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sexta-feira, dezembro 13, 2024

Tratado Internacional

O constitucionalismo moderno tem, na promulgação de um texto escrito contendo uma declaração dos Direitos Humanos e de cidadania, um dos seus momentos centrais de desenvolvimento e de conquista, que consagra as vitórias do cidadão sobre o poder.

Usualmente, para determinar a origem da declaração no plano histórico, é costume remontar à Déclaration des droits de l’homme et du citoyen, votada pela Assembléia Nacional francesa em 1789, na qual se proclamava a liberdade e a igualdade nos direitos de todos os homens, reivindicavam-se os seus direitos naturais e imprescritíveis (a liberdade, a propriedade, a segurança, a resistência à opressão), em vista dos quais se constitui toda a associação política legítima. Na realidade, a Déclaration tinha dois grandes precedentes: os Bills of rights de muitas colônias americanas que se rebelaram em 1776 contra o domínio da Inglaterra e o Bill of right inglês, que consagrava a gloriosa Revolução de 1689.

Do ponto de vista conceptual, não existem diferenças substanciais entre a Déclaration francesa e os Bills americanos, dado que todos amadureceram no mesmo clima cultural dominado pelo jusnaturalismo e pelo contratualismo: os homens têm direitos naturais anteriores à formação da sociedade, direitos que o Estado deve reconhecer e garantir como direitos do cidadão. Bastante diverso é o Bill inglês, uma vez que nele não são reconhecidos os direitos do homem e sim os direitos tradicionais e consuetudinários do cidadão inglês, fundados na common law. Durante a Revolução Francesa foram proclamadas outras Déclarations (1793, 1795): interessante a de 1793 pelo seu caráter menos individualista e mais social em nome da fraternidade, e a de 1795, porque ao lado dos “direitos” são precisados também os “deveres”, antecipando assim uma tendência que tomará corpo no século XIX (podemos pensar nos Doveri delI’uomo, de Mazzini); a própria Constituição italiana tem como título da primeira parte “Direito e deveres do cidadão”.

A declaração dos direitos colocou diversos problemas, que são a um tempo políticos e conceptuais. Antes de tudo, a relação entre a declaração e a Constituição, entre a enunciação de grandes princípios de direito natural, evidentes à razão, e à concreta organização do poder por meio do direito positivo, que impõe aos órgãos do Estado ordens e proibições precisas: na verdade, ou estes direitos ficam como meros princípios abstratos (mas os direitos podem ser tutelados só no âmbito do ordenamento estatal para se tornarem direitos juridicamente exigíveis), ou são princípios ideológicos que servem para subverter o ordenamento constitucional. Sobre este tema chocaram nos fins do século XVIII, de um lado, o racionalismo jusnaturalista e, de outro, o utilitarismo e o historicismo, ambos hostis à temática dos direitos do homem. Era possível o conflito entre os abstratos direitos e os concretos direitos do cidadão e, portanto, um contraste sobre o valor das duas cartas.

Assim, embora inicialmente, tanto na América quanto na França, a declaração estivesse contida em documento separado, a Constituição Federal dos Estados Unidos alterou esta tendência, na medida em que hoje os direitos dos cidadãos estão enumerados no texto constitucional.

Um segundo problema deriva da natureza destes direitos: os que defendem que tais direitos são naturais, no que respeita ao homem enquanto homem, defendem também que o Estado possa e deva reconhecê-los, admitindo assim um limite preexistente à sua soberania. Para os que não seguem o jusnaturalismo, trata-se de direitos subjetivos concedidos pelo Estado ao indivíduo, com base na autônoma soberania do Estado, que desta forma não se autolimita. Uma via intermediária foi seguida por aqueles que aceitam o contratualismo, os quais fundam estes direitos sobre o contrato, expresso pela Constituição, entre as diversas forças políticas e sociais. Variam as teorias mas varia também a eficácia da defesa destes direitos, que atinge seu ponto máximo nos fundamentos jusnaturalísticos por torná-los indisponíveis.

A atual Constituição da República Federal alemã, por exemplo, prevê a não possibilidade de revisão constitucional para os direitos do cidadão, revolucionando assim toda a tradição juspublicista alemã, fundada sobre a teoria da autolimitação do Estado.

O terceiro problema refere-se ao modo de tutelar estes direitos: enquanto a tradição francesa se cingia à separação dos poderes, e sobretudo à autonomia do poder judiciário, e à participação dos cidadãos através dos próprios representantes, na formação da lei, a tradição americana, desconfiada da classe governante, quis uma Constituição rígida, que não pudesse ser modificada a não ser por um poder constituinte e um controle de constitucionalidade das leis aprovadas pelo legislativo. Isto garante os direitos do cidadão frente ao despotismo legal da maioria. Os Países que a experiência do totalitarismo, como a Itália e a Alemanha, inspiraram-se mais na tradição americana do que na francesa para a sua Constituição.

