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quinta-feira, abril 18, 2024

OS CEM MELHORES CONTOS BRASILEIROS DO SÉCULO- Ítalo Moriconi

OS CEM MELHORES CONTOS BRASILEIROS DO SÉCULO – Ítalo Moriconi

Uma antologia de obras-primas da ficção curta. Para Júlio Cortazar, conto é aquele texto que corre em poucas linhas e em alta velocidade narrativa, capaz de nocautear o leitor com seu impacto dramático concentrado. Coube ao professor Ítalo Moriconi o desafio lançado pela Objetiva de garimpar os cem melhores textos do gênero produzidos no Brasil ao longo do século 20.

Um trabalho que deixasse de lado os rígidos critérios acadêmicos e fosse pautado somente pela qualidade e sabor dessas pequenas obras-primas. O resultado é a coletânea OS CEM MELHORES CONTOS BRASILEIROS DO SÉCULO, um passeio pela mais deliciosa e contundente ficção curta produzida no Brasil entre 1900 e o fim dos anos 90.

Uma antologia capaz de traduzir as mudanças do país e as inquietações de várias gerações de brasileiros, em cem anos de produção literária. A prova de que a arte do gênero não cessa de melhorar em nossa literatura.

Abrindo o volume, Pai contra mãe, de Machado de Assis que, por sorte do leitor, ainda estava vivo nos primeiros anos do século 20 (morreu em 1908). A edição separou os contos por períodos históricos, precedidos de nota introdutória apresentando os traços mais característicos do período: os diferentes caminhos da literatura no início do século; a consagração do modernismo nos anos 40 e 50; os conflitos de identidade dos anos 60; a violência da vida urbana dos anos 70; a exploração sem censura do corpo dos anos 80; a criativa irreverência dos anos 90.

Durante o trabalho de seleção dos contos, Ítalo Moriconi se deparou com algumas constatações. Entre elas a de que o Brasil produz um dos mais bem acabados contos do mundo, e que eles só melhoram com o passar do tempo.

Ainda: a partir dos anos 60, o texto curto explodiu no País, consolidando-se nos anos 70, que entrou para a história da literatura brasileira como a década do conto. Nos anos 80, houve um retorno do romance. Mas é justamente nesta época, ressalta Moriconi, que saltaram às prateleiras produções como as de Caio Fernando Abreu e Sérgio Sant`Anna.

Para ilustrar esse instigante e rico panorama, Moriconi escalou craques: João do Rio, Clarice Lispector, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Dinah Silveira de Queiroz, J.J.Veiga, Rubem Fonseca, Ana C. César, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Hilda Hilst, Dalton Trevisan, Moacyr Scliar, Lygia Fagundes Telles, Victor Giudice, João Antônio, Luiz Fernando Veríssimo, Raduan Nassar e Nélida Piñon, entre outros.

Ítalo Moriconi é doutor em Letras e professor de literatura brasileira e comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

DE 1900 AOS ANOS 30
MEMÓRIAS DE FERRO, DESEJOS DE TARLATANA
“Entre o passado triste e rural que persiste e o futuro vertiginoso que não chegou, o presente das primeiras décadas do século 20 explora linguagens diversas. Estamos rompendo os ferros da escravidão, alimentamos sonhos de carnaval e tarlatana, velocidade e multidão. São décadas em que ainda não existe uma linguagem brasileira padrão. Por isso, os contistas experimentam os mais variados estilos – desde os estrangeirismos à la mode de João do Rio aos regionalismos gaúcho e paulista de Simões Lopes Neto e Alcântara Machado, passando pelo insuperável, o eterno e moderno Machado de Assis. Por sorte, o maior escritor brasileiro do século 19 ainda estava vivo nos primeiros anos do século 20 (morreu em 1908). Tempo suficiente para escrever a obra-prima com que abrimos este volume”. (Ítalo Moriconi)

