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quarta-feira, abril 24, 2024

NEUROPLASTICIDADE

Autor: Glauber Carlos Liberato

“Existem evidências anatômicas e funcionais de que a plasticidade é potencializada pela atividade assim como por manipulação.”

Raineteau e colaboradores (2001).

1. Introdução

A Plasticidade cerebral consiste na capacidade adaptativa SNC – sua habilidade em modificar a organização estrutural própria e seu funcionamento, desde as respostas às lesões traumáticas destrutivas, e até as sutis alterações resultantes dos processos de aprendizagem e memória.

Este fato é melhor compreendido através do conhecimento do neurônio, da natureza das suas conexões sinápticas e da organização das áreas cerebrais. A cada nova experiência do indivíduo, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis.

Para os profissionais da área fisioterápica, a idéia de neuroplasticidade é de grande valia, pois constitui um avanço fantástico no processo de reabilitação. Esse processo depende da reorganização de circuitos que foram seccionados pela lesão. A plasticidade sináptica proporciona formação de novos circuitos em brotamentos colaterais que são estruturas importantes para o processo de recuperação. Enfim, existem evidências anatômicas e funcionais de que a plasticidade é potencializada pela atividade assim como por manipulação (RAINETEAU em Plasticity of Motor Systems After Incomplete Spinal Cord Injury, 2001).

2. Grau de Neuroplasticidade

Existem alguns fatores que determinam o grau de neuroplasticidade, que varia com a idade do indivíduo, local, tempo da lesão e a natureza da mesma, esses repercutem diretamente no potencial de recuperação funcional após o acometimento neural.

É durante o desenvolvimento ontogenético que o sistema nervoso é mais plástico, principalmente na fase denominada de período crítico, em que é mais suscetível a transformações. Este tipo de período crítico dura algumas horas. Modificações plásticas não são privilégios de animais jovens ou imaturos e podem ocorrer também em indivíduos adultos.

Segundo relatos encontrados na literatura a recuperação das funções perdidas em uma lesão cerebral se dá por partes adjacentes de tecido nervoso que não foram lesadas, e o efeito da lesão dependeria mais da quantidade de tecido poupado do que da localização da lesão; pela alteração qualitativa da função de uma via nervosa íntegra controlando uma função que antes não era sua; através de estratégias motoras diferentes para realizar uma atividade que esteja perdida.

A recuperação da lesão passa por processos diferenciados que variam desde a existência de vias motoras latentes em várias áreas do córtex ou no hemisfério contralateral que podem ser ativadas para assumir a função do tecido lesado até o fato da função ser totalmente substituída pelo hemisfério remanescente.

3. Plasticidade Regenerativa – SNC x SNP

A plasticidade regenerativa consiste no recrescimento de axônios lesados. Sem dúvida alguma a ocorrência da reparação neural é vigente no sistema nervoso periférico (SNP) porque a produção do fator de crescimento neural (nerve growth factor) contribui significativamente para a recuperação desses neurônios. A regeneração neural e denominada brotamento, (Sprouting) e pode acontecer de duas formas: Colateral e regenerativa, que é a reinervação por ramificação de neurônios intactos ou o axônio acometido emite brotamentos laterais para novos alvos respectivamente. No sistema nervoso central (SNC) entretanto, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de regeneração tem se constituído em um imenso desafio para a neurobiologia. Ao contrário do SNP, as reações regenerativas do SNC são burladas em parte por falta de NGF, da inibição do crescimento pelos oligodentrócitos e pela interferência da atividade de limpeza da microglia. Contudo a regeneração do SNP pode causar movimentos não desejados chamados sincinesias.

4. Santiago Ramón y Cajal – Crescimento axonal

O espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), ao observar um pequeno crescimento axônico, subseqüente à lesão medular, supôs, pelo aspecto encontrado na histologia, que o crescimento axonal seria bloqueado por algum fator desconhecido. E ele tinha razão, hoje sabemos de fato, que alguma coisa existe dentro do SNC que inibe o crescimento axonal.

5. Hubel e Wiesel – Período crítico

Os trabalhos de Hubel e Wiesel, foram de grande importância e avanço para a neurplasticidade, na década de 50, estudando a via visual em uma série de experimentos, eles mostraram que no início da vida axonal existe um período crítico no qual as conexões neurais presentes ao nascimento podem ser perdidas ou modificadas pela deprivação visual. No macaco, a oclusão de um olho por poucos dias, durante as primeiras semanas após o nascimento, causa mudanças importantes e permanentes no córtex visual. A susceptibilidade dos animais a estas mudanças diminui com a idade, de modo que os primatas ficam resistentes aos efeitos da vedação da pálpebra entre 6 e 12 meses após o nascimento. Em gatos, a oclusão de um olho ocasiona conexões anormais, se e apenas se, a privação for feita aos 3-4 meses de vida e a estimulação sensorial normal, após remoção da oclusão, não corrige as anormalidades desenvolvidas no período de déficit.

