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quinta-feira, março 21, 2024

FOGO MORTO – José Lins do Rego

FOGO MORTO – José Lins do Rego

O regionalismo de 30

Publicado em 1943, Fogo Morto é a última obra-prima do regionalismo neo-realista surgido no Brasil durante a década de 30.

A prosa de ficção dos anos 30 deu continuidade ao projeto dos primeiros modernistas, a chamada fase heróica, de 1922, de aprofundamento nos problemas brasileiros através de uma literatura regionalista, de caráter neo-realista, preocupada em apresentar os problemas e as desigualdades sociais do Brasil.

Prevalece uma narrativa direta, sem as ousadias formais dos romances de Oswald de Andrade, como Memórias Sentimentais de João Miramar, ou do Macunaíma de Mário de Andrade.

Linguagem

Os regionalistas de 30, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, enfatizam, assim como o modernismo inicial, o uso da linguagem coloquial, popular, na obra de arte literária. Mas há uma diferença fundamental.

Enquanto os modernistas de 22 procuravam “escrever errado”, reproduzindo as incorreções gramaticais da fala popular de maneira programática na linguagem literária, os regionalistas de 30, já livres das convenções da linguagem parnasiana acadêmica, escrevem com simplicidade, apenas ocasionalmente desrespeitando a norma culta da língua portuguesa.

O ciclo da cana-de-açúcar

Fogo Morto é também o último suspiro da série de romances a que o próprio José Lins do Rego, grande contador de histórias, diretamente influenciado pelo regionalismo do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, haveria de chamar de O ciclo da cana-de-açúcar, que têm como matéria básica o engenho Santa Rosa, do velho José Paulino, avô de seu alter-ego, Carlos de Melo.

Em nota à primeira edição de Usina (1936), considerado por José Lins como o último romance da série, o próprio escritor nos explica suas intenções ao realizar este ciclo de romances:

Com Usina termina a série de romances que chamei um tanto enfaticamente de “Ciclo da Cana-de-açúcar”.

A história desses livros é bem simples — comecei querendo apenas escrever umas memórias que fossem as de todos os meninos criados nas casas-grandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedaço de vida o que eu queria contar.

Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se acham escondidas no seu interior.

Veio, após o Menino de Engenho, Doidinho, em seguida Bangüê. Carlos de Melo havia crescido, sofrido e fracassado. Mas, o mundo do Santa Rosa não era só Carlos de Melo. Ao lado dos meninos de engenho havia os que nem o nome de menino podiam usar, os chamados “moleques de bagaceira”, os Ricardos.

Ricardo foi viver por fora do Santa Rosa a sua história que é tão triste quanto a do seu companheiro Carlinhos. Foi ele do Recife a Fernando de Noronha. Muita gente achou-o parecido com Carlos de Melo. Pode ser que se pareçam.

Viveram tão juntos um do outro, foram tão íntimos na infância, tão pegados (muitos Carlos beberam do mesmo leite materno dos Ricardos) que não seria de espantar que Ricardo e Carlinhos se assemelhassem. Pelo contrário.

Depois do Moleque Ricardo veio Usina, a história do Santa Rosa arrancado de suas bases, espatifado, com máquinas de fábrica, com ferramentas enormes, com moendas gigantes devorando a cana madura que as suas terras fizeram acamar pelas várzeas.

Carlos de Melo, Ricardo e o Santa Rosa se acabam, têm o mesmo destino, estão tão intimamente ligados que a vida de um tem muito da vida do outro. Uma grande melancolia os envolve de sombras. Carlinhos foge, Ricardo morre pelos seus e o Santa Rosa perde até o nome, se escraviza. Rio de Janeiro, 1936.J. L. R.

Em Menino de Engenho (1932), primeiro romance do ciclo, José Lins do Rego mostra, de maneira lírica e saudosista, o ambiente de engenho em que o garoto Carlinhos é criado após seu pai, desequilibrado mental, ter assassinado a mãe.

Criado entre os “moleques de bagaceira”, o garoto cresce sob o poder patriarcal avassalador do avô José Paulino. Aos doze anos, conhece a sexualidade através da “rapariga” Zefa Cajá, de quem contrai uma “doença do mundo”. Por fim, é mandado ao colégio interno, para “endireitar”, perder os hábitos da “bagaceira”, e se tornar um legítimo “senhor de engenho”.

Após descrever a vida de Carlos de Melo no colégio interno, em Doidinho (1933), José Lins do Rego nos mostra o seu retorno ao Santa Rosa, aos 24 anos, já formado em Direito, no seu romance seguinte, Bangüê (1934). Carlinhos tenta, então, se readaptar ao engenho, sempre permeado por uma sensação de impotência frente ao espírito autoritário de seu velho avô.

Após a morte do velho José Paulino, Carlos acaba por levar o Santa Rosa à ruína, vende o engenho ao tio Juca, e abandona para sempre as suas terras. Considerado por José Lins o último livro do ciclo, Usina (1936) apresenta o engenho transformado na usina Bom Jesus.