Pai contra mãe
Machado de Assis
Cândido Neves não gostava de trabalhar e não ficava muito tempo em emprego algum, depois de tentar vários ofícios assume a função de capturar escravos fugidos. Cândido casa-se com Clara que era órfã e morava com a tia Mônica. Os três passam a morar juntos e apesar da pobreza, divertem-se e fazem pancadas (festas). Até que o casal decide ter um filho, a contra gosto da tia.
Durante a gravidez, a situação financeira da família vai piorando até que no nono mês de gravidez de Clara, eles são despejados. Quando nasce o filho, tia Mônica insiste para que o menino seja entregue na “Roda dos enjeitados” para ser adotado. Cândido e Clara sofrem muito, mas aceitam. No caminho para a Roda, Cândido vê uma escrava fugida, captura a mulher e recebe uma gorda recompensa, podendo então manter seu filho em casa. Acontece que a escrava capturada estava grávida, e provavelmente abortou com os castigos recebidos pelo seu dono quando a recebera. Ficando,então, da amarga ironia de vida do filho de Candinho ter custado a vida do filho da escrava. Nesse final se justifica o título do conto Pai (Candinho) contra Mãe (escrava fugida).

O bebê de tarlatana rosa
João do Rio
Heitor de Alencar conta aos amigos barão Belfort, Anatólio de Azambuja e Maria Flor uma história que acontecera com ele num carnaval.
Na busca da luxúria e do prazer, Heitor cerca-se de amigos e atrizes no carnaval. Na primeira noite decidem ir a um clube de baixo nível o popular Recreio. Nesta boite Heitor se interessou por uma mulher fantasiada de bebê de tarlatana rosa, dá-lhe um beliscão e se separam.
Encontram-se brevemente mais uma vez na segunda de carnaval e na terça, quando Heitor no final da festa ia para casa, encontra novamente o “bebê”. Leva a moça para uma rua escura e começa a beijá-la, sente que ela tem um nariz postiço da fantasia, pede para tirá-lo e o “bebê” diz não. Mas Heitor insiste e enquanto beija, arranca o nariz postiço e vê “uma cabeça estranha, cabeça sem nariz, com dois buracos sangrentos atulhados de algodão, uma caveira com carne…” Sentindo nojo, Heitor começa a sacudi-la quando um guarda apita, Heitor sai correndo em desespero. Quando chega em casa percebe em sua mão “uma pasta oleosa e sangrenta”. Era o nariz do bebê de tarlatana rosa.

A nova Califórnia
Lima Barreto
É uma crítica à ganância. Neste conto, um químico misterioso chamado Raimundo Flamel aparece na cidade de Tubiacanga. Anos depois de sua chegada, faz uma experiência na qual transforma ossos humanos em ouro. Ele convida três testemunhas (o farmacêutico, um fazendeiro e o coletor) para o ato, o realiza e depois desaparece da cidade. Então, os túmulos do cemitério da cidade, o “Sossego”, começam a ser violados. Quando depois de um escândalo prendem dois violadores, eles eram o fazendeiro e o coletor, duas das testemunhas da experiência alquímica. Os dois revelam que havia um terceiro violador: era o farmacêutico. Quando a população descobre, vai até a casa do farmacêutico que promete divulgar a fórmula para transformar ossos humanos em ouro no dia seguinte. Assim, naquela madrugada a população inteira se esgueira para o cemitério para violar tantos túmulos quanto puderem (e ter tanto ouro quanto puderem depois). O que acontece é uma carnificina que deixa no cemitério em uma noite mais mortos que nos 30 anos anteriores. O único que não se mete na confusão é um bêbado da cidade, que calmamente anda na cidade-fantasma.

Dentro da noite
João do Rio
Um homem no metrô ouve o diálogo entre Rodolfo e Justino. O segundo pergunta ao primeiro porque andava sumido. Perguntava-se na cidade o motivo do rompimento do noivado de Rodolfo com Clotilde, jovem bela que então vivia chorando, ela e a família que estavam antes tão felizes com o noivado. Rodolfo então explica que fora obrigado a terminar o compromisso com a moça depois de os pais descobrirem suas tendências sádicas. Rodolfo conta que sentia prazer em enfiar alfinetes nos braços de Clotilde e ela vendo que a perturbação mental do rapaz só diminuía com a satisfação daquela tara, resignada consentia. Depois de descoberto, Rodolfo é obrigado a terminar o noivado e passa a pagar prostitutas para satisfazer seu sadismo e ainda conversando com Justino no metrô revela que ultimamente andava a escolher suas vítimas na rua, e quando uma loura embarcou noutro vagão, Rodolfo deixa-o para persegui-la.

