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sexta-feira, dezembro 13, 2024

Psicóloga Walkyria

Cabeça baixa, olhar atento ao que está ao seu redor, e um “Boa tarde, eu sou a psicóloga Walkyria. Vocês me acompanham?” foi o suficiente para fazer com que Paulo se encolhesse ainda mais na cadeira e apertasse, com força, seu “Homem Aranha”. Nossos olhares (meu e de Paulo) se encontram, e estava nítido que a angústia que tomara conta dele também era a minha. Era como se disséssemos: “Socorro!… e agora?”.

O presente artigo tem por objetivo apresentar o manejo que tive diante de um atendimento onde a criança se recusava a ir sozinha para a sala. Estava claramente estabelecido: “Só vou se minha mãe for!”.

Como lidar com esta situação? Como agir? Qual a postura que devemos ter? Que conduta ter diante de uma criança que se recusa em ir para a sala de atendimento? Que técnicas usar? Sedução? Convencimento? Ameaça? Força física? Autoridade? Precisava encontrar uma forma de estabelecer contato com a criança, e se agisse de forma impositiva, forçando-o a ir até a sala comigo, só aumentaria ainda mais suas defesas e angústia, além de reforçar seu sintoma; se utilizasse a sedução, não estaria sendo terapeuta, não estaria “olhando” para Paulo O que fazer, então? A conduta adotada foi aceitar a condição imposta e estabelecer vínculo com a mãe de Paulo para então chegar até ele.

Queixa: Paulo fica apavorado com alguns barulhos: estouro de bexiga, bombas, rojões, trovões e chuva forte. “Se estiver fora de casa quando isso acontece, faz um verdadeiro ‘escândalo’ até voltarmos para casa”. (SIC – mãe)

Um pouco da história: Paulo tem 5 anos e está na pré-escola. Fica irritado com facilidade e quando contrariado nas mínimas coisas, logo fica nervoso. Os pais de Paulo estão morando juntos há cinco anos, no entanto, brigam muito, e geralmente Paulo presencia as discussões. Segundo a mãe, Paulo é muito apegado a ela, e tem medo do pai, pois este faz uso de álcool com freqüência. “Ele fica outra pessoa quando bebe… agressivo e ignorante. Com isso, Paulo fica ainda mais distante dele. Fica só olhando, assustado” (SIC). Atualmente, de 6 meses para cá, está dormindo novamente na cama dos pais, pois há um parente “morando temporariamente” na casa. Antes, Paulo tinha a sua própria cama e dividia o quarto com o irmão de 18 anos (filho do primeiro casamento da mãe).

Breve relato das sessões: Foram, no total, nove sessões, sendo uma sessão de entrevista com os pais e oito com Paulo e a mãe.

Durante a entrevista com os pais, Paulo fica o tempo todo no colo da mãe, com os olhos fixos em mim. O pai pouco se coloca. Ao sair, Paulo diz que não virá na semana que vem, pois não quer brincar comigo.

Primeira sessão: Paulo se nega a me acompanhar. Finge que não me vê e quando falo com ele, vira o rosto para o lado oposto. Diz que só vai se a mãe for também. Eu concordo. Ao subir as escadas, diz que não vai brincar comigo. Chegando na sala, mostro-lhe a caixa lúdica, e ele chama a mãe para brincar. Escolhe um jogo e a mãe tenta me incluir na brincadeira, ao que Paulo responde com um categórico “não”. Quando ela insiste, pedindo que jogue comigo para que conheça o jogo e ensine para ela, faz menção em sair da sala, e diz: “Então vamos trocar de jogo!… pode guardar que eu não quero mais esse!!”. Paulo literalmente me ignora.

Segunda sessão: Novamente se recusa a entrar na sala. Proponho, depois de muito argumentar, que a mãe o acompanhe. Ele sequer me responde. Fica sentado no chão, atrás da cadeira. Dirijo-me à mãe e ele ameaça sair de trás da cadeira, mas quando percebe que meu olhar se volta para ele, se afasta ainda mais, ficando, inclusive, de costas para mim. Digo que estarei na sala aguardando, pois já sabem o caminho, e que se decidir subir com a mãe, estarei esperando os dois. Como na outra sessão, entram os dois e me mantenho em silêncio, deixando-os à vontade com os brinquedos da caixa. A mãe tenta novamente me incluir nas brincadeiras, e até simula estar “apertada” para ir ao banheiro, com o pretexto de sair da sala e deixar Paulo comigo. Isso irrita profundamente Paulo, pois ele sai logo em seguida, e vê que ela está indo para a recepção, e não para o banheiro. A sessão termina ai. Neste dia, Paulo se recusa a subir, mesmo acompanhado da mãe.

