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sábado, março 16, 2024

USUCAPIÃO

SENTENÇA

Usucapião Extraordinário

EMENTA – AÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, REJEITADA. SOMA DAS POSSES. POSSE VINTENÁRIA. POSSE EXERCIDA COM “ANIMUS DOMINI”. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. A aquisição da propriedade através do usucapião extraordinário é presumida, em que a lei dispensa a prova da posse por justo título e boa fé.

2. Prova testemunhal coligida aos autos, demonstrando, inequivocamente que o autor preenche os requisitos legais para aquisição da posse, através do usucapião extraordinário.

3. Havendo períodos de posse, somam-se para efeito prescricional, como também, é pacífico o entendimento pelo qual, a posse derivada de promessa de compra e venda de imóvel é transmitida ao promissário comprador como posse ad usucapionem.

4. Comprovadamente atendidos os requisitos do Art. 550 do Código Civil impõe-se o reconhecimento judicial do Instituto para todos os fins legais. Procedência do pedido.

JOSÉ, já qualificado nos autos deste processo, ajuizou a presente ação de Usucapião Extraordinário em face de ANTÔNIO & EUCLIDES, também qualificados, alegando, em síntese, ser possuidor de boa fé e com animus domini do imóvel situado no loteamento XXX, Rua XXX (lotes X, X e X, Quadra D), tendo iniciado a sua posse sobre o imóvel em 05 de abril de 1986. Pretende somar à sua a posse de Pedro, legítimo possuidor do imóvel desde 1978, perfazendo, assim, lapso temporal superior a vinte anos.

Foram citados os confinantes, e, por não serem encontrados em local determinado, deu-se a citação por edital dos réus, em cujo nome o imóvel encontra-se transcrito, e dos demais interessados incertos e desconhecidos (fls. 21/23).

ANTÔNIO & EUCLIDES, apresentaram sua contestação aduzindo preliminarmente: a inépcia da inicial pela impossibilidade jurídica do pedido (fls. 29/31).

No Mérito, alegam que o Sr. Pedro, em decorrência da existência de contrato de promessa de compra e venda celebrado com os réus, é o proprietário do imóvel e não mero possuidor manso e pacifico como alegado pelo autor.

SEVERINA, contestou a exordial alegando também preliminarmente a inépcia da inicial, por ser o pedido juridicamente impossível em decorrência de o autor ter o conhecimento de que o imóvel em questão é de propriedade do Sr. Pedro, adquirido dos Drs. Euclides e Antônio, através de um instrumento particular de promessa de compra e venda, e conseqüentemente a extinção do processo sem julgamento do mérito com base no art. 267 CPC (fls. 39/42).

No mérito argüiu a contestante, que o autor conhecia os verdadeiros proprietários do imóvel, e que o terreno não estava abandonado, pois o Sr. Pedro, nunca foi um invasor do terreno, e sim um promitente comprador, conforme o instrumento de promessa de compra e venda anexado aos autos. Pede a improcedência da ação, condenando o autor por litigância de má fé.

Em audiência preliminar, não fora obtida a conciliação. O procurador do Município de Olinda e o Advogado de Euclides e Antônio, pediram a exclusão do processo por falta de interesse na lide. O Ministério Público mostrara-se favorável. Foi acolhido o pedido, tendo sido determinado a exclusão da Fazenda Pública Municipal e dos réus Euclides e Antônio. Rejeitado a preliminar argüida. O pedido é juridicamente possível tendo em vista que o autor pretende adquirir o domínio do imóvel. Foi estabelecido o prazo para a ré Severina provar em cinco dias que o bem usucapiendo pertence ao espólio de Pedro e que ela é inventariante (fls 80 e 81).

Na audiência de instrução e julgamento, as testemunhas inquiridas afirmam que o autor está na posse do imóvel há 16 anos e que não houve qualquer tipo de interrupção. O Ministério Público nada requereu nem perguntou (fls. 97 e 98).

O autor nas suas alegações finais, afirma que o instrumento de promessa de compra e venda trazido pela ré ao processo está eivado de vícios capazes de provocar a nulidade do respectivo documento. Alega ainda que a ré não fez prova da sua qualidade de representante processual do espólio de Pedro neste processo, tendo em vista que os documentos apresentados são omissos quanto ao bem usucapiendo (fls. 100/103).

Nas alegações finais a ré tece criticas ao estado de pobreza do autor, em seguida pede a improcedência da ação face ao autor não preencher os requisitos exigidos pelo art.550 e seguintes do CC, uma vez que em nenhum instante possui o imóvel como seu, sabendo quem eram seus reais proprietários e prometido comprador (fls. 104/107).

