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segunda-feira, setembro 30, 2024

A Cidade Antiga

Introdução

A” polis” (cidade – estado), instituição central do helenismo. Razão para Foustel de Coulanges intitular de “A cidade antiga” sua obra a respeito da civilização greco- romana.

A Grécia evoluiu por volta dos anos 600 a 300aC, quando sua cultura foi absorvida pela civilização helenística, que se expandia também pelo Oriente Próximo. A civilização helenística perdurou até inícios da era Cristã, dando lugar à cultura Romana, que sobreviveu até o século V de nossa era, quando sucumbiu, finalmente, ao poder dos povos germânicos.

Os autores modernos atribuem a essas culturas (grega e romana) duas características fundamentais: secularismo e liberdade. A religião, para eles, não mais absorveria todos os interesses do homem, como na Antiguidade, e os ideais libertários se contrapunham aos velhos despotismos orientais Seria este o grande legado da antiguidade clássica ao mundo ocidental.

Foustel de Coulanges, ao contrário dos pensadores modernos, estuda as civilizações clássicas exatamente pelo seu aspecto religioso.

AS CRENÇAS

A alma não passava a viver num mundo diferente, mas continuava unida ao corpo. Os rituais revelavam isto, como ainda hoje vemos nas expressões “ que a terra te seja leve”, ou em epitáfios como “ aqui jaz”, que a tradição trouxe até nós. A certeza de que no túmulo havia alguém era tanta que lá se colocavam vinhos, vasos, armas, vestidos, cavalos, escravos degolados até, para lhes prestar serviços. Dessa crença primitiva teria surgido a necessidade do sepultamento, para que a alma não ficasse por aí, errante, infeliz… Usavam-se, então, os ritos tradicionais, que eram formas de cerimônias fúnebres.

CULTO DOS MORTOS E DO FOGO

Alimentar os mortos era um cuidado obrigatório. Era a religião da morte que predominava, com seus ritos, até o advento do Cristianismo. Os mortos eram deuses: bons ou maus, mas sempre deuses. Seus templos eram seus túmulos. O culto dos mortos foi talvez o mais antigo de que se tem notícia e, provavelmente, nele se encontre o sentimento religioso dos homens.

Assim também era obrigação sagrada manter aceso o fogo em seus altares.

O fogo era o seu deus doméstico: protetor, belo, forte e puro. O fogo foi também deificado entre os povos orientais. O culto do fogo sagrado remonta aos árias, quando não havia sequer gregos, romanos ou hindus. Chegou mesmo a confundir-se com o culto dos mortos, a ponto de não se diferenciarem, nos mistérios de além-túmulo, os deuses lares, penates e Vesta.

A RELIGIÃO DOMÉSTICA

Não conhecendo o Deus universal, eles cultuavam o deus familiar, numa religião estritamente doméstica. O culto dos mortos era o culto dos antepassados, feitos por seus descendentes. Eram os deuses manes. Não se cultuavam os manes de outras famílias. Cada uma tinha seu túmulo exclusivo, onde perpetuavam a presença de seu ente querido. No túmulo e no fogo estavam os seus deuses escondidos.

Esta religião não foi ensinada por ninguém. Nasceu espontânea na alma do homem. Era transmitida por herança, na linha paterna. A mãe não participava desse ritual.

A FAMÍLIA

A família, desde o início, se constituiu em torno do altar. Ao lado da casa estava o túmulo, pousada dos que se foram. A religião era a força dessa unidade. Nem o afeto, nem o parentesco serviram de alicerce para a constituição da família. Sua base fundamental foi a religião: do fogo sagrado e dos antepassados.