6. Alberto Aguayo – Nervo óptico

Trabalhando na Universidade de Montreal no Canadá durante a década de 80, o neurocientista uruguaio Albert Aguayo demonstrou que o nervo óptico podia se regenerar se o crescimento do axônio acontecesse de maneira orientada, dentro de um tubo e fora do crânio. Assim ele estabeleceu esta conexão utilizando o nervo ciático do mesmo animal, o qual servia como “ponte” entre o corpo celular dos neurônios da retina.

Destes experimentos ele tirou duas conclusões importantes:

os axônios centrais são capazes de regenerar desde que estejam em contato com o micro-ambiente do SNP;
O micro-ambiente do SNC não favorece o crescimento regenerativo dos axônios centrais, que se interrompe imediatamente, logo que saem do SNP e entram no SNC.
Estes experimentos pioneiros levaram à busca de moléculas inibitórias do crescimento de axônios lesados no SNC. Verificou-se que ocorre intensa cromatólise dos neurônios axotomizados, seguida de degeneração e morte celular.

Os prolongamentos distais dos axônios lesados, assim como sua mielina, tornam-se tortuosos e fragmentados. Estudos em cultura de células mostraram que no SNC, além de não haver produção de substâncias que promovem o crescimento, como acontece no SNP, há produção de substâncias inibidoras do crescimento axonal, que são conhecidas como NI-35 e NI-250 (neurite inhibitory, 35 e 250 kDa), os astrócitos (células gliais), sintetizam proteoglicanos (glicoproteínas) com ação anti-regenerativa e ocorre intensa proliferação e concentração glial nas imediações da lesão, que forma uma verdadeira cicatriz, constituindo-se em uma barreira mecânica ao crescimento do axônio em regeneração. Sob o efeito limitante de todos estes fatores, os cones de crescimento que se formam nos cotos proximais dos axônios centrais lesados não são capazes de crescer em direção ao seu alvo.

7. Conclusão

Conclui-se que através da neuroplasticidade e intervenção cinesioterápica que o paciente experimenta os fenômenos da recuperação após lesão cerebral, possui um SNC anormal ou atípico, não só em termos das disfunções alteradas ou perdidas, mas também em termos de conexões sinápticas, circuitos e vias destruídas ou modificadas, devido à reorganização por que passa o SNC. Esta reorganização é também responsável pelas modificações que são observadas clinicamente no sistema neuromuscular dos pacientes. A reabilitação do cérebro lesado pode promover reconexão de circuitos neuronais lesados,. quando há uma pequena perda de conectividade, tende a uma recuperação autônoma, enquanto uma grande perda terá perda permanente da função. Também existem lesões potencialmente recuperáveis, mas que para tanto necessitam de objetivos terapêuticos precisos, mantendo níveis adequados de estímulos facilitadores e inibidores. O conhecimento dos mecanismos celulares e funcionais dos fenômenos da plasticidade tanto no SNC como no SNP, contribui para o esclarecimento das causas dos desequilíbrios cinesiopatológicos, no diagnóstico das perdas da independência funcional dos pacientes que é objetivo fundamental da avaliação fisioterápica. Contudo os estudos atuais estão comprovando que a atuação da fisioterapia, através de estímulos aos padrões normais de movimento e inibição dos padrões anormais, provoca um aumento e aceleração no processo de recuperação funcional cerebral, dessa forma com ajuda mútua paciente/regeneração/estímulo conseguimos gradativamente a melhora funcional.

8. Referências Bibliografias

1. BEAR, Mark F, et all. Neurociências – Desvendando o Sistema Nervoso. 2º ed., São Paulo: Artmed Editora S.A., 2002.

2. COOK, Anne Shunway, et all. Base fisiológica do aprendizado motor e da recuperação da função. 2º ed, São Paulo: mande, 2000.

3. EKMAN, Laurie Lundy. Neurociência – Fundamentos para reabilitação. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

4. LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: Conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001.

5. STOKES, M.; Neurologia para fisioterapeutas, São Paulo Premier, 2000.

6. SULLIVAN, Susan B.; SCHMITZ, Thomas J. Fisioterapia – Avaliação e tratamento. 4ª ed., São Paulo: Manole Ltda, 2004.

7. UMPRED, Darcy A. Reabilitação neurológica. 4ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2004.

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