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quinta-feira, março 28, 2024

O CRIME ORGANIZADO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O Crime Organizado na legislação brasileira

Não há uma fórmula exata e eficaz para o combate do crime organizado devido à peculiaridade de cada organização, e como já vimos os diversos fatores variantes que propiciam seu surgimento e estabelecimento em um meio social. Mesmo assim, de modo que esse tipo de crime está incrustado na sociedade, o Estado deve regulamentar leis a fim de combatê-lo, se não controlá-lo, considerando a máxima que as leis devem se adaptar a sociedade e não de forma contrária. Assim ao surgir um fato criminoso, seus efeitos negativos refletem na sociedade, acionando os legisladores ao estudo do fato, na busca de uma solução que possa conter os efeitos editam leis específicas. Depois de editada a lei as medidas trazidas por esta, comumente geram efeitos em longo prazo, se gerar tais efeitos. Em um país em que existem leis que “pegam” ou “não pegam” o caminho percorrido na criação de uma lei até ela se tornar eficaz é um problema na legislação brasileira e dos seus operadores.

Quando se fala em crime organizado, a legislação pátria é limitada, uma vez que os primeiros sinais mais evidentes do surgimento desse tipo de crime ocorreram entre a década de 70 e 80 emergindo do sistema prisional e a resposta dada pelo Estado na edição da primeira lei que versou sobre o assunto ocorreu apenas no ano de 1995 de forma tardia e ineficaz, visto as inúmeras críticas que sofreu desde a falha conceitual até uma omissão do que seriam propriamente atos característicos de organizações criminosas, mesmo com a dificuldade de conceito e elementos característicos, já tratados em capítulo anterior, o legislador não poderia se omitir ao esbarrar nesses problemas e privar a lei de pontos primordiais para que ela pudesse realizar sua finalidade maior, de ser útil combatendo o que aflige a sociedade, tornando-se eficaz.

Em relação ao “jogo do bicho”, uma modalidade organização criminosa, o Estado em 1944 alterou a Lei das Contravenções Penais penalizando aqueles que participassem de qualquer forma desse tipo de jogo, podendo até alegar agilidade quanto à resposta legislativa, entretanto não se pode falar o mesmo da eficácia, analisando o fato de que o período auge da contravenção foi na década de 80 e perdura até os dias atuais, acompanhando o ritmo do avanço tecnológico ao inserir meios eletrônicos como facilitador no enriquecimento de quem controla esse tipo de crime.

Sobre a legislação adequada, além das linhas gerais regulamentadas no Código Penal e os institutos do Código de Processo Penal, veremos as normas existentes sobre o crime organizado, os dispositivos pertinentes contidos na Carta Maior, e as leis especiais utilizadas na investigação do crime organizado.

Críticas doutrinárias consideram o Direito Penal ultrapassado para regulamentar essa modalidade de crime avançada, não descrita em um diploma do ano de 1940, como nos mostra Hassemer apud Shulze (2006):

Hassemer questiona que os modernos problemas da criminalidade deixam o Direito Penal incapacitado, acuado, levantando a questão de se refletir sobre este problema, visando solucioná-lo, com algo mais eficaz. No entanto, adverte que o Direito Penal tem uma tradição normativa de proteção jurídica enquanto estamos pensando erroneamente num direito de combate e vitória.

Apesar disso não devemos desconsiderar nenhum ramo das ciências, principalmente criminais, que possa servir de complemento para a solução do problema, não deixando de atribuir à devida importância do Código Penal ditando as regras gerais e os princípios fundamentais.

Quanto aos institutos processuais penais que mais contribuem para a investigação do crime organizado, são: a busca e apreensão, delação premiada, escuta telefônica e ambiental, quebra do sigilo fiscal e bancário, agentes infiltrados, ação controlada, estão também descritos na lei específica sobre o crime organizado.