O Ministério Público opina no sentido da improcedência do pedido do autor, entendendo que os requisitos para o Usucapião extraordinário previsto no art. 550 do CC, não foram preenchidos, pois o lapso temporal de permanência do autor na propriedade não atingiu os 20 anos, e que a posse dos seus antecessores com base no contrato de locação demonstra que o imóvel encontrava-se alugado no período de 1980 e 1981. Afirma também que a posse do autor não estava sendo exercida sem oposição uma vez que o bem imóvel pertence ao espólio de Pedro, (ação de Inventário nº 001.1998.004738-3), tendo como inventariante a Sra. Severina (fls. 116/118).

É O RELATÓRIO. DECIDO.

A Constituição da República em seu artigo 5º, inciso XXII, garante o direito de propriedade, mas no inciso seguinte, o XXIII diz que “a propriedade atenderá a sua função social”. Assim, é lícito interpretar que, nos termos de nossa Carta Magna, o direito de posse e propriedade existem e devem ser garantidos e protegidos. Contudo, a posse e a propriedade somente serão merecedores de proteção e garantia quando atendida a sua função social. O uso do solo submete-se aos princípios gerais disciplinadores da função social da propriedade, evidenciando a defesa do meio ambiente e do bem estar comum da sociedade.

O instituto ora analisado funda-se na consolidação da propriedade, pois qualifica uma situação de fato, revestindo-lhe de caráter jurídico. Deste modo, contribui o legislador para a paz social e diminui o ônus da prova do domínio para o proprietário (para provar o domínio o titular deve provar não só sua aquisição, como a de seus antecessores; mas, devido a esse instituto, ao titular possibilita-se a prova do domínio pela efetivação do prazo da prescrição aquisitiva, para o que pode o titular unir sua posse às posses de seus antecessores até completar-se o prazo).

Da preliminar

Da possibilidade Jurídica do pedido

Ao se analisar os presentes autos constata-se o preenchimento desta condição. O pedido é juridicamente possível, vez que não se encontra no ordenamento jurídico vedação expressa à possibilidade de alguém vir a juízo com o objetivo de ver declarada, por sentença, uma situação jurídica. Ademais, o autor deixa claro desde o início da demanda que possui o imóvel com animus domini

Rejeitada, então, a preliminar argüida, passo agora à análise da matéria de mérito controvertida.

Do Mérito

Configuração do usucapião extraordinário.

Conforme dispõe o art. 550 do CC:

“Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independente de título e boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no Registro de Imóveis.”

Comentando o dispositivo em apreço, Orlando Gomes enfatiza:

“No usucapião extraordinário, a boa fé e o justo título presumem-se. Aquele que, por vinte anos, se a coisa for imóvel, e por cinco anos, se móvel, possuí-la como sua, sem interrupção nem oposição, adquirir-lhe-á o domínio, independente de título e boa-fé” (Direitos Reais. 12. ed., Rio de Janeiro: Forense).

Analisando o dispositivo legal citado, Maria Helena Diniz conclui:

“Apesar de a lei reclamar a continuidade de posse, admite a sucessão dentro dela, uma vez que o possuidor poderá, para o fim de contar o tempo exigido para o usucapião, acrescentar à sua posse a do seu antecessor, contanto que ambas sejam uniformes quanto ao objeto, que não tenham sido interrompidas natural ou civilmente, que sejam pacíficas e, finalmente, que nem a posse do transmitente nem a do adquirente sejam viciosas, isto é, violentas, clandestinas ou precárias. Trata-se do princípio da accessio possessionis” (Código Civil Anotado. 1. ed., São Paulo: Saraiva).

Aproveitamento do tempo de posse dos antecessores

Há provas nestes autos de que o requerente, licitamente e com fundamento no art. 552 do Código Civil, somou o tempo da posse de seus antecessores, Pedro, João e José Maria à sua, perfazendo, assim, um total de mais de 20 anos ininterruptos. Comprovada também está a presença constante do animus domini (intenção de exercer em nome próprio o direito de propriedade) na posse do ora requerente.

Neste sentido, precisas são as palavras do DES. ANTONIO DE PÁDUA LIMA MONTENEGRO do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba:

“Procede a ação de usucapião extraordinário, quando resulta demonstrado que a posse vintenária, exercida com “animus domini” pelo usucapiente, resultou de acréscimo das posses contínuas e pacíficas de seus antecessores (TJ-PB, 1998, APELAÇÃO CÍVEL, 1ª CAMARA CÍVEL).”

A promessa de compra e venda gera posse ad usucapionem

A aquisição de propriedade imóvel ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 530, inc. I, CC/1916; art. 1245, CC/2002). Portanto, enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (arts. 533 e 860, p. único, CC/1916; art. 1245, §1º, CC/2002).