A caolha
Júlia Lopes de Almeida
Conta-se a história de uma mulher repugnante, sem o olho esquerdo e que vivia a soltar pus da cavidade ocular vazia. A caolha tinha um filho – Antonico – que desde cedo sofria humilhações por causa do defeito da mãe – era chamado “o filho da caolha”. Quando criança Antonico abraçava e beijava a mãe, mas com o tempo passou a ter nojo e vergonha dela.
Depois de ser humilhado na escola e nos empregos por que passava, Antonico, já na juventude trabalhando de alfaiate, arranja uma namorada que lhe impõe como condição para que se casem que o rapaz abandone sua mãe.
Quando Antonico vai comunicar sua saída de casa, inventando uma necessidade de trabalho, a mãe o expulsa dizendo saber que ele tem vergonha dela. Arrependido, no dia seguinte, Antonico procura a madrinha, única amiga da caolha, para que interceda em seu favor junto à mãe.
A madrinha o leva à casa da caolha e revela o que sempre a mãe ocultava ao filho: que ela havia ficado caolha por culpa do filho que quando neném enfiou-lhe um garfo no olho esquerdo. Ao saber disso o filho desmaia e a mãe lamenta.

O homem que sabia javanês
Lima Barreto
O Homem que sabia Javanês não o sabia realmente. O conto é um relato de um amigo a outro sobre uma das espertezas que usou para sobreviver: fingir saber javanês e ensiná-lo. Logo aprendeu o alfabeto e meia dúzia de palavras e pôs-se a ensinar o velho que o contratou; logo já “lia” em javanês para o velho (que desistira de aprender) e publicava sobre Java. Foi nomeado cônsul e representou o Brasil em uma reunião de sábios; deu palestras e publicou pelo mundo sobre Java. No final do conto ainda estava em cargos consulares por “saber” javanês.

Pílades e Orestes
Machado de Assis
Quintanilha e Gonçalves eram muito amigos, na verdade o primeiro travava o segundo como um pai, ou até mais. Quintanilha tinha por Gonçalves verdadeira adoração, brigou com sua família por causa do amigo, emprestava-lhe dinheiro, ajudava-o em seu trabalho, dava-lhe presentes.
Até que um dia Quintanilha se aproxima de uma prima chamada Camila e se apaixona por ela. Quando vai revelar isso a Gonçalves, percebe que o amigo também amava Camila e mesmo sofrendo desiste de seu amor em favor do amigo.
Camila e Gonçalves casam e Quintanilha torna-se padrinho dos filhos do casal. Quintanilha morre tempo depois, atingido por uma bala perdida. Em sua lápide a simples frase: “Orai por ele!”
O título remete à mitologia grega.

Contrabandista
João Simões Lopes Neto
Conto em 3a pessoa, escrito numa linguagem “gaúcha”, marca de seu autor, repleto de coloquialismos, neologismos e expressões regionais. Entre flashbacks e referências à história do Brasil e do Rio Grande (Farrapos, Paraguai) conta-se a história de Jango Jorge, homem velho e valente que daria festa de casamento à sua filha. Na madrugada de véspera do casamento saiu para trazer o enxoval da filha, mas naquela época, segundo o narrador, que era um dos convidados, não se podia haver comércio na região e o que se fazia era o contrabando. Quando todos esperavam no dia seguinte pelo vestido, chega Jango Jorge em seu cavalo, estava baleado. No momento em que tiram-no do cavalo percebem que ele trazia o vestido branco da filha manchado com o seu sangue.