Finalmente, estes direitos podem ser classificados em civis, políticos e sociais. Os primeiros são aqueles que dizem respeito à personalidade do indivíduo (liberdade pessoal, de pensamento, religião, de reunião e liberdade econômica), através da qual é garantida a ele uma esfera de arbítrio e de liceidade, desde que seu comportamento não viole o direito dos outros. Os direitos civis obrigam o Estado a uma atitude de impedimento, a uma abstenção. Os direitos políticos (liberdade de associação nos partidos, direitos eleitorais) estão ligados à formação do Estado democrático representativo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na determinação dos objetivos políticos do Estado Os direitos sociais (direito ao trabalho, à assistência, ao estudo, à tutela da saúde, liberdade da miséria e do medo), maturados pelas novas exigências da sociedade industrial, implicam, por seu lado, um comportamento ativo por parte do Estado ao garantir aos cidadãos uma situação de certeza.

O teor individualista original da declaração, que exprimia a desconfiança do cidadão contra o Estado e contra todas as formas do poder organizado, o orgulho do indivíduo que queria construir seu mundo por si próprio, entrando em relação com os outros num plano meramente contratual, foi superado: pôs-se em evidência que o indivíduo não é uma mônada mas um ser social que vive num contexto preciso e para o qual a cidadania é um fato meramente formal em relação à substância da sua existência real; viu-se que o indivíduo não é tão livre e autônomo como o iluminismo pensava que fosse, mas é um ser frágil, indefeso e inseguro. Assim, do Estado absenteísta, passamos ao Estado assistencial, garante ativo de novas liberdades. O individualismo, por sua vez, foi superado pelo reconhecimento dos direitos dos grupos sociais: particularmente significativo quando se trata de minorias (étnicas, lingüísticas e religiosas), de marginalizados (doentes, encarcerados, velhos e mulheres).

Tudo isto são conseqüências lógicas do princípio de igualdade, que foi o motor das transformações nos conteúdos da declaração, abrindo sempre novas dimensões aos Direitos Humanos e confirmando por isso a validade e atualidade do texto setecentista.

A atualidade é demonstrada pelo fato de hoje se lutar, em todo o mundo, de uma forma diversa pelos direitos civis, pelos direitos políticos e pelas direitos sociais: fatalmente, eles podem não coexistir, mas, em vias de princípio, são três espécies de direitos, que para serem verdadeiramente garantidos devem existir solidários. Luta-se ainda por estes direitos, porque após as grandes transformações sociais não se chegou a uma situação garantida definitivamente, como sonhou o otimismo iluminista. As ameaças podem vir do Estado, como no passado, mas podem vir também da sociedade de massa, com seus conformismos, ou da sociedade industrial, com sua desumanização. É significativo tudo isso, na medida em que a tendência do século atual e do século passado parecia dominada pela luta em prol dos direitos sociais, e agora se assiste a uma inversão de tendências e se retoma a batalha pelos direitos civis.”

TRATADOS INTERNACIONAIS

Os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos representam imprescindíveis instrumentos normativos, portanto, devem ser observados atentamente e com bons olhos, pois emanam normas que visam acima de tudo o respeito à dignidade da pessoa humana. Há de se lembrar ainda que a dignidade humana é o valor supremo que norteia nosso Ordenamento Jurídico.

Estes instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos não podem ser ignorados, aliás, ignorá-los é ignorar a própria importância da dignidade da pessoa humana.

Os Tratados Internacionais sobre Direitos humanos, detém status de norma constitucional, conforme o art. 5º, §2º da Constituição Federal que dispõe:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Verificando que a própria Magna Carta confere valor constitucional aos referidos Tratados, indaga-se: Como fica este panorama após a Emenda Constitucional nº 45 de 2004?

A referida emenda constitucional acrescentou o §3º ao art. 5º que dispõe:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

A norma insculpida no §3º do art. 5º visa a atribuir status formalmente constitucional aos Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, ou seja, se obedecerem ao procedimento do §3º serão equivalentes a Emendas Constitucionais.

O status constitucional dos referidos Tratados remanesce incólume, pois, ainda que não sejam aprovados pelo procedimento previsto no §3º do art.5º, estes instrumentos de proteção dos direitos humanos são materialmente constitucionais, integrando assim o chamado bloco de constitucionalidade.

Tratados no Ordenamento Jurídico Brasileiro

A inaplicabilidade da prisão civil do depositário infiel, que mesmo tendo amparo na Constituição Federal, encontra vedação no art. 7º, 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que dispõe: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Assim, toda e qualquer norma que permita a prisão do depositário, ainda que tenha fulcro na Carta Magna, não é aplicável, não é válida, pois conflita manifestamente com o Pacto de São José da Costa Rica que só permite a prisão civil em razão do inadimplemento de obrigação alimentar.

Mas como fica o conflito entre o dispositivo da Constituição Federal e o do Pacto de São José da Costa Rica?O conflito é resolvido pela aplicação do princípio pro homine, que em linhas gerais significa que se aplica a norma mais favorável à pessoa humana, sendo que no caso em comento, a mais favorável é a norma do Pacto de São José da Costa Rica.