O CASAMENTO

Foi a primeira instituição da religião doméstica. Implicava em mudança de culto, uma vez que cada lar tinha seu deus. Assim, a mulher, ao casar, teria que abandonar o deus de sua infância e de seus maiores, por um deus desconhecido. Tudo isso protagonizado dentro de um ritual. Daí ser o casamento, desde as origens, uma cerimônia sagrada, por excelência. Entre os gregos, o casamento se realizava em três atos: a) na casa paterna; b) no percurso para a casa do marido; c) na casa do marido. Entre os romanos, também eram três atos: a)” traditio” – quando a noiva deixa o lar paterno; b) “traductio in domum” – o mesmo que a “himenáie” (himeneu) dos gregos, que correspondia ao percurso; c) o sacrifício já oferecido na casa do marido , consumando as “nuptiae” (divini et humani communicatio) – era a “confarreatio”. O divórcio era muito difícil, pois somente se realizava através da “difarreatio”, com seus complicados rituais, que punham fim à comunhão do culto.

CONTINUIDADE DA FAMÍLIA

Com as ofertas que se faziam aos mortos, alimentava-se a perpetuação da família. Jamais se admitiria a extinção da estirpe. Era um dever continuar a descendência para perpetuar o culto. Daí a proibição do celibato. O indivíduo pertence a seu clã, com o dever de perpetuá-lo. Mas não poderia perpetuar a família gerando filho espúrio, mas filho da união conjugal. Daí a obrigatoriedade do casamento, com a finalidade da perpetuação. Por isto, o poder de anulá-lo, em caso de esterilidade feminina. Se fosse do homem a esterilidade, era ele substituído por um irmão ou parente, evitando que ocorresse o divórcio, pois os filhos que surgissem seriam considerados filhos legítimos do marido. Somente o filho varão era considerado o salvador do lar. Nascido o filho, procedia-se a todo um cerimonial para introduzi-lo na verdadeira comunidade familiar.

ADOÇÃO E EMANCIPAÇÃO

A adoção era uma forma de resguardar a perpetuação da família, quando um casal não tinha filhos. Exigia também um ritual religioso e implicava, para o adotado, a perda de seu culto e de seus antepassados. Pela adoção, o filho se emancipava de todos os laços que o prendiam a sua antiga religião familiar.

PARENTESCO E AGNAÇÃO

O princípio do parentesco repousava no culto. Como o culto só se transmitia a descendente masculino, não havia parentesco pelo lado da mulher. Tudo o filho recebia do pai. Através dos filhos varões a descendência se projetava. Quando, num culto, duas pessoas encontravam entre seus descendentes um ascendente comum, diziam-se parentes. A agnação seguia a mesma regra do culto: a sucessão por varonia.

DIREITO DE PROPRIEDADE

Grécia e Roma sempre reconheceram a propriedade privada. Três coisas são comuns aos gregos e romanos: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade. A propriedade era parte da religião: nela se fixava o lar, o altar e a família. Do isolamento de cada habitação, intocável aos estranhos, nasceu o respeito e, conseqüentemente, o direito à propriedade. O culto, o túmulo, o altar são invioláveis – sagrado e perene o direito de seus ocupantes. Para a sobrevivência destes eram assegurados os campos circundantes, não por força de lei, mas da religião. Os marcos e balizas eram irremovíveis, intocáveis. Cada marco era uma divindade: o deus Termo. A propriedade não era somente intocável, mas também inalienável. Ela não pertencia a uma só pessoa, pois era um bem de toda a família. Somente depois do advento da Lei das XII Tábuas, o campo foi liberado à venda. A expropriação por utilidade pública não era conhecida. E nem por dívidas.

O homem poderia sofrer no próprio corpo a pena por uma dívida, mas a propriedade não sofreria, por ser um bem da família.

DIREITO DE SUCESSÃO

O direito de propriedade, como o culto da família, permanece e se transfere por herança.Da mesma forma, o direito de sucessão, como ocorria no culto, só se transmitia de varão a varão. O filho era herdeiro necessário – continuador desse direito. Em Roma, a filha não herdava, quando casada; na Grécia, não herdava de forma alguma. Como o culto não se transmitia à mulher, da mesma forma ela era proibida de herdar. Em caso de haver uma única filha, o filho que esta tivesse seria o herdeiro do avô.

