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quinta-feira, abril 25, 2024

Efeitos da Interpretação Constitucional na Unidade do Sistema Jurídico

Admitindo-se o caráter essencialmente sistemático das normas jurídicas, é certa a inserção da Constituição no sistema jurídico, onde ocupa o relevante posto de matriz, de fonte a que se reconduzem as demais normas. A Constituição é a norma fundamental do sistema jurídico e essa expressão, tal como a emprega Canotilho, aparta-se do sentido lógico-jurídico do normativismo.

As normas de direito não têm existência (vigência) isoladamente, antes se inserem num conjunto harmônico e interdependente, do qual retiram seu pleno significado. Por isso uma das primeiras e elementares regras de hermenêutica jurídica recomenda a leitura do texto normativo integral.

Entre as técnicas tradicionais de interpretação do direito cresce em importância a sistemática, que determina o confronto do sentido inicialmente fixado através da exegese da norma jurídica em particular, com as demais normas do sistema, a partir das integrantes do instituto jurídico a que pertence à norma analisada, indo até as normas do conjunto global, o sistema, num processo de concatenação, de forma a compatibilizar o sentido de uma norma ao espírito do sistema.

Em virtude do postulado da unidade do ordenamento jurídico, que pressupõe a derivação de todas as normas, em última etapa, da Constituição, é evidente que a interpretação das normas constitucionais é condição primordial para uma ótima compreensão de qualquer preceito jurídico.

Assim, em princípio, o método sistemático clássico tem aplicação ao direito constitucional. Como acentua Bonavides, a rigor não se distingue a interpretação constitucional da interpretação das demais normas, que todas são, em essência, normas jurídicas; exceto quando se tem em mente as peculiaridades das regras básicas, por exemplo, seu caráter político.

Dessas peculiaridades ocupa-se Ferraz Jr., ao relevar o fato de que, se as regras usuais de interpretação puderam aplicar-se às Constituições, graças à sua formalização, a partir do século XIX, não se pode ignorar que a norma constitucional contém elementos jurídicos que a diferenciam das demais normas, características da qual um normativismo rigorosamente positivista, supostamente neutro e acrítico, não chega a dar conta.

Um dos primeiros condicionamentos que o sistema constitucional exerce na interpretação está na identidade e feição própria que cada Constituição, em particular, apresenta, emergente da conformação que lhe empresta a soma ou integração dos princípios fundamentais nela inseridos. A unidade da Constituição postula uma unidade de sentido, como se um vetor em específico a orientasse, como, por exemplo, a Constituição democrática, onde o qualificativo designa sua essência e a orienta por inteiro.

Todavia, quando se encarece a irremissível presença do sistema constitucional como pré-compreensão para a interpretação das normas fundamentais, tem-se já como superada a concepção sistêmica do positivismo normativista, que determinava a consideração do ordenamento constitucional em abstrato.

A insuficiência da interpretação sistemática nos moldes clássicos torna-se patente na interpretação constitucional. A Constituição, como o demonstra a teoria material, é infensa a uma redução a termos estritamente lógico-normativos, dada a riqueza do seu conteúdo e o excepcional horizonte de significações ideológicas, sociológicas e políticas que ela consubstancia.

Não servem mais para a interpretação constitucional os esquemas de pensamento axiomático-dedutivo, não é mais possível sustentar a neutralidade dos operadores do direito frente às exigências de uma interpretação justa, mormente no que respeita aos problemas que requerem resposta constitucional. Assim, a teoria material da Constituição oferece o que Bonavides denomina sistema constitucional axiológico-teleológico; o sistema não repousa em axiomas destituídos de estimativa mas nos valores-fins que se expressam no conteúdo material das normas constitucionais. Além disso, reforça a necessidade de abandono da exegese constitucional lógico-formal, dirigida pelos métodos clássicos, a transição do Estado Liberal para o Estado Social.

Explica Ferraz Jr. que no âmbito da Constituição do Estado Liberal os procedimentos hermenêuticos tradicionais funcionam como interpretação de bloqueio, sob o primado do princípio da legalidade, com vistas à certeza e à segurança do direito. Porém, com a emergência do Estado Social, as aspirações sociais exigem procedimentos que as legitimem em face da Constituição, isto é, uma interpretação de legitimação, favorecendo maior espaço para o intérprete, o que se justifica até para a própria realização constitucional. Essa expectativa é que autorizou conceber a Constituição como um sistema de valores, cuja realização exige a mediação concretizadora do intérprete.

Em suma, as Constituições contemporâneas, documentos normativos do Estado e da Sociedade deixam de configurar o Estado mínimo e indiferente aos conflitos sociais que hoje se refletem nas leis fundamentais.

De toda sorte, ainda que renovado e substanciado o conceito de sistema constitucional, a concepção sistêmica continua a condicionar a interpretação, representando um marco de controle para a possível perda ou erosão de normatividade constitucional que a teoria material possa representar. Mesmo Hesse (partidário do método concretista, de inspiração tópica), que considera a interpretação só possível diante de um problema concreto a resolver, assevera que o objetivo da interpretação é obter um resultado constitucionalmente correto, através de um procedimento racional e controlável e fundamentar esse resultado de forma racional e controlável, criando, desse modo, certeza e previsibilidade jurídicas.

Então, à vista da arbitrariedade a que eventualmente possam conduzir a interpretação condicionada pela abertura do sistema e a compreensão material (valorativa) da Constituição, procura-se uma metódica jurídica orientada por regras.

A interpretação constitucionalmente adequada exige ainda uma doutrina hermenêutica, a utilização de determinados critérios (ou medidas) que se pretendem objetivos, transparentes e científicos.

Portanto, conclui-se que a interpretação não se reduz a conferir um significado ao enunciado normativo, mas é uma compreensão estrutural, que também a realidade, os dados reais do setor normativo se interpretam.

Constroem-se então os chamados princípios de interpretação constitucional, que não são princípios constitucionais intra-sistêmicos, não pertencem ao sistema intrínseco.

Para uma ciência sistemática do Direito Constitucional seriam regras estruturais desenvolvidas pelo sistema extrínseco, para assegurar que a interpretação não desbordará do seu legítimo espaço, ocasionando mutações constitucionais por via interpretativa. O limite do espaço de interpretação é enfim, o texto normativo.

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