Dirigida pelo Dr. Juca, a usina vai perdendo a sua força. Pressionada por interesses estrangeiros e pela usina Santa Fé, que domina toda a região, acaba invadida por miseráveis em busca de alimentos e, por fim, o Dr. Juca a vende e a abandona melancolicamente. Mas o engenho Santa Rosa, assim como alguns de seus moradores, voltaria a aparecer na obra-prima de José Lins do Rego, Fogo Morto.

Decadência

O ciclo apresenta, portanto, o processo de decadência dos engenhos da zona da mata nordestina, que perdem seu poder e são engolidos pelas forças emergentes da usina e do capitalismo moderno.

Obra-prima

Embora desse o ciclo por encerrado com a publicação de Usina, em 1936, José Lins do Rego lançaria Fogo Morto sete anos mais tarde. Nesta obra, retoma a mesma idéia nuclear dos romances anteriores, assim como o engenho Santa Rosa e a figura do coronel José Paulino, ainda que de maneira periférica.

O romance, portanto, pode ser considerado com um integrante tardio do “ciclo” que José Lins havia considerado acabado.

Mais do que isso, acaba por ser a maior obra deste mesmo ciclo, pois, ao minimizar o caráter autobiográfico e nostálgico das obras precedentes, o romancista paraibano acrescenta à sua extraordinária facilidade de narrar, que mais lembra um contador de histórias marcado pela oralidade e pela naturalidade, a objetividade e a consciência compositiva que o caráter sentimental e espontâneo das obras anteriores encobria.

Em Fogo Morto, portanto, o romancista maduro e consciente se sobrepõe ao memorialista nostálgico para construir sua obra-prima: síntese, aprofundamento e condensação de todas as outras.

Espaço e tempo

O romance se passa no município de Pilar, na Zona da Mata paraibana, às margens do Rio Paraíba, distante cerca de 50 quilômetros de João Pessoa, próxima a Itabaiana. A maior parcela da ação se desenvolve nas terras do engenho Santa Fé, nos arredores do Pilar. Na cidade, passa-se boa parte da última seção da obra.

O desenrolar dos acontecimentos se dá durante os primeiros anos do século XX, com uma regressão temporal à época da fundação do engenho Santa Fé, em 1850. E embora seja traçada rapidamente a história do engenho até o momento narrado, as ações em si não duram mais do que alguns meses.

O título

Os “engenhos” do Nordeste eram, originalmente, estabelecimentos agrícolas destinados à cultura da cana e à fabricação do açúcar. Com a ascensão das usinas, que passaram a comprar dos engenhos sua produção bruta, a cana de açúcar ainda não processada, para fabricar o açúcar, a maior parte desses engenhos foi, aos poucos, deixando de “botar”, moer a cana para a fabricação do açúcar.

Passam, então, apenas a vender a matéria prima às usinas, tornando-se engenhos “de fogo morto”. Perdem, assim, boa parte de seu poder, tornando-se reféns dos preços pagos pelas usinas. É como se encontra, ao final de Fogo Morto, o decadente engenho Santa Fé.

Estrutura Triangular

Fogo Morto é dividido em três partes. Cada uma delas traz no título o nome de um dos três personagens principais do romance. Mas as três partes se entrecruzam, os personagens aparecem ao longo de todo o livro.

O coronel Lula de Holanda, senhor de engenho inepto e decadente, o mestre José Amaro, seleiro pobre e orgulhoso, e Vitorino Carneiro da Cunha, o papa-rabo, herói quixotesco, defensor estabanado dos oprimidos. É Vitorino, misto de Dom Quixote e Sancho Pança, em suas andanças e na sua busca ingênua de justiça, quem estabelece as relações entre todas as personagens, servindo como ponto central da narrativa.

Primeira Parte: O Mestre José Amaro

A primeira parte do romance centra-se na casa, à beira da estrada no engenho Santa Fé, do Mestre José Amaro, seleiro orgulhoso e machista, que recusa-se a ser dominado por qualquer um, só trabalha para quem escolhe e admira o cangaceiro Antônio Silvino.

Boa parte deste trecho da obra se constrói através dos diálogos travados por José Amaro com os passantes. Entre estes está o compadre Vitorino Carneiro da Cunha, apelidado pelas crianças de Papa-rabo. O Mestre irrita-se com o Coronel Lula de Holanda, dono das terras em que mora, e que sempre vê cruzando a estrada em seu cabriolé, sem jamais parar para cumprimentá-lo.

Vai adiando, portanto, atender ao chamado do Coronel para que vá com ele conversar na casa grande. Vemos o lento processo de enlouquecimento de Marta, sua filha, em quem José Amaro bate para tentar curar.

O Mestre recebe uma encomenda de compras de Antônio Silvino e sente-se muito orgulhoso em poder ajudá-lo. Seu caráter fechado e ranzinza vale-lhe a fama de se transformar em “lobisomem”, e as pessoas temem encontrar com ele à noite. Por fim, tem que mandar a filha para o hospício em Recife e acaba por atender ao chamado do coronel Lula, que lhe ordena que se retire de suas terras.

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