SUCESSÃO COLATERAL

Se um homem morresse sem deixar filhos, seu herdeiro seria o continuador de seu culto; no caso, seu irmão consangüíneo. O irmão uterino não poderia herdar, pois não havia parentesco pelo latino feminino. Os filhos de duas irmães, por exemplo, nada eram entre si.

EFEITOS DA EMANCIPAÇÃO E DA ADOÇÃO

O filho emancipado, uma vez excluído do primitivo culto, também o era da herança, pois passaria a herdar da família que o adotara. Não havia dupla herança, pois não havia duplo culto.

O TESTAMENTO

Não se cogitava em testamento, uma vez que a propriedade era vinculada ao culto e este era hereditário. Ademais, como se viu, a propriedade não pertencia a uma pessoa, mas à família toda.

INDIVISÃO DO PATRIMÔNIO

Era uma instituição antiqüíssima que tinha seus fundamentos alicerçados na primogenitura. O filho mais velho era o continuador natural do culto, o chefe, o herdeiro. A propriedade era indivisível, como vimos.

AUTORIDADE NA FAMÍLIA

Pater era o mesmo termo em latim, grego e sânscrito: é poder, autoridade, dignidade. É o chefe religioso, o senhor da propriedade, o juiz. Como chefe do culto, ele somava vários direitos: reconhecer ou rejeitar o filho; repudiar a mulher, em caso de adultério ou esterilidade; direito de casar o filho ou a filha; direito de emancipar e adotar; direito de designar tutela “ in articulo mortis”.Como autoridade absoluta que era, podia vender o filho. Só o pai tinha o direito de apresentar-se perante a Justiça. Em se tratando de justiça de natureza doméstica, o pai era o magistrado e suas decisões eram inapeláveis.

A MORAL ANTIGA NA FAMÍLIA

Assim como a religião, também a moral era exclusiva da família. Diante do fogo sagrado, por exemplo, não se praticavam atos moralmente impuros: viria, com certeza, o castigo dos lares e dos penates. Surgem assim as primeiras idéias de culpa, castigo, expiação. Era a religião zelando sobre a pureza, imprimindo a moral. Relevando a dignidade do matrimônio, preservando a fidelidade da mulher, incutindo o sentimento do dever e da submissão, criando o amor profundo ao lar comum, enfim, imprimindo a moral. A moral primitiva, todavia, ignorava a caridade, mas era rica em virtudes domésticas.

A GENS – ROMA E GRÉCIA

A gens dos latinos ou ghénos dos gregos foi instituição antiqüíssima, da qual alguns vestígios chegaram até nós. Aqueles que conservavam uma identidade de sacrifícios comuns pertenciam a uma “gens”. Os “dii gentilis”, deuses da gens, eram seus protetores exclusivos. A gens possuía o seu túmulo comum. Os membros de uma mesma gens eram aptos a herdar. O gentilis, membro da gens, tinha sobre a herança preferência ao cognado – o parente pelo lado feminino. Havia entre os membros da gens estreita solidariedade. Cada gens tinha seu chefe, que era juiz e sacerdote. Na Grécia, esse chefe era chamado arconte. Existem divergências sobre as origens da gens. Para alguns, ela é a semelhança de nomes; para outros, era parentesco artificial. Pelo sentido da própria palavra, não cogitamos em atribuir-lhe origem convencional ou artificial, uma vez que gens é “genus”, de “gignere”, daí advindo “genitor”, pai, assim como, no grego, “ghénos” é “ghenãn” ou “ghonéus”, sempre a indicar origem, geração, filiação.