Negrinha
Monteiro Lobato
Negrinha é narrativa em terceira pessoa, impregnada de uma carga emocional muito forte. “Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.”
D. Inácia era viúva sem filhos e não suportava choro de crianças. Se Negrinha, bebezinho, chorava nos braços da mãe, a mulher gritava. A mãe, desesperada, abafava o choro do bebê, e afastando-se com ela para os fundos da casa, torcia-lhe beliscões desesperados. O choro não era sem razão: era fome, era frio.
Assim cresceu Negrinha magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra, provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretexto de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
– Sentadinha aí e bico, hein?”
Ela ficava imóvel, a coitadinha. Seu único divertimento era ver o cuco sair do relógio, de hora em hora. Ensinaram Negrinha a fazer crochê e lá ficava ela espichando trancinhas sem fim…
Nunca tivera uma palavra sequer de carinho e os apelidos que lhe davam eram os mais diversos: pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto gorado, mosca morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa ruim, lixo. Foi chamada bubônica, por causa da peste que grassava…
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta…”
D. Inácia era má demais e apesar da Abolição já ter sido proclamada, conservava em casa Negrinha para aliviar-se com “uma boa roda de cocres bem fincados!…”
Uma criada furtou um pedaço de carne ao prato de Negrinha e a menina xingou-a com os mesmos nomes com os quais a xingavam todos os dias. Sabendo do caso, D. Inácia tomou providências: mandou cozinhar um ovo e, tirando-o da água fervente, colocou-o na boca da menina. Não bastasse isso, amordaçou-a com as mãos, o urro abafado da menina saindo pelo nariz…
O padre chegava naquele instante e D. Inácia fala com ele sobre o quanto cansa ser caridosa…
Em um certo dezembro, vieram passar as férias na fazenda duas sobrinhas de D. Inácia: lindas, reconchudas, louras, “criadas em ninho de plumas.”
E negrinha viu-as irromperem pela sala, saltitantes e felizes, viu também Inácia sorrir quando as via brincar. Negrinha arregalava os olhos: havia um cavalinho de pau, uma boneca loura, de louça. Interrogada se nunca havia visto uma boneca, a menina disse que não… e pôde, então, pegar aquele serzinho angelical : “E muito sem jeito, como quem pega o Senhor Menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços d’olhos para a porta. Fora de si, literalmente…”
Teve medo quando viu a patroa, mas D. Inácia, diante da surpresa das meninas que mal acreditavam que Negrinha nunca tivesse visto uma boneca, deixou-a em paz, permitiu que ela brincasse também no jardim.
Negrinha tomou consciência do mundo e da alegria, deixara de ser uma coisa humana, vibrava e sentia.
Mas se foram as meninas, a boneca também se foi e a casa caiu na mesmice de sempre.
Sabedora do que tinha sido a vida, a alma desabrochada, Negrinha caiu em tristeza profunda e morreu, assim, de repente: “Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos…”
No final da narrativa, o narrador nos alerta:
“E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas”.
– “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia:
– “Como era boa para um cocre!…”
É interessante considerar aqui algumas coisas: em primeiro lugar o tema da caridade azeda e má, que cria infortúnio para os dela protegidos, um dos temas recorrentes de Monteiro Lobato; o segundo aspecto que poderia ser observado é o fenômeno da epifania, a revelação que, inesperadamente, atinge os seres, mostrando-lhes o mundo e seu esplendor. A partir daí, tais criaturas sucumbem, tal qual Negrinha o fez.
Ter estado anos a fio a desconhecer o riso e a graça da existência, sentada ao pé da patroa má, das criaturas perversas, nos cantos da cozinha ou da sala, deram a Negrinha a condição de bicho-gente que suportava beliscões e palavrórios, mas a partir do instante em que a boneca aparece, sua vida muda.
É a epifania que se realiza, mostrando-lhe o mundo do riso e das brincadeiras infantis das quais Negrinha poderia fazer parte, se não houvesse a perversidade das criaturas. É aí que adoece e morre, preferindo ausentar-se do mundo a continuar seus dias sem esperança.

Galinha cega
João Alphonsus
Conto com toques de realismo fantástico, em 3a pessoa.
Um carroceiro compra uma galinha pela qual tem incomum carinho. Tempos depois de comprá-la, seu dono percebe que a galinha ficara cega. Então passa a dar-lhe de comer e beber pessoalmente todos os dias. Certo dia, crianças brincam de chutar a galinha e o carroceiro as chicoteia. Um dos meninos é filho do delegado e o dono da galinha é preso. Voltando pra casa, vê que a sua galinha fora estrangulada, pergunta à mulher quem fora e ela diz ter sido um gambá. Após esbofetear a mulher por não ter defendido sua galinha, o carroceiro é preso mais uma vez.
Depois de sair da prisão, o carroceiro arquiteta a vingança contra o gambá. Faz uma armadilha deixando cachaça para o animal. À noite quando finalmente está diante do gambá embriagado e pronto para a vingança, o carroceiro deixa o animal ir embora. O gambá sai do galinheiro.