O segundo exemplo é o do caso hoje já superado pela revogação do arcaico dispositivo do Código de Processo Penal (art.594) que vedava a apelação ao réu que condenado não se recolhesse a prisão. Ainda que não houvesse a revogação do perverso dispositivo pela lei 11.719/08; ou ainda que não existisse a súmula nº 347 do Superior Tribunal de Justiça (lembrando que esta é anterior a Lei revogadora) que assegura o direito de apelar em liberdade independentemente do recolhimento do réu a prisão, tudo isso se resolveria favoravelmente ao réu em razão de previsão na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de norma que assegura “direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior” (art.8º, 2, h).

Diante do art. 8º, 2, h, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, nenhum juiz ou Tribunal pode condicionar o direito de recorrer do réu ao seu recolhimento à prisão, pois, agindo assim estar-se-ia violando manifesta e arbitrariamente norma de status constitucional. Ademais, por força do princípio da presunção de inocência, a prisão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória somente se justifica quando presente efetivamente os requisitos da prisão preventiva (o que deve ser demonstrado fundamentadamente pelo juiz), pois, estando a decisão condenatória sujeita a recurso, o réu pode revertê-la, portanto, seu status de presumivelmente inocente remanesce incólume, o que reforça a necessidade da presença dos requisitos da preventiva para o encarceramento cautelar.

Necessário lembrar que o princípio da não auto-incriminação, assegurado pela Constituição Federal, também encontra-se no Pacto de São José da Costa Rica, no art. 8º, 2, g, que dispõe ser direito da pessoa acusada “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”, e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no art. 14, 3, g, que também dispõe ser um direito da pessoa acusada “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. Exemplo de violação do referido princípio assegurado pela Constituição Federal e pelos referidos Tratados Internacionais, vem ocorrendo após o advento da “Lei Seca”(Lei 11.705/08 que alterou o Código de Trânsito Brasileiro), em que motoristas flagrados embriagados ou não, em razão da negativa de sujeição ao exame do bafômetro, são conduzidos a delegacias pelo crime de desobediência.

Aquele que exerce um direito autorizado por uma norma, não pode ser “enquadrado” num tipo legal. Por força da tipicidade conglobante (ZAFFARONI), aquilo que é autorizado ou fomentado por uma norma não pode ser proibido por outra, logo, se a alteração do Código de Trânsito Brasileiro, instituída pela lei 11.705/08 permite interpretação equivocada no sentido de que comete infração administrativa ou infração penal o motorista que se nega a realizar o exame de sangue ou o bafômetro, o dispositivo deve ser interpretado conforme a Constituição (e os referidos Tratados Internacionais) sob pena de inconstitucionalidade, pois, é um direito de todos a não auto-incriminação.

Assim, aquele que se negar a submeter-se ao exame do bafômetro ou exame de sangue não pode ser conduzido à delegacia por crime de desobediência, pois, o que é autorizado por uma norma não pode ser proibido por outra, logo, não há crime.

Destarte, qualquer dispositivo que obrigue indivíduo a se auto-incriminar, não é válido, pois, ofende a Constituição Federal, o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, logo, é inconstitucional.

Cumpre lembrar que jurisprudência de um modo geral, sempre negou o status de norma constitucional aos referidos instrumentos de proteção aos direitos humanos.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal analisando a prisão do depositário infiel, modificou radicalmente seu entendimento que era o de que os referidos tratados gozavam de valor de lei ordinária, para reconhecer a superioridade destes louváveis instrumentos, adotando a tese do ministro Gilmar Mendes (RE 466.343/SP), conferindo aos tratados sobre direito humanos valor supralegal (informativo 531), ou seja, os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos estão acima da legislação ordinária, mas abaixo da Constituição Federal.

No Supremo Tribunal Federal, o debate acerca do efetivo status dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos (Convenção Americana Sobre Direitos Humanos) consolidou duas correntes: uma defendida pelo Ministro Gilmar Mendes (RE 466.343/SP), que conferia status supralegal aos tratados; e uma segunda corrente, defendida pelo Ministro Celso de Mello (HC.87.585/TO) que conferia status constitucional aos tratados.

Como dito anteriormente, venceu por cinco votos a quatro (informativo 531), a tese da supralegalidade dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos. Assim, com esta decisão extraordinária foi rechaçada de uma vez por todas a atroz prisão do depositário infiel.

Em que pese a tese da supralegalidade representar um inegável avanço para nosso Estado Democrático de Direito, continuaremos defendendo que os Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos, uma vez subscritos pelo Brasil, tem incorporação automática em nosso Ordenamento Jurídico e status CONSTITUCIONAL, lembrando que o fundamento para o valor constitucional dos referidos Tratados encontra-se no art. 5º, § 2º da Constituição Federal que dispõe: os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Destarte, para nós, o dispositivo constitucional demonstra claramente o valor constitucional dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos. Lembrando ainda que a norma insculpida no §3º do mesmo art. 5º visa a atribuir status formalmente constitucional, assim, todo Tratado Internacional sobre Direitos Humanos, uma vez subscritos pelo Brasil, tem incorporação automática em nosso Ordenamento e status materialmente constitucional. Se passarem pelo procedimento previsto no §3º do art.5º da Magna Carta, passam a contar também com status formalmente constitucional, sendo equivalentes a emendas constitucionais.

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