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segunda-feira, dezembro 2, 2024

Neo Realismo e Cinema Moderno

Autoria: Bruna Cirqueira

NEO REALISMO E CINEMA MODERNO

TEMA: Estabeleça uma comparação entre o neo-realismo e o cinema contemporâneo a partir de uma comparação – sobretudo estética – entre um filme do movimento e um realizado dos anos 80 até a atualidade, que não seja nem americano, nem brasileiro.

Os filmes que escolhi para trabalhar o tema foram “A Terra Treme” (1948), de Luchino Visconti; e “Os Sonhadores” (2003), de Bernardo Bertolucci. As duas obras se passam em momentos políticos determinantes historicamente. A primeira, no pós-2a Guerra Mundial, e a segunda, na Paris de maio de 68, tomada por movimentos estudantis que eclodiram em uma guerrilha urbana, contra a repressão social.

“A Terra Treme” é o primeiro filme de uma trilogia sobre os trabalhadores da Sicília que nunca foi concluída. Este capítulo, o “Episodio del Mare”, é um drama sobre o cotidiano de pescadores explorados por comerciantes de peixes. Dois jovens de uma família tentam se livrar desta situação vendendo a mercadoria sem intermediários. O povo mostra-se reacionário. Eles penhoram a casa para comprar um barco, que afunda. Ninguém da cidade os ajuda e a família entra em ruína.

Logo no início do filme, sobe um letreiro que fala de alguns princípios neo-realistas utilizados pelo diretor: não utilização de cenários ou estúdio e, principalmente, não utilização de atores profissionais: as personagens são interpretadas pelos próprios moradores da cidade, que inventam seus respectivos diálogos.

O movimento neo-realista começou nas vésperas da deposição do ditador italiano Mussolini, em 1943. Um dos seus objetivos era ir contra a ideologia e a estética do cinema fascista – que visava conduzir politicamente o povo através do cinema e de sua linguagem.

O neo-realismo rejeita todo o paradigma do cinema clássico e do sistema de estúdios: a dramaturgia fechada, o culto às estrelas, a montagem retórica e ao meio como puro entretenimento, fábrica de sonhos. Neste tipo de filme, o close é vastamente utilizado, para chamar a atenção para o rosto do ator. Nos filmes neo-realistas, como no estudado, ele não é usado. O happy end, praxe nos filmes do sistema de estúdio, não aparece nos filmes neo-realistas, com neste filme de Visconti

O prefixo neo (novo) aparece pelo movimento se diferenciar das correntes realistas do cinema francês dos anos 30, do praticado na escola soviética e do literário, do século XIX. Com o país devastado pela guerra, o cinema italiano de estúdios estava arruinado. Não havia recursos para se fazer filmes da mesma forma que eles vinham fazendo. Rosselini entretanto mostra que o cinema italiano podia continuar existindo, pois a estética e a técnica neo-realistas permitem que uma produção seja executada a baixíssimos custos.

“Os Sonhadores” conta a história de um estudante americano (Mathew) que, em Paris, desenvolve uma amizade tão profunda quanto insólita com dois gêmeos franceses (Theo e Isabelle). A paixão pelo cinema os une. Bertolucci homenageia diversos diretores, como Godard e Truffaut. É metalingüístico neste sentido. São inseridas imagens de filmes que dialogam com a trama e imagens documentais do momento político representado (manifestação em frente à Cinématheque Française).

Metalinguagem é um recurso impensável para o cinema neo-realista, que busca falar do mundo, e não da arte. O tom de “A Terra Treme”, devido ao seu processo de produção, é muitas vezes tão natural que sentimos estar vendo um documentário.

O filme é feito principalmente de planos gerais. A ação se desenrola quase sem que haja decupagem no plano. Os atores se movem no quadro, em um movimento coreografado, como nas cenas no interior da casa, em que a câmera está quase sempre fixa e vários atores, ao mesmo tempo entram, saem, se vestem, se deitam etc. Há também uso extensivo de carrinho, em planos seqüência. Como por exemplo nas cenas do mercado de peixe. A câmera passeia vários metros para mostrar o cotidiano do local em apenas um plano.