A Lei nº 9.034/95 alterada posteriormente pela Lei nº 10.217/06 é a regra mais importante no país sobre a criminalidade organizada, dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão das ações praticadas por organizações criminosas, juntamente com outras que mencionam esse tipo de crime como: a Lei nº 7.210/84, lei de execução penal em seu art. 52, §2º dispondo que: o preso provisório ou o condenado tendo fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas e em quadrilha ou bando estará sujeito ao regime disciplinar diferenciado; Lei nº 9.613/98 dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta lei, cria o Conselho de Atividades Financeiras – COAF; a Lei nº 9.807/99 que trata da proteção de vítimas e testemunhas; e Lei nº 11.343/06, lei antidrogas.

Não podemos deixar de analisar como o principal regimento pátrio, a Constituição Federal Brasileira de 1988, que coordena todas as outras leis, lhes dando o suporte e diretrizes para uma aplicação justa da norma, se posiciona em repulsão ao crime organizado.

1.1. A Constituição e o crime organizado

A Carta Magna de 1988, não se refere de modo expresso ao crime organizado, naturalmente não menciona sobre os métodos de prevenção e repressão, mas em seu artigo 5º, XLIII abre a possibilidade de uma interpretação extensiva ao caso, quando torna inafiançável e sem previsão de graça ou anistia em prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, os definidos como crimes hediondos (homicídio qualificado e praticado por grupos de extermínio, extorsão qualificada por morte, entre outros) crimes típicos de organizações criminosas, complementando o entendimento do artigo, respondem os mandantes, os executores e os que tinham conhecimento do fato criminoso e se omitiram.

Considerando o tráfico de drogas como um dos negócios mais comuns do crime organizado, a Constituição possui dispositivos trazidos a baila e que podem também serem aplicáveis. No capitulo sobre Segurança Pública a Constituição atribui a Polícia Federal, sem impedir a ação de outros órgãos públicos, a prevenção e repressão do tráfico de drogas; na parte destinada aos Direitos e Garantias Fundamentais, o envolvimento de brasileiro naturalizado envolvido com crime em comento poderá ser extraditado, justamente como medida de combate ao tráfico internacional; nas Disposições Constitucionais Gerais prevê a expropriação de terras que são usadas para cultivar plantas psicotrópicas e o confisco dos bens de valor econômico apreendidos nas atuações da policia.

Os princípios que norteiam as relações internacionais, no artigo 4º da CF/1988, como a defesa da paz, a liberdade, igualdade e segurança dão suporte para a luta contra os crimes, em especial os de grande proporção, como o organizado, que põe em risco o bom convívio entre os povos. Como diz autor Miranda apud Silva (1994, p.21):

Ressalta a função ordenadora dos princípios fundamentais, bem como sua ação imediata, enquanto diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformarem as relações político-constitucionais, aditando, ainda,que a “ação imediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema”. Isso é certo.

Desse modo, a Constituição está apta a servir de fundamento as demais normas para o enfrentamento do crime organizado, não se esquecendo dos limites que a própria impõe quanto às garantias individuais. De modo a combater as irregularidades vindas de um excesso de vontade do Estado contra o crime organizado objetivando resolução do problema, o Princípio da Proporcionalidade se faz essencial no momento de criação de novas leis e principalmente na interpretação e aplicação das já existentes.

1.2. Meios de investigação

Observando como a lei investiga as ações do crime organizado, encontramos os incisos do artigo 2º da Lei nº 9.034/95 que admitem os procedimentos de investigação e formação de provas em qualquer fase da persecução penal, que são: a ação controlada; o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancários, financeiros e eleitorais; interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos e acústicos; e a infiltração policial. Outros meios como a colaboração processual na figura da delação premiada, a testemunha anônima e a inversão do ônus da prova.

1.2.1. Ação Controlada

É um meio de investigação previsto no artigo 2º, II da Lei nº 9.034/95, permite que a autoridade policial acompanhe um fato criminoso sem que efetue a prisão em flagrante de imediato dos envolvidos, no intuito de colher mais informações para identificar mais pessoas ligadas aquele crime e conseguir maior número de objetos de prova.

