Seu superego nunca é tão inexorável, tão impessoal, tão independente de suas origens emocionais como exigimos que o seja nos homens. Os traços de caráter que críticos de todas as épocas erigiram contra as mulheres — que demonstram menor senso de justiça que os homens, que estão menos aptas a submeter-se às grandes exigências da vida, que são mais amiúde influenciadas em seus julgamentos por sentimentos de afeição ou hostilidade — todos eles seriam amplamente explicados pela modificação na formação de seu superego que acima inferimos. Não devemos nos permitir ser desviados de tais conclusões pelas negações dos feministas, que estão ansiosos por nos forçar a encarar os dois sexos como completamente iguais em posição e valor; mas, naturalmente, concordaremos de boa vontade que a maioria dos homens também está muito aquém do ideal masculino e que todos os indivíduos humanos, em resultado de sua disposição bissexual e da herança cruzada, combinam em si características tanto masculinas quanto femininas, de maneira que a masculinidade e a feminilidade puras permanecem sendo construções teóricas de conteúdo incerto.

Estou inclinado a atribuir algum valor às considerações que apresentei sobre as conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. Estou ciente, contudo, de que essa opinião só pode ser sustentada se meus achados, que se baseiam em um bocado de casos, demonstrarem possuir validade geral e serem típicos. Se não, eles permanecerão não mais que uma contribuição ao nosso conhecimento dos diferentes caminhos pelos quais a vida sexual se desenvolve.

Nos valiosos e abrangentes estudos sobre os complexos de masculinidade e castração nas mulheres, da autoria de Abraham (1921), Horney (1923) e Helene Deutsch (1925), existe muita coisa que toca de perto naquilo que escrevi, nada, contudo, que coincida com ele completamente; de modo que, mais uma vez, me sinto justificado em publicar este trabalho.

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