Em “Os Sonhadores” há um equilíbrio entre os planos gerais, médios e detalhe. A cada cena são usados vários fragmentos, para o desenrolar da narrativa. Há, entretanto, um belo plano seqüência: quando os gêmeos colocam Mathew no elevador, sobem de escada, entram com ele no apartamento e atravessam os corredores. O carrinho também é utilizado, na cena em que eles andam pelo Champs Elisé, por exemplo.

Visconti era marxista e esta sua corrente ideológica é claramente representada em seus filmes. Em “O amor bate à sua porta”, o diretor conta a história de uma mulher que, como seu amante, planeja matar o marido. Esta temática é um atentado à instituição familiar, um dos alicerces do fascismo. Em “A Terra Treme”, ao perceber a ruína que seus planos empreendedores e gananciosos causaram à sua família, `Ntoni a abandona, seduzido por um comerciante estrangeiro a tentar fazer fortuna fora de sua cidade. Sua personagem não volta a aparecer no filme.

A relação dos personagens com a família, no filme de Bertolucci, é diferente. Apesar de também abordar choque entre gerações – idéias dos jovens entrando em conflito com as dos mais velho, neste segundo exemplo, não há uma preocupação dos filhos em relação ao bem-estar da família como um todo. Não há ambições, vivem apenas em uma utopia política contraditória e desconectada com a real situação. Theo chega a dizer que gostaria de vez os pais mortos, apesar de depender deles para seu sustento.

Os dois filmes também abordam a temática religiosa. Enquanto o pai dos gêmeos parece ter algum tipo de reflexão metafísica, seus filhos são absolutamente céticos (Théo:O fato de Deus não existir não quer dizer que ele possa pegar o Seu lugar). Em “A Terra Treme”, Deus é sempre aquele que os ajudará, todos acreditam nisto.

No final de “A Terra Treme”, a casa da família revolucionaria aparece pichada com o símbolo do comunismo, ilustrando o preconceito por parte do resto dos moradores contra eles. A família é religiosa e conservadora, não se consideram comunista, apesar do ideal dos jovens. É interessante reparar que ocorre justamente o contrário em “Os Sonhadores”: os jovens têm um busto de Mao Tsé Tung e enaltecem o comunismo, mas se comportam de forma oposta, alienados e egoístas.

Voltado à questão estética, podemos notar uma grande diferença entre a forma de edição dos dois filmes. Em “A Terra Treme”, a montagem é discreta, característica do movimento. Evita dar um sentido à imagem que ela não tinha na hora da gravação. Os neo-realistas eram contra a filosofia da escola soviética, que valorizava a atribuição de novos significados na montagem. Por outro lado, o cinema russo, principalmente o de Vertov, teve influencia dos neo-realistas no que diz respeito à autenticidade das imagens e da arte como um fator de mudança social.

A montagem no filme de Bertolucci busca, na maioria dos casos, não se sobrepor à história contada. Ele exercita o malabarismo com planos curtos, criticada pelo crítico neo-realista Zavattini, não para criar efeitos psicológicos (a não ser em algumas exceções) mas como um auxílio para a narrativa. De qualquer forma, sua estrutura é bem diferente da dos planos longos de Visconti, que tentavam preservar a integridade de tempo nos acontecimentos e fazer uma arte que não fosse reconhecida como arte, mas como realidade.

Além da montagem narrativa discreta, “Os Sonhadores” possui efeitos como a câmera lenta (quando Isabelle queima o cabelo), a repetição de imagens e a já comentada inserção de fragmentos de outros filmes. Por se tratar de uma homenagem ao cinema, o diretor faz algo que seria impensável para um cineasta do neo-realismo.

