23.1 C
Sorocaba
terça-feira, abril 16, 2024

Histórias e Sonhos – Lima Barreto

Histórias e Sonhos – Lima Barreto

A sombra do Romariz é uma pequena alfinetada no hábitos políticos do tempo. Nela um tipógrafo explica que não trabalha à noite porque se lembra de um revisor chamado Romariz que morreu quando, em 1890, empastelaram um jornal monarquista no qual trabalhava, deixando a família do pobre na miséria. Carta de um Defunto Rico é a carta escrita pelo defunto José Boaventura da Silva dizendo o quão feliz ele está por estar livre da sociedade e de suas pressões. Fala um pouco de como os homens lidam com a morte: “enterros… são feitos por vivos para os vivos.” Como o “Homem” Chegou é uma crítica a burocracia. Numa delegacia do interior um delegado manda um louco em um carro blindado. Mas o médico que vai com ele é tão “intelectual” que ao cabo de uma viagem de dois anos, com total falta de cuidado com o louco e um excesso de preocupação técnica, o paciente chega morto. Eficiência Militar é uma “historieta chinesa” onde o vice-rei do Cantão gasta muito para equipar seu exército às custas do povo trabalhador chinês. Fim de um Sonho é um cavalheiro contando a efemeridade do luxo, já que ele tinha ricos amigos e passava noites luxuosas até que o clube onde jogava fechou e um de seus amigos foi preso. Foi buscar Lã… O autor começa retratando o Praxedes, advogado nortista, que finge ter muito dinheiro e faz uma ostentação exagerada. Em seguida acontece um crime e o negro “Casaca”, empregado da vítima, é preso como suspeito. Praxedes vai defende-lo, embora nunca defenda causas criminais. A vítima, que havia ficado em estado de choque, recuperada, entra e revela que o verdadeiro criminoso é o próprio Praxedes. Lourenço o Magnífico é um novo-rico que lucrou com a guerra. Gasta grandes somas com a esposa e com obras de arte e tem um solene desprezo pelo pobre. Manel Capineiro é habitante de uma favela que Lima Barreto descreve. Manel sobrevive colhendo capim e entregando-o com seus dois bois. Português, Manel é um português que gosta da terra e dos animais. Um trem mata os dois. Lima Barreto faz uma análise dessa população carente do Rio de Janeiro. Milagre de Natal é uma apresentação de temas de Lima Barreto: o casamento por interesse; a burocracia inepta; a mania brasileira de aristocracia. Nele a filha de um burocrata casa com agregado do pai que é promovido no Natal, logo após anunciar que escreveria um livro sobre Direito Administrativo. Miss Edith e Seu Tio São um casal inglês que chega a uma pensão do Rio e mantém-se arrogantemente, distantes. Todos na pensão sentem aquela suposta superioridade, não só física mas intelectual e moral. No final, uma das empregadas flagra Edith saindo do quarto do “tio”. O cemitério é o relato de um homem passa por um cemitério e observando as lápides, comparando-as à sociedade. Em seguida, observa um túmulo de uma mulher e põe-se a imaginar como ela era viva, chegando sentir luxúria pela morta. O falso D. Henrique V é uma crítica à história do Brasil. Conta os fatos que cercaram a proclamação da República da Bruzundanga (ver Os Bruzundangas toda a corrupção que se seguiu e da revolta popular que restabeleceu ao trono o herdeiro do rei, o jovem D. Henrique. Com o detalhe que o verdadeiro estava morto há anos. Mas este D. Henrique governa e, já velho, proclama ele mesmo a República. O Filho da Gabriela ficou órfão aos seis anos. Gabriela era empregada numa casa onde o casal sem filhos vivia hipocritamente em matrimônio. Batizado de Horácio, ficou morando com os padrinhos (os patrões mãe) e cresceu quieto. E assim passaram os anos, com Horácio sempre quieto. Aos poucos vai se afastando do padrinho que não gosta dele. Quando acaba o conto, está febril na cama. O Homem que sabia Javanês não o sabia realmente. O conto é um relato de um amigo a outro sobre uma das espertezas que usou para sobreviver: fingir saber javanês e ensiná-lo. Logo aprendeu o alfabeto e meia dúzia de palavras e pôs-se a ensinar o velho que o contratou; logo já “lia” em javanês para o velho (que desistira de aprender) e publicava sobre Java. Foi nomeado cônsul e representou o Brasil em uma reunião de sábios; deu palestras e publicou pelo mundo sobre Java. No final do conto ainda estava em cargos consulares por “saber” javanês.O Jornalista Nabor de Azevedo é o instrumento de um tema importante de Lima Barreto: a imprensa maléfica de sua época. Nabor vive em uma cidade pequena e, em sal ganância e vaidade, cria uma notícia: põe fogo numa casa. Tudo para vencer o concorrente. Mas tudo fica tão óbvio que ele é pego. O meu Carnaval é Valentim descrevendo como, após se “voluntariar” para a para a Guarda Nacional e “doar” o dinheiro para a caixa do regimento, passa o Carnaval servindo seu corrupto oficial e acaba preso por guardas que não acreditam que ele realmente faz