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quarta-feira, abril 24, 2024

POESIAS DE GUILHERME DE ALMEIDA

Poesias de Guilherme de Almeida

Canção do Expedicionário –

Letra: Guilherme de Almeida – Música: Spartaco Rossi

Você sabe de onde eu venho ?
Venho do morro, do Engenho,
Das selvas, dos cafezais,
Da boa terra do coco,
Da choupana onde um é pouco,
Dois é bom, três é demais,
Venho das praias sedosas,
Das montanhas alterosas,
Dos pampas, do seringal,
Das margens crespas dos rios,
Dos verdes mares bravios
Da minha terra natal.

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Eu venho da minha terra,
Da casa branca da serra
E do luar do meu sertão;
Venho da minha Maria
Cujo nome principia
Na palma da minha mão,
Braços mornos de Moema,
Lábios de mel de Iracema
Estendidos para mim.
Ó minha terra querida
Da Senhora Aparecida
E do Senhor do Bonfim!

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Você sabe de onde eu venho ?
E de uma Pátria que eu tenho
No bôjo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.
Deixei lá atrás meu terreno,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacaranda,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina,
Onde canta o sabiá.

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Venho do além desse monte
Que ainda azula o horizonte,
Onde o nosso amor nasceu;
Do rancho que tinha ao lado
Um coqueiro que, coitado,
De saudade já morreu.
Venho do verde mais belo,
Do mais dourado amarelo,
Do azul mais cheio de luz,
Cheio de estrelas prateadas
Que se ajoelham deslumbradas,
Fazendo o sinal da Cruz !

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse “V” que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Essa que eu hei de Amar

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia

Será tão loura e clara , e vagarosa e bela

Que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela

Trazer luz e calor a esta alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia

Da vida há de acordar no coração , que vela…

E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela

Como sombra feliz – Tudo isso eu me dizia

Quando alguém me chamou . Olhei :um vulto louro

E claro , e vagaroso, e belo, na luz de ouro

Do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe. “Eu passei a teu lado,

Mas ias tão perdido em teu sonho dourado,

Meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”

Música Eterna

“Uma bigorna canta.
É o órgão que acompanha a missa do trabalho…
Chispa em brasa o metal…Tomba e retomba o malho…
Dos homens feitos de aço um clamor se levanta…
Da poeira do carvão da negra usina em chama,
o canto do progresso apaga a voz que clama,
matando-a na garganta!”

Rua

A rua mastiga
os homens: mandíbulas
de asfalto, argamassa,
cimento, pedra e aço.

A rua deglute
os homens: e nutre
com eles seu sôfrego,
onívoro esôfago.

A rua digere
os homens: mistério
dos seus subterrâneos
com cabos e canos.

A rua dejecta
os homens: o poeta,
o agiota, o larápio,
o bêbado e o sábio.

Rondó do Muito Triste

Da triste vida que eu vivo
o menos triste é a tristeza.
Muito mais triste é a incerteza,
essa falta de motivo
para viver como eu vivo
só de surpresa em surpresa,
cada vez mais sendo presa
das coisas de que me privo
e sujeito, embora esquivo,
às ordens da natureza:
causadora, com certeza,
desse gosto negativo
da triste vida que eu vivo.

A Hóspede

Não precisa bater quando chegares.
Toma a chave de ferro que encontrares
sobre o pilar, ao lado da cancela,
e abre com ela
a porta baixa, antiga e silenciosa.
Entra. Aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
o cântaro de barro e o pão de trigo.
O cão amigo
pousará nos teus joelhos a cabeça.
Deixa que a noite, vagarosa, desça.
Cheiram a relva e sol, na arca e nos quartos,
os linhos fartos,
e cheira a lar o azeite da candeia.
Dorme. Sonha. Desperta. Da colméia
nasce a manhã de mel contra a janela.
Fecha a cancela
e vai. Há sol nos frutos dos pomares.
Não olhes para trás quando tomares
o caminho sonâmbulo que desce.
Caminha – e esquece.

Segunda Canção do Peregrino

Vencido, exausto, quase morto,
cortei um galho do teu horto
e dele fiz o meu bordão.

Foi minha vista e foi meu tacto:
constantemente foi o pacto
que fez comigo a escuridão.