Prova incontestável disto é que os gregos designavam os ghonéus de “homogálactes”, quer dizer, “criados no mesmo leite”. Gens é união de origem. Será, por conseguinte, a família, em seu sentido amplo, compreendendo o lar, o patrimônio, o túmulo, o culto, numa forma indivisível. Nada mais natural, portanto, de os membros da mesma gens usarem o mesmo nome. O “nomen” era, assim, o nome do antepassado, transmitido aos seus descendentes. O nomen ganhou depois um cognomen e um agnomen, distinguindo indivíduo de indivíduo.

ESCRAVIDÃO E CLIENTELA

Da necessidade que o rico tem do pobre e o pobre do rico, nasceu a servidão. O escravo era introduzido na família ateniense mediante um ritual, a partir do qual passava a participar do culto familiar e a receber a proteção dos seus deuses lares. Ao adquirir o culto da nova família, ele perdia a liberdade e se tornava escravo. Os que iam sendo “libertos” pelo seu senhor continuavam submissos pelo culto e eram chamados “ clientes”. O cliente tinha mais direito que o cognado, pois este, ligado à família só pelo lado feminino, não era considerado parente. O cliente, em razão da comunidade do culto, gozava de verdadeiro parentesco, pois adorava os mesmos deuses familiares. A clientela era um laço sagrado da religião.

A CIDADE

FRATRIA – CÚRIA – TRIBO

A Família foi a primeira forma de sociedade de que se tem notícia. Podia ela conter alguns milhares de constituintes: o grande ramo, os sub-ramos, os escravos, os clientes, todos esses somados nos dão a dimensão de sua abrangência. Em princípio, a religião doméstica proibia a reunião de culto entre as famílias; depois, estas começaram a se unir, sem prejuízo de seus cultos particulares, e passaram a celebrar um culto comum. Era a fratria (dos gregos) e a cúria ( dos romanos). Cada fratria ou cúria tinha seu chefe: o fratiarca ou o curião. Possuía ela o poder e deliberar, de promulgar decretos, de reunir-se em assembléias. Era uma pequena sociedade modelada sobre a família. Quando, por afinidades comuns, as cúrias ou fratrias se agrupavam, formavam as tribos. A tribo, por sua vez, tinha seu culto, seu altar, seu deus, seu tribunal e seu chefe.

NOVAS CRENÇAS

Inicialmente, predominava entre os homens a religião da morte, dando origem à crença nos antepassados, cujo símbolo era o lar. Todavia, o contacto com a natureza, a observação dos fenômenos, começaram a despertar no homem o sentimento dessas manifestações poderosas, que ele passou também a adorar. Eram os deuses da natureza física, convivendo com os heróis e os manes, deuses familiares. E não havia hostilidade entre essas divindades; pelo contrário, elas se completavam nas manifestações do culto. A cada um desses fenômenos era atribuída uma denominação particular, daí eles terem existido aos milhares. Esse culto cresceu, difundiu-se, passando da pequena cella, junto ao lar, para o santuário comum. O lar foi cedendo lugar a um novo deus, que já reunia em torno de si numerosos adoradores, unidos no que poderíamos hoje chamar de sociedade.

FORMAÇÃO DA CIDADE

As famílias se reuniam em fratrias, estas em tribos e estas últimas, como vimos, se uniam, dentro de um respeito mútuo ao culto de cada uma, e formaram a cidade.

O culto continuava a ser o traço de união na formação dessa associação maior. Unidos assim em cidade, não perdiam, todavia, as tribos, fratrias e famílias as suas individualidades. Eram independentes entre si, mantendo, porém, sua participação no todo. Não era a cidade um ajuntamento desordenado de pessoas, mas uma confederação de grupos, organizados e definidos. As necessidades e os sentimentos comuns fizeram com que essas cidades, pelo mesmo processo de formação, se aproximassem e se agrupassem, constituindo o que se chamou de Estado. Ainda aí, foi a religião, o culto, o grande sopro inspirador.