Também foi previsto na Lei antidrogas (nº 11.343/06) no artigo 53, II e parágrafo único, nesses termos:

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

II – a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Esse artigo condiciona a possibilidade da ação à autorização judicial depois manifestação do Ministério Público, complementando com o conteúdo do seu parágrafo único a lacuna deixada pela lei específica. Esta também não regulamentou um prazo de duração para ação controlada, condicionando até a formação de provas ou fornecimento de informações. Com isso o legislador cria uma situação que causa a ineficácia da medida, induzindo a desistência da investigação ao decorrer do tempo sem nenhum resultado positivo.

Nos ditames constitucionais a ação controlada não fere os princípios da Lei Maior, a não ser, se para averiguar os agentes e objetos criminosos, houver violação de domicílio sem a determinada autorização judicial.

A maior crítica a respeito é sobre o risco de deixar de efetuar a prisão em flagrante e posteriormente não identificar outros membros da organização criminosa nem apreender outros produtos do crime, perdendo a oportunidade de captura no primeiro momento.

Outro risco está ligado a omissão dos agentes policiais, pois não recorrendo a lei antidrogas a respeito da autorização judicial, agindo apenas de acordo com a lei do crime organizado, podem simplesmente não prender alguém argumentando tratar-se de organização criminosa.

1.2.2. Infiltração Policial

É um meio com origens na espionagem e serviços secretos, pelo qual o agente estatal, autorizado judicialmente, infiltra-se em uma organização criminosa, com intento de saber do seu funcionamento, características, partícipes, colhendo elementos que servirão de provas em momento oportuno. Permitida pela Lei do Crime Organizado e pela Lei Antidrogas, será aproveitada quando não houver outro meio de obtenção de provas, de acordo com o princípio da proporcionalidade, devido o seu alto risco.

Para ser posta em ação deve seguir recomendações legais, como prévia autorização judicial depois de ser ouvido o Ministério Público, determinação dos limites da ação do agente infiltrado, com devido acompanhamento de por superiores, mas a lei não satisfaz todos os requisitos para uma boa aplicabilidade do meio, cabendo ao juiz especificar os limites de atuação e usando da analogia do procedimento das interceptações telefônicas quanto o prazo de duração, que é de 15 dias prorrogados por igual período.

A sua aplicação é questionada, uma vez que para não ser descoberto como espião na organização, o agente deve comportar-se como um criminoso havendo a possibilidade dele cometer crimes. Não se desconsidera a situação de corrupção do agente, passando a colaborar em favor dos criminosos passando informações sobre o trabalho policial, um dos fatores que coloca o Estado em posição inerte, pois seus próprios representantes agem contra ele mesmo.

Há também o desrespeito ás regras de moralidade pública, pois o policial envolvido usa de artifício desleal para obter informações, as garantias individuais correm o risco de serem lesadas, pois da convivência em busca de provas, pode invadir de forma abusiva a vida privada das pessoas envolvidas.

Entretanto um impasse maior circunda as confissões e declarações fruto da operação, já que não estando protegidas pelas regras do interrogatório corre o risco de serem invalidadas, por não observar os princípios do direito ao silêncio e de não produção de provas contra si.

Esbarra também no conceito do que seja prova lícita e ilícita, sendo tarefa difícil essa separação, não se sabendo até que ponto as informações foram fruto da incitação do agente estatal para a prática de crimes.

3.2.3. Violação do sigilo das informações da vida privada

Nessa classificação estão os meios que envolvem a descoberta de provas através de interceptações telefônicas, gravações ambientais, filmagens, violação do sigilo bancário e fiscal, dados retirados de computadores, e entre ela um ponto em comum, a violação de sigilos da vida privada. No entanto, utilizados sob autorização judicial e com observância ao princípio da proporcionalidade que pondera os possíveis excessos e os princípios elencados no artigo 5º da Constituição Federal que resguardam a intimidade, vida privada (inciso X) e a inviolabilidade da correspondência, comunicações telegráficas, de dados, comunicações telefônicas (inciso XII), somente quanto esta última o legislador constituinte abriu a possibilidade de interceptação, admitindo excepcionalmente a violação dos demais, em hipótese de proteção a outro bem protegido constitucionalmente e de caráter superior considerando ainda o principio da proporcionalidade.