Pois nem fantasmas, nem torrentes,
nem salteadores, nem serpentes
prevaleceram no meu chão.

Somente os homens, que me viam
passar sozinho, riam, riam,
riam, não sei por que razão.

Mas, certa vez, parei um pouco,
e ouvi gritar:-“Aí vem o louco
que leva uma árvore na mão!”

E, erguendo o olhar, vi folhas, flores,
pássaros, frutos, luzes, cores…
-Tinha florido o meu bordão.

O Manto Cor do Tempo

Eis que venho de longe e sou tão pobre!
Não acreditas que eu apenas tenha
o manto cor do tempo, que me cobre.

É um trapo. Mas nas dobras da estamenha,
que andou de sol a sol, de lua a lua,
É bem possível que comigo venha,

preso aos ásperos fiapos de lã crua,
um pouco de que é o mundo e do que é a vida:
-laivos de céu azul; poeira da rua;

restos de arco-íris; pétala caída;
penugem que escapou à fuga alada
e alta das estações; fímbria perdida

do véu de noiva de uma estrela aluada;
farrapos de neblina e de folhagem;
migalhas de sol-posto e de alvorada;

sobras levianas de libertinagem
do luar…-Venho de longe e sou tão pobre!

Mas trago a eternidade na miragem
do manto cor do tempo, que me cobre.

A Lição

Pelos remendos do meu manto pobre,
pela moeda de cobre,
pela côdea de pão,

conhecerás o mundo que não cabe
nos livros, e não sabe
sair do coração.

Nos remendos terás um mapa-múndi:
a carta que nos funde,
que do homem faz o irmão;

o cobre há de dizer, mais que a palavra,
que o bem não se azinhavra
se vai de mão em mão;

a côdea mostrará que a crosta dura
da terra é uma fartura
para os que têm e dão.

Pelos remendos do meu manto pobre,
pela moeda de cobre,
pela côdea de pão,

conhecerás o mundo que não cabe
nos livros, e não sabe
sair do coração.

Guilherme de Almeida teve publicados vinte e dois livros de poesia, seis livros de prosa e dois conjuntos de obras e antologia, um deles com seis volumes. Traduziu quatro livros, três dos quais, do francês e um deles do grego.
Segundo seus biógrafos, ele não se preocupou em publicar um livro de crônicas, que são milhares, em quarenta anos de atividade jornalística.
Mas vamos a, apenas, uma delas:

Creio

Para que ninguém me julgue, como eu me julgo, um cético…
do grego “skeptikós”, que significava aquele que costuma examinar e refletir, e que, paradoxalmente, passou a significar aquele que de tudo duvida…resolvi revelar o meu “Credo”íntimo, que é o seguinte:

Creio em mim mesmo, só pelo gosto de contrariar um pouco os meus credores;

creio no meu sense of humour, sem o qual eu jamais seria capaz de me ver de cuecas ao espelho e, principalmente, de votar em eleições;

creio nos meus inimigos íntimos, fatores máximos de minha popularidade; e nos meus amigos figadais, fatores mínimos das minhas indiscrições;

creio na imortalidade (apesar da tenaz negativa sustentada pelas Academias) da alma;

creio no meu coração de ouro, o qual, entretanto, nunca conseguiu uma avaliação decente no guichê do Monte Socorro;

creio no meu bom e fiel uísque escocês, que justifica, até certo ponto, a existência do meu fígado, do meu médico e do meu fornecedor;

creio no Bem e no Mal, na Verdade e na Mentira, no Belo e no Feio, no Triste e no Alegre, enfim, em todos os antônimos, porque acredito no meu alfaiate e no direito e avesso das lãs que ele corta e cose;

creio nos meus sonhos, que já têm feito muita gente boa acertar no “bicho” e nem sequer me dizer “Muito Obrigado!”;

creio na minha perfeita insensatez, que os homens sensatos tentam em vão arremedar;

creio no meu indiscutível bom-gosto: única virtude que reconhecem em mim algumas mulheres que admiro;

e creio, afinal, inabalavelmente creio neste meu incrível cinismo de acreditar ainda em alguma coisa neste mundo destes tempos entre estes homens.

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