A CIDADE – O fundador e os deuses

Hoje, cidade e urbe têm o mesmo sentido. Antigamente, a cidade era a associação religiosa de famílias e tribos; a urbe era o santuário dessa reunião. Quando famílias, fratrias e tribos se reuniam para um culto comum, nascia a cidade como o santuário desse culto. Uma vez edificada, a cidade era morada dos deuses nacionais, pois ficava impregnada de um cunho de eternidade e suas tradições e cultos eram garantia de sua perenidade. As cidades eram feitas para serem eternas.

Toda cidade antiga guardava a memória de seu fundador e a data de sua fundação.

O altar da cidade era fechado num edifício que os gregos chamavam “pritaneu” e os romanos denominavam “ templo de Vesta”. Dentro dele, ardia permanentemente o fogo sagrado. O lar público era vedado a estrangeiros. Cada cidade tinha seus próprios deuses: seus mortos notáveis, os fenômenos naturais, p. ex. Muitos desses deuses chegaram ao nosso conhecimento: Zeus, Hera, Júpiter, Netuno, Minerva e outros. Às vezes eram políadas essas divindades: havia tantos Júpiteres quantas fossem as cidades. Não se conhecia um Deus único, universal. Eram deuses particulares. Os sacerdotes de cada culto tinham seus próprios rituais, seus livros litúrgicos, sempre mantidos em segredo, diferentes em cada cidade. A religião era dita “civil”, peculiar à sua cidade. O culto não tinha o sentido moral ou espiritual. Era nutritivo apenas, feito para agradar os “sentidos” dos deuses, aos quais eram presenteados vinhos, carnes, roupas, perfumes, jóias e músicas.

A RELIGIÃO DA CIDADE – festas e calendário.

No culto doméstico, a grande cerimônia era o banquete, chamado sacrifício. Comer o alimento sobre o altar foi a primeira forma de religião. Na cidade, também se realizavam cultos públicos, imensos banquetes, em que os comensais usavam roupas brancas e coroas de flores. Era a cor branca sagrada entre os antigos. E a religião a todos unia em torno do banquete sagrado.

As festas das divindades nacionais eram celebradas anualmente. Era o dia do natalício. Faziam-se as festas dos muros, dos campos, do trabalho, da semeadura e da colheita. O calendário era recheado de uma sucessão de festas. Em cada cidade, o início do ano coincidia, geralmente, com a data de sua fundação.

Em Atenas, celebrava-se a festa da purificação anualmente; em Roma, de quatro em quatro anos. Era um sacrifício de expiação, com ritual específico. Nenhum cidadão poderia deixar de participar deste sacrifício, sob pena de perder a cidadania. Por ocasião das lustrações (de cinco em cinco anos), fazia-se o censo de todos os cidadãos. Da cerimônia, participavam apenas os cidadãos: através do seu senhor, ficavam purificadas suas mulheres, crianças e escravos.

A RELIGIÃO NA ASSEMBLÉIA, NO SENADO, NO TRIBUNAL, NO EXÉRCITO – O TRIUNFO

As assembléias jamais se reuniam nos dias nefastos. Em Roma, o Senado se reunia no templo. Em Atenas, na sala de reuniões havia um altar. Em Roma, como em Atenas, a justiça só era aplicada em dias favoráveis à religião. O Tribunal possuía também seu altar, seu sacrifício. Na guerra, a religião era mais poderosa do que na paz: o exército em luta conduzia as insígnias de sua cidade, as estátuas de seus deuses, conduzia o seu lar e alimentava diariamente o fogo sagrado. Depois da vitória, oferecia um grande sacrifício: era o triunfo.