O instrumento mais comum no esclarecimento de crimes por organizações criminosas é a violação dos sigilos bancário e fiscal, porque o dinheiro resultado de ações ilícitas circula nas instituições financeiras e de alguma forma os agentes tentam escapar do controle fiscal.

Ao tentar proteger o sigilo de dados, bancário, fiscal e eleitoral andou mal o legislador que impôs um segredo exagerado, atribuindo apenas à figura do juiz o poder de realizar a diligência pessoalmente, como podemos ver no artigo da Lei nº 9.034/1995:

Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

§ 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.

§ 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.

§ 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de divulgação.

§ 4º Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.

§ 5º Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça.

Diante disso, vislumbramos diversos vícios de inconstitucionalidade no artigo acima citado. Ao sentenciar alguém considerando essas provas sigilosas, mesmo fundamentadas pelo principio do livre convencimento do juiz, há violação do princípio de que toda decisão deve ser motivada, descrito no artigo 93, IX da Constituição Federal. E ainda na garantia da ampla defesa, artigo 5º da Lei Maior, não se pode proibir o réu de apreciar as provas que lhe acusam. Mais um princípio foi vítima, o da imparcialidade, uma vez que quando o juiz produz as provas, vinculando-se a elas não teria escusa para julgamento do réu. E por fim, diante todo esse segredo, afronta também o princípio da publicidade.

Sobre o assunto Ada Pellegrini Grinover (1995, p.1):

A mais importante garantia do devido processo legal, que é a imparcialidade do juiz. E é, igualmente, inconstitucional porque vulnera o modelo acusatório, de processo de partes, instituído pela Constituição de 1988, quando considera os ofícios da acusação e da defesa como funções essenciais ao exercício da jurisdição, atribuindo esta aos juízes, que têm competência para processar e julgar, mas não para investigar no âmbito extraprocessual.

Depois de tantas críticas, não poderia ser diferente, o STF declarou inconstitucionalidade do artigo na ADIn 1.570-2, no que versa sobre a ineficácia na regulação dos sigilos, pois já são objetos de leis específicas e ao tratamento dispensado aos dados fiscais e eleitorais.

Em relação à interceptação ambiental, disposta no art. 2º, IV, da Lei do crime organizado é de possível aplicabilidade a partir de autorização judicial, não estava presente na lei de interceptação telefônica. Seu caráter inconstitucional está na violação do art. 5º, XII da CF/88, pois este não traz a interceptação ambiental, mas a telefônica, não cabendo ao legislador ordinário dizer diferente do que estabelece o texto constitucional.

3.2.4. Delação Premiada

O instituto tem por base a colaboração dos próprios criminosos de determinada organização que conhecem o funcionamento dessas detalhadamente fornecendo as informações para o Estado em troca de vantagens tanto na redução, isenção de pena ou perdão judicial quanto pelo arquivamento das peças de investigação, suspensão do processo.

Está prevista em várias leis, citamos algumas: Lei de Crimes Hediondos, , Lei de crimes de ordem tributária, Lei de crimes contra o sistema financeiro, Lei do crime de lavagem de dinheiro, Lei antidrogas, Lei de proteção a vítima se testemunhas. Na Lei do Crime organizado, artigo 6º, reduz a pena a 2/3 quando a colaboração for espontânea.

Os questionamentos sobre sua contribuição na investigação são na dificuldade de colaboração vinda do risco do colaborador obter benefício de redução de pena, continuará preso e sofrerá certamente represálias dos outros membros da organização. Em lado contrário, não se pode isentar totalmente a pena do colaborador, uma vez que as delações podem não ter nenhuma eficiência unido ao fato de serem revelados uma informação razoável, mas não a mais importante só para garantir a benesse.