parte da Guarda. O Número da Sepultura de sua avó foi o que Zilda escolheu para jogar no bicho. Zilda é uma jovem dona de casa suburbana num casamento monótono com Augusto. Sua avó lhe diz em sonho para jogar no número de sua sepultura, 1724, e ela joga no bicho e ganha. Augusto fica feliz e há festa, mas no mês seguinte é ele que paga o aluguel. Aqui aparece de novo a versão de Lima Barreto do casamento: quase um contrato entre duas pessoas, feito de curiosidade e conveniência ao invés de amor. O pecado é uma crítica ao preconceito racial: São Pedro examina uma alma e vê um digno de sentar-se a direita do trono por toda eternidade, mas como o escriturário nota, é a alma de um negro e deve ir ao Purgatório… O Tal Negócio de “Prestações” Arruina José. Após ganhar no jogo do bicho ele distribui dinheiro para a esposa e as filhas, que se endividam com prestações para futilidade com que acaba tendo de arcar. O Único Assassinato de Cazuza foi um tanto banal: ele matou um pinto quando tinha sete anos. Mas o que transparece no conto é o valor que o autor dá à vida e ao horror que ele tem de tirá-la. Dá também alfinetadas nos assassinatos políticos, comuns na época. Quando ela deu o sim, Mas… é a crítica de Lima Barreto aos aproveitadores de seu tempo. nele João Cazu, um malandro jogador de futebol (esporte que Lima Barreto desprezava), tenta se aproveitar de Ermelinda, viúva com quem quer casar apenas para ter uma empregada. Ela aceita, mas antes diz que ele tem que arranjar emprego, etc. e ele sai e não mais volta. Três Gênios de Secretaria é uma pequena crítica de Lima Barreto aos três tipos de burocrata: o honesto e insípido, o desonesto e simpático e o pior: o ameba, inútil, vazio, metido a literato, parasita da sociedade e produto típico de uma burguesia tola e falsa. É importante notar que este conto é “escrito por Augusto Machado”, o mesmo autor ficcional de Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá. Um e outro é sobre Lola, uma espanhola que emigrou pobre para o Brasil, abandonou o esposo e tronou-se amante de luxo do homem que fora seu patrão. Mas apesar de todos os seus amantes ricos e poderosos, gosta mesmo é do rude chofer que dirige o carro luxuoso em que passeia. Quando vai ao encontro dele, após um hiato de uma semana, este revela que deixou de dirigir o carro de luxo para dirigir um táxi. Ela imediatamente perde a atração que sentia em relação a ele, muito interligada ao carro que ele dirigia. Então ela deita-se com ele, repugnada, pela última vez. Um Especialista é o diálogo de dois abastados portugueses de meia-idade sobre mulheres. Um deles prefere as brancas estrangeiras, o outro as mulatas e negras. Este último vai relatando sobre uma que conheceu nos últimos dias, muito bonita, que ao final da história é mostrada como sendo sua filha. Um que Vendeu a Alma o fez por pouco: 20$000. Nesta anedota Lima Barreto critica o pouco valor que tem os homens (o cara se vende por uma ninharia) e a capacidade do ser humano de entregar o que lhe há de mais pessoal. A Nova Califórnia é uma crítica a ganância. Nele, um químico misterioso aparece na cidade de Tubiacanga. Anos depois de sua chegada, faz uma experiência na qual transforma ossos humanos em ouro. Ele convida três testemunhas (o farmacêutico, um fazendeiro e o coletor) para o ato , o realiza e depois desaparece da cidade. Então, os túmulos do cemitério da cidade, o “Sossego”, começam a ser violados. Quando depois de um escândalo prendem dois violadores, eles mostram ser duas das testemunhas. O fujão é o farmacêutico. Quando a população descobre, vai até a casa do farmacêutico que promete divulgar a fórmula do dia seguinte. Assim, naquela madrugada a população inteira se esgueira para o cemitério para violar tantos túmulos quanto puderem (e ter tanto ouro quanto puderem depois). O que acontece é uma carnificina que deixa no cemitério em uma noite mais mortos que em seus 30 anos anteriores. O único que não se mete na confusão é um bêbado da cidade, que calmamente sobra na cidade-fantasma.

Outros trabalhos relacionados

QUASE MEMÓRIAS, QUASE ROMANCE – CARLOS HEITOR CONY

Quase Memórias, Quase Romance - Carlos Heitor Cony Uma tarde, o jornalista Carlos Heitor Cony recebe inesperadamente um envelope. Reparando bem, identifica no sobrescrito a...

A NORMALISTA – Adolfo Caminha

A NORMALISTA - Adolfo Caminha Logo no primeiro capítulo, o leitor precisa da ajuda do dicionário para saber o que é um “amanuense”, ou...

QUARUP – ANTÔNIO CALADO

Quarup - Antônio Calado Publicado em 1967, é o mais famoso volume de Antônio Callado. Guarda o clima de sua época e reconstrói a história...

RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA – LIMA BARRETO

Recordações do Escrivão Isaías Caminha - Lima Barreto O primeiro romance de Lima Barreto é uma forte crítica à sociedade hipócrita e preconceituosa e a...