OS RITUAIS E OS ANAIS

A religião, para os antigos, resumia-se aos ritos, aos cerimoniais. Não importava a doutrina, mas a prática. Os homens agradavam aos deuses para não merecerem sua ira. Apaziguava-os e contentava-os, para conquistá-los. Para isto, usavam sua fórmulas, seus rituais, rigorosos, imutáveis, que conservavam sagrados, antigos. Por isto, nunca subestimavam a própria história, pelo contrário, eles a cultivavam cuidadosamente registradas em seus anais. E a religião zelava para que esses anais permanecessem sempre inalteráveis.

O GOVERNO DA CIDADE – O REI

– AUTORIDADE RELIGIOSA

O sacerdote do lar público usava o nome de Rei. Entre os gregos, era o prítane, sacerdote do pritaneu, também chamado arconte. A realeza nasceu com esse caráter sacerdotal: a tarefa maior do rei era celebrar as cerimônias religiosas. Assim também em Roma, os reis sempre foram sacerdotes. Eles eram entronizados em meio a cerimônias especiais.

– AUTORIDADE POLÍTICA

O rei-sacerdote era o chefe político, com a dignidade que lhe conferia o altar. Como a religião presidia o governo, a justiça e as guerras, o seu sacerdote era necessariamente magistrado, juiz a chefe militar. As regras da monarquia eram as mesmas regras do culto: se o culto era hereditário, também o eram o sacerdócio e, conseqüentemente, o poder. A realeza cabia ao fundador da cidade, ao que assentou em primeiro o seu lar e essa realeza era transmitida aos seus descendentes. Assim como a religião deu origem ao chefe da família (rei do lar), também gerou o rei da cidade ( o chefe político).

O MAGISTRADO

Na República, o magistrado que substituiu ao rei, era também sacerdote e chefe político. O primeiro ato do Cônsul, em Roma, era oferecer sacrifícios no foro. Com o fim da realeza, desapareceu também o direito hereditário. Em Atenas, os magistrados passaram a ser escolhidos por sorteio, forma que os atenienses encontraram para agradar aos deuses. Em Roma, essa escolha era feita pelos auspícios, modalidade em que o magistrado, depois de ouvir o sopro dos deuses, escolhia alguns nomes e os indicava à votação popular.

A LEI

Para romanos, gregos e hindus, a lei era, em princípio, parte da religião. Os códigos não eram mais que um catálogo de rituais, de preces, que serviam de normas de conduta. Os direitos de propriedade e herança eram vinculados ao culto e ao túmulo dos antepassados. Os pontífices eram os jurisconsultos. A lei era a religião aplicada, conseqüência necessária da crença. Diziam os antigos que suas leis provinham dos deuses. E o faziam com certa razão, pois elas não eram ditadas por nenhum homem, senão pela crença que ele trazia dentro de si. Eis aí a origem sagrada da lei. Por ser assim divina, era imutável, irrevogável, ainda mesmo quando conflitante com outra lei. Por ser divina, dispensava justificativas e “consideranda”. De forma inicialmente oral, passaram a integrar o ritual, com o advento da escrita. Informa Aristóteles que as leis antes da escrita eram cantadas. Daí os romanos as chamarem de “carmina”, isto é, versos; e os gregos denominavam-nas de “nomoi”, ou cantos.

Como a religião era puramente civil, ou seja, específica da cidade, eis a origem do direito civil – direito aplicado aos cidadãos, mas que não atingia escravos nem estrangeiros.

O CIDADÃO E O ESTRANGEIRO

O cidadão participava do culto e, conseqüentemente, dos direitos políticos e civis. Deixar de participar da lustração, por exemplo, de cinco em cinco anos, implicava perda de cidadania até o advento do lustro seguinte. O estrangeiro não participava do culto, nem a proteção dos deuses, por isso, não possuía direito algum. Se cometesse um crime era punido sem processo, tal como o escravo. A justiça para o estrangeiro veio surgir com os tribunais de exceção. Em Roma, havia o “praetor peregrinus”, para julgar os estrangeiros. Em Atenas, havia o “polemarco”. O estrangeiro não podia ser proprietário, contrair matrimônio, firmar contratos, herdar de um cidadão. Tinha acolhimento na cidade, mas sem poder participar da religião e do direito. Para auferir algum direito, poderia o estrangeiro fazer-se “cliente” de um cidadão. Era a “clientela”, pela qual ele era admitido na participação dos direitos da cidade.