Suas citações rompem com qualquer ilusão de realidade que o filme estivesse conseguindo transmitir até então. Para o expectador contemporâneo, acostumado com a linguagem do videoclipe, estas inserções de imagens de outros filmes não incomodam, não o retiram do universo ficcional. A qualidade das atuações e da arte constroem um universo crível para o espectador, que não resiste em acreditar na ficção.

A construção dos cenários deste filme é extremamente cuidadosa. O quarto de Théo poderia, com seus pôsteres, contar a história do cinema por si só. O enquadramento sempre compõe com o segundo plano o que está sendo mostrado no primeiro. Quando falam sobre egocentrismo, Isabelle está lendo um livro cujo título é seu nome. Quando falam sobre Godard, vemos no fundo seu nome em um pôster.

A música também dialoga com a ação durante todo o filme. Mathew e Isabelle saem para um encontro – o primeiro de verdade, como namorados. Ouvimos na música Todos os meninos e as meninas da minha idade passeiam pela rua aos pares/ Com os olhos nos olhos e as mãos sobre as mãos. E lá estão eles, representando exatamente o que está descrito na letra (e agindo com a mesma doçura da melodia).

No filme de Visconti, os poucos momentos em que há presença de música, ela é justificada, mostrando sua fonte na cena (homem que toca flauta, por exemplo). Os neo-realistas consideram que músicas inseridas nas trilhas sonoras diminuem o efeito de realidade que seus filmes buscam passar.

Apesar da ambição dos participantes do movimento de fazer uma arte que pudesse ser contemplada como um recorte do real, a perfeição estética de seus planos chamam atenção para o caráter artístico do trabalho. As sombras constantemente compõem o quadro – sombra de grades em cima dos personagens, sombras que entram e saem de quadro antes ou depois dos personagens, tudo isso conjugado com o lindo balé dos movimentos cotidianos.

Esta preocupação com a perfeição estética do quadro e da ação simultânea de diversos personagens também é presente no trabalho de Bertolucci. Théo, Isabelle e Mathew, na noite em que se conhecem, descem correndo uma escadaria. A luz projeta uma sombra gigante na parede, que se movimenta com uma leveza e imponência que lembra o universo fantástico dos desenhos animados e antecipa o mundo à parte do real em que estas personagens passaram a estar a partir de então. Vemos a coreografia do movimento, neste caso – o do filme contemporâneo – conjugado com o movimento da câmera, na primeira cena dos personagens na banheira.

Os filmes pós-modernos se caracterizam por não exprimir um ponto de vista como único possível, tenderem a relativizar esta questão. Neste filme de Bertolucci, acompanhamos o processo de Mathew. Ele a princípio se apaixona pela forma de vida dos gêmeos e depois nota que ela não se sustenta. “A Terra Treme” também há essa relativização, mas de forma distinta. O diretor parece mostrar que o comunismo é sim a única maneira de livrar aquele povoado da beira da miséria, mas ele fala também que isto não acontecerá pois nem o firmamento e nem a ideologia retrógrada dos oprimidos permitem esta revolução. Visconti deixa em aberto a questão da validade da atitude revolucionária.

O movimento neo-realista entre em crise no final dos anos 50. Com a reconstrução econômica da Itália através do Plano Marshall, seu clima fatalista deixou de fazer sentido. A realidade que se propunha a representar agora estava transformada. Além disso, seus filmes deixaram de ser populares e os lucros com a bilheteria estavam cada vez menores. O cinema italiano voltou para o esquema dos estúdios e do star system.

Mesmo com sua breve duração, o movimento marcou profundamente o rumo das cinematografias pelo mundo. Suas inovações, junto das trazidas com o filme “Cidadão Kane”, de Orson Welles, são o ponto de partida de todas as tendências estéticas do cinema no pós-guerra. Godard, por exemplo, critica nos anos 60 o domínio do imperialismo econômico (crítica social), além de explorar a linguagem. Influenciou também a o Brasil, em filmes como “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos. Um exemplo mais atual é a cinematografia iraniana dos anos 90, que utiliza o mínimo de recursos para expressar o que quer e também aborda temas cotidianos, com enfoque humanista.

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