Gaetaninho
Alcântara Machado
Gaetaninhio era um jovem que sonhava sempre em ir na frente de um cortejo fúnebre; atropelado por um bonde, acaba realizando, morto, seu sonho.
Observamos na obra de Alcântara Machado, como traço mais característico o uso de expressões italianas para marcar a influência da imigração e da miscigenação racial na constituição da sociedade paulistana.
Em Gaetaninho há uma divisão do conto em cinco cenas, característica notadamente cinematográfica, dada pelo corte narrativo existente de uma cena para outra, introduzindo uma nova situação, em um tempo e espaço também novos. Essa superposição de cenas compõe o todo como uma colagem, como se o narrador estive com uma câmera fotografando cena por cena.
Um dos recursos utilizados pelo autor para ilustrar a ação do personagem é a linguagem radiofônica. Como se fosse um locutor esportivo, o narrador descreve os fatos.
O ambiente da trama é constituído por traços leves, demonstrando uma certa preocupação jornalística, mas que, no entanto, consegue identificar perfeitamente a condição sócio-econômica das personagens, como na passagem:
“Ali na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho.”
Ainda neste trecho, notamos um certo valor social presente no desejo de Gaetaninho de andar de automóvel e ser admirado pelas pessoas, valor que talvez fosse associado como representação da elite, do status econômico.
O final do conto é surpreendente, tanto pela rapidez com que se dá a morte de Gaetaninho, quanto pela ambigüidade causada pela frase “Amassou o bonde”. Tomando-se o sentido do verbo amassar em português e sabendo que em italiano ammazzare significa matar, permite uma dupla interpretação do trecho final, já que não se sabe se foi o garoto que atropelou o bonde ou contrário, o que garante, para um final que parecia ser trágico, um caráter cômico.

Baleia
Graciliano Ramos
Baleia é um dos capítulos da obra Vidas Secas de Graciliano Ramos. Esta história começa com a fuga de uma família da trágica seca do sertão nordestino: Fabiano, o pai, Sinhá-Vitória, a mãe, os dois filhos e a cachorra Baleia. Fabiano é um vaqueiro, homem bruto que tem enorme dificuldade em articular palavras e pensamentos, que se sente um bicho e muitas vezes age como tal, grunhindo e se portando como um selvagem. Sinhá-Vitória, sua esposa, se sai melhor em seus pensamentos e diálogos, apesar de restritos. O menino mais novo parece não ter nome e nem uma forma comum de se comunicar. Sua única aspiração é ser como Fabiano. Nas mesmas situações está o filho mais velho, que só quer um amigo, conformando-se com a presença da cachorra Baleia. Esta, muitas vezes, parece ter um pensamento mais linear e humano que o resto da família, portando-se não só como um bicho, mas como um ser humano, uma companheira que ajuda Fabiano e sua gente a suportar as péssimas condições.
A história se desenvolve com o estabelecimento da família numa fazenda e a contratação de Fabiano como vaqueiro.
Em um dado momento da história, Baleia adoece e Fabiano se vê na árdua tarefa de sacrificá-la. Fere o pobre bicho com um tiro, mas não consegue matá-lo, já que este foge para longe. Baleia vem a falecer durante a noite, perto da casa, sonhando com um mundo cheio de lebres…

Uma senhora
Marques Rebelo
Dona Quinota é empregada, casada com seu Juca e mãe de Élcio, Élcia e Elcina. Trabalha o ano todo para extravasar no carnaval, esta festa é o único momento em que Dona Quinota esbanja e vive intensamente, fantasia a si e à família e aluga um carro para desfilar.
Após o término do baile, o vizinho invejoso, Adalberto, pergunta se os vizinhos se divertiram e dona Quinota responde “assim, assim”, mas na verdade Quinota apenas esconde sua realização da inveja do vizinho. O conto termina com a indignação de Quinota diante do resultado de um concurso de blocos.
ANOS 40/50
MODERNOS, MADUROS, LÍRICOS
Em torno da primeira metade do século, nossos escritores estão mais maduros. Escrevem numa língua que também amadureceu, está mais uniforme e representativa daquela usada no cotidiano pelos brasileiros educados, de qualquer lugar do país. O passado rural começa a desaparecer efetivamente, tornando-se objeto mais de nostalgia do que de rejeição. As relações afetivas passam a constituir a verdadeira utopia do brasileiro, e também exibem seu lado difícil. Descompassos na família. Saudades. Lirismos. Na época da consagração definitiva do movimento modernista, predominam na literatura o romance, a crônica e a poesia, mas a amostra apresentada nesta seção revela que alguns dos mais belos clássicos do conto brasileiro moderno foram publicados nesse período. (Ítalo Moriconi)

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