Um cidadão que cometesse falta grave contra a cidade era punido com a “atimia”: pena severíssima, que retirava dele a participação da religião e de todos os direitos políticos e civis.

O PATRIOTISMO – O EXÍLIO

Pátria, entre os antigos, é o mesmo que terra dos pais – “terra pátria”. Era o solo, a família, o túmulo, o lar. A grande pátria era a cidade, com seu pritaneu, seu território, seus heróis. O patriotismo foi a virtude suprema dos antigos. A pátria era o que eles possuíam de mais caro. Amavam-na como à religião, adoravam-na como a um deus: era o seu bem maior, seu direito, sua crença. A maior punição para os grandes crimes era o exílio. Significava a interdição do culto, comparável à moderna excomunhão. A perda do culto impliava em perda da propriedade, da paternidade, até do túmulo. Para os antigos, era uma pena capital – suplício semelhante à morte.

RELAÇÕES ENTRE AS CIDADES

Quando havia combate entre duas cidades, lutavam seus homens, mas também seus deuses. O mal que fosse feito ao inimigo, quanto mais cruel, mais agradável aos deuses. “ Vae victis! “ – Ai dos vencidos! O alvo das guerras não se restringia aos soldados, mas se estendia a mulheres, crianças, casas, campos, propriedades, animais, sementeiras, templos e lares. Era uma devastação total. O tratado de paz era firmado mediante complicado cerimonial religioso. As cidades invocavam os testemunhos de seus próprios deuses e ficava estipulado que aquela aliança era dos homens e dos deuses, pois só assim ela teria um caráter duradouro, perene.

O ROMANO – O ATENIENSE

Para o romano, sua casa era seu templo. Seu lar era um deus. As paredes, as portas, as divisas eram deuses. Era o deus “termo”. Seu túmulo era um altar e os deuses eram seus antepassados. O cotidiano era um ritual constante, as refeições um sacrifício oferecido aos deuses, as ações eram preces. Ofereciam sacrifícios diariamente em casa, mensalmente na cúria, várias vezes por ano na tribo. Roma possuía mais deuses que habitantes.

O calendário romano era repleto de dias “fastos” – festivos: festa da sementeira, da colheita, dos vinhedos, dos milharais. As festas dos mortos, os “manes”, eram muito numerosas. Os dias de mau augouro eram dias “nefastos”. Não se prestavam a qualquer festividade. O romano só saía de casa, p.ex., com o pé direito. Certas palavras não eram pronunciadas. Os vôos dos pássaros eram observados, assim como o aviso dos raios, para tomada de decisões. Era um mundo de superstições. Era comum o uso do amuleto.

Dizia Horácio que o romano se tornou senhor da terra por medo dos deuses.O ateniense, diz Xenofonte, tem mais festa que qualquer outro povo da Grécia. Quantos deuses, templos e estátuas recobriam Atenas! Quantas procissões para todo tipo de culto: da cidade, das tribos, dos deuses, da família. Cada casa é um templo, cada campo tem seu túmulo sagrado.

Por fim, as sociedades grega e romana organizaram-se como igrejas. Daí sua força, seu poder, seu império. Anulava-se a liberdade individual em favor do bem coletivo. As cidades sustentavam o Estado e eram por ele sustentadas. E ambos sustentavam a religião, como fonte de poder absoluto, sobre-humano, que subjugavam ao mesmo tempo a alma e o corpo.

Assim era Roma; assim, a Grécia. Civilizações que foram nosso berço. Falar nelas é falar em nossas tradições. Falar em nós mesmos.

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