Justificando a orientação do legislador, observou o Min. Demócrito Reinaldo:

“A presunção do legislador é a de que já temos educação suficiente para saber que uma escritura pública, uma promessa de compra e venda ou mesmo uma escritura pública de compra e venda não vale contra terceiros, se não levada a transcrição, no registro imobiliário próprio. E o registro não tem a função exclusiva de transferir a propriedade. São três as funções precípuas: a primeira delas é a fixação da data do contrato – presume-se realizado na data em que foi levado a registro. A segunda finalidade é a da publicidade do ato que foi firmado entre duas ou mais pessoas. Do ato do registro é que os terceiros, os que não intervieram no contrato, têm conhecimento da existência do contrato. E a última conseqüência é exatamente a da transferência da propriedade imobiliária”. E conclui dizendo o seguinte: “Ao se entender que um contrato, sem o devido registro, seja translativo de propriedade, ou tenha eficácia em relação a terceiros, abrem-se ensanchas a abusos inomináveis”.

Com base nas premissas expostas, a conclusão que se tem é a de que a ré Severina Pereira da Costa não pode alegar que o autor sabia que o imóvel era de propriedade do seu companheiro, pois o mesmo nunca foi levado a registro, ou seja, o contrato de promessa de compra e venda não gozava de publicidade, uma das finalidades do registro.

Existe nos autos prova de celebração de contrato de promessa de compra e venda de imóvel entre Pedro e os proprietários do imóvel objeto da lide. Este, atendeu a todos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de formação do ato jurídico, porém, tem natureza jurídica de contrato pessoal, em decorrência do não registro junto ao cartório onde se encontra registrado o imóvel. O pagamento das prestações avençadas foi perfeitamente concretizado. Porém, o fato de os promitentes vendedores reconhecerem como real proprietário o Sr. Pedro, não é bastante para que se opere a transferência do imóvel, pois, como já foi exposto, no sistema legal brasileiro, a transferência da propriedade imóvel inter vivos somente se efetiva com o registro no cartório imobiliário da situação do imóvel. Por isso, enquanto não providenciado o competente registro no cartório imobiliário, o promitente comprador é mero possuidor da coisa.

A posse derivada de promessa de compra e venda de imóvel é transmitida ao promissário comprador como posse ad usucapionem, diante da certeza de que, quitadas as prestações vincendas, este terá o direito à adjudicação compulsória do imóvel objeto do contrato. Tornando-se, após o competente registro imobiliário, o proprietário definitivo do imóvel.

José Carlos de Moraes Salles, citando José Osório de Azevedo Júnior, esclarece:

“A posse do compromissário comprador não pode deixar de ser vista como posse ad usucapionem, apenas não podendo ser oposta ao compromitente vendedor “enquanto não pago o preço”, para que não se contrarie uma das finalidades do contrato, que é a de garantir, também, o crédito do próprio compromitente.”

E continua:

“O fato de, por alguma razão, não ter sido registrado o compromisso não impede que seja ele havido como justo título, desde que exista aquela causa que torne evidente que o compromissário está possuindo a coisa como dono, o que deve acontecer praticamente na totalidade dos casos, pois essa causa é geralmente ínsita e natural do compromisso” (Usucapião de bens imóveis e móveis. 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais).

Dos contratos de locação

O Fato de o imóvel em litígio ter sido objeto de contratos de locação não é óbice ao reconhecimento de tempo de posse ad usucapionem, pois nada impede que ocorra a mutação da natureza jurídica da posse originária. Neste mesmo sentido já decidiu a Quarta Turma do Colendo STJ:

“segundo o ensinamento da melhor doutrina, “nada impede que o caráter originário da posse se modifique”, motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem.” (RT VOL.:00790 PG:00217, Relator: Min. CESAR ASFOR ROCHA)

A presente ação deve ser julgada procedente, já que o tempo de posse ad usucapionem do autor precede ao registro do título translativo no Registro de Imóveis por parte da ré.

Em resumo: os elementos contidos nos autos remetem-nos à conclusão de que foram comprovadas, pela requerente, os requisitos necessários à configuração do usucapião extraordinário, tendo sido válido e eficaz o aproveitamento do tempo de posse dos antecessores do requerente e que, com isso, o autor exerceu a posse ad usucapionem por um lapso temporal de mais de 20 anos.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, declarando em favor do autor JOSÉ o usucapião extraordinário sobre o imóvel situado no Loteamento XXX (lotes de nºs. X, X e X, Quadra D), neste Município.

Transitada em julgado, expeça-se mandado para registro junto ao Serviço Registral Imobiliário desta Comarca.

P.R.I.

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