Outro problema está na veracidade dos fatos relatados a autoridade, não há um meio de verificar se as informações dadas são reais. Além do que os delatores não prestam compromisso, não cometendo falso testemunho se faltar com a verdade.

Uma afronta aos direitos individuais está na condenação baseada no relato dos informantes, sem observação ao contraditório e participação da defesa, isso unido ao depoimento indireto dos policiais que localizaram o informante. Nesse diapasão o STF orientou que a condenação não pode ser determinada apenas pelo depoimento do colaborador.

3.2.5. Testemunha anônima e oculta

A prova testemunhal é muito usada no processo penal, vista como o tipo de prova mais comum. Conceituada por José Frederico Marques (2000, p.403):

A prova testemunhal é a que se obtém sobre fatos que se contêm no litígio penal. As pessoas que prestam esse depoimento têm o nome de testemunhas, as quais são, terceiros chamados a depor, sobre suas percepções sensoriais, perante o juiz.

Assim, a testemunha deve ser uma pessoa neutra no litígio, colaborando com o esclarecimento dos fatos, relatando-os compromissada com a verdade, sob pena de sofrer as penas cabíveis do crime de falso testemunho.

Trazendo esse meio de prova para o campo do crime organizado, buscando mais eficiência e proteção para as testemunhas, visto o elevado nível de violência e intimidação promovidas pelas organizações criminosas abriu-se a possibilidade da pessoa disposta a colaborar não ter sua identidade revelada em caso de testemunha anônima, ou quando tem identidade conhecida, mas não é vista pelo acusado, em situação de testemunho oculto, como distingue a doutrina.

A lei processual penal brasileira prevê a hipótese de testemunho oculto em seus artigos 217 e 185, parágrafo 8º, permitindo ao juiz que a oitiva da testemunha seja feita sem a presença do acusado, por meio de videoconferência da parte ré ou a sua retirada da sala de audiências. Outro tipo de assistência está na Lei nº 9.807/1999 na proteção de vítimas e testemunhas ameaçadas de acordo com a gravidade de cada caso, usando medidas descritas no seu artigo 7º, são elas: segurança na residência e controle de telecomunicações; escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos; transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; preservação da identidade, imagem e dados pessoais; ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda; suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar; apoio e assistência social, médica e psicológica; sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida; apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal, além de medidas excepcionais como a alteração de nome completo, inclusive do cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha. A duração dessa proteção é de no máximo de dois anos, podendo o indivíduo ser excluído a qualquer tempo. Diante tudo isso o grande questionamento é em torno da aplicabilidade dessa lei, se todas essas garantias são postas em prática. Nos parece que não, pelo menos na maioria dos casos.

A previsão legal da testemunha anônima no Brasil não foi contemplada, diferentemente do entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aceitando-a excepcionalmente por garantir a proteção de testemunhas importantes para o processo de comprovação dos crimes, entretanto apenas essa prova isolada não seria capaz de levar ninguém a condenação.

Concluímos que o ordenamento trata o assunto de maneira ineficaz, devido as lacunas e as inconstitucionalidades existentes, além da inaplicabilidade e a falta de proporção nas ações de investigação. O Estado peca na figura do seu Poder legislativo, na criação e alteração das leis, que são falhas ou em caso negativo, esbarram na falta de compromisso e até mesmo de condições de quem a aplica, impossibilitando a punição dos membros das organizações criminosas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

_______. Lei nº 9.034 de 3 de maio de 1995. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.

_______. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Que Juiz inquisidor é esse? Boletim IBCCrim 30/1, São Paulo, junho 1995.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Penal. Vol.2. 2.ed. Campinas: Milennium, 2000.

SCHULZE, Roberto. O CRIME ORGANIZADO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: por uma análise doTratamento distinto da criminalidade organizada no plano processual. Porto Alegre: 2006. Disponível em:. Acesso em: 24 de novembro 2011.

SILVA, Eduardo Araújo da.Crime organizado – procedimento probatório. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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