Terceira sessão: Cumprimento e chamo a mãe para a sala. Paulo me olha desconfiado e confuso. Volta seu olhar para a mãe. Digo a ele, que se quiser nos acompanhar, sabe o caminho. Paulo nos acompanha. Durante toda a sessão me reporto à mãe; proponho desenho a ela, e convido Paulo. Ele não aceita, dizendo que vai brincar de outra coisa. Enquanto desenhamos, converso informalmente com ela, sobre o que gosta de fazer, como foi sua semana. Aos poucos Paulo vai se aproximando. Sem dizer nada a ele, estendo uma folha em branco em sua direção. Continuo conversando com a mãe, e observo que Paulo estava com os olhos fixos em mim. Lentamente senta na cadeira ao lado da mãe e começa a copiar pedaços dos nossos desenhos. Ofereço-lhe os lápis de cor da mesma maneira que fiz com a folha, como se só colocasse ao seu alcance. Paulo se acomoda melhor na cadeira e fica conosco.

Novamente a mãe age como na outra sessão, tentando sair da sala e deixar Paulo comigo. Ele se comporta de forma idêntica: fica irritado, cruza os braços e começa a chorar, dizendo “não, não”. Peço à mãe que fique, que nosso horário daqui a pouco iria terminar, daí ela poderia ir ao banheiro. Ela concorda e Paulo se acalma. Não dirijo uma só palavra a ele. Meu contato durante toda a sessão é com a mãe.

Quarta sessão: Abordo os dois como um só. “Vamos?” A mãe se levanta e Paulo faz o mesmo. Ao entrarmos na sala, digo a ela que trouxe um brinquedo novo (duas espadas) e pergunto se gostaria de brincar. Paulo já estava com elas nas mãos. Fica com uma e estende a outra para a mãe, convidando-a para brincar. Ambos “lutam”. Paulo se diverte ao bater forte na espada da mãe, e por vezes verbalizava “Você está com medo? Quer continuar? Você acha que é forte, não é?… então você vai ver…”. A mãe repreende-o por estar batendo forte, e pergunta se estava bravo ou com raiva. Mantive-me em silêncio durante toda a sessão.

As três próximas sessões: Paulo ao me ver chegar na recepção já se põe em pé e sai correndo em direção à sala. “Lutam” a sessão toda e por vezes me estende a espada para que eu lute com ele. Outras vezes, colocava-nos para lutar (eu e a mãe). Sempre sem me dizer nenhuma palavra, só à mãe, e eu fazia o mesmo. A mãe era o nosso meio de comunicação. Dizia a ela as coisas que eu gostaria de dizer a ele, como por exemplo, que estava divertido brincar de “lutar”, o quanto era forte, o que poderíamos fazer na próxima sessão…

Quase no final da sétima sessão, a mãe diz que não poderá mais dar continuidade ao atendimento por questões financeiras. Paulo olha para ela com uma expressão de decepção. Manifesto que lamentava não poder mais vê-la. Faço considerações a respeito do que já havia observado, colocações que me abstenho de relatar por não ser objetivo deste artigo. Agendo, porém, mais uma sessão, que seria o nosso encerramento.

Última sessão: Como das outras vezes, lutamos espada (ele e a mãe; eu e a mãe; eu e ele), e por fim, já cansado, Paulo faz um desenho, que me entrega no final da sessão: um peixe e um tubarão.

Algumas considerações das sessões:

Não discorrerei sobre a teoria existente a respeito, no entanto, é possível fazer algumas considerações:

Partindo do princípio teórico que a angústia é uma reação à perda do objeto e o medo de perder um objeto altamente valioso, o que assustava Paulo era perder o amor da mãe.

Quando o ego reconhece o perigo de castração, dá o sinal de angústia e inibe, através da instância prazer-desprazer, o iminente processo de investimento do id; ao mesmo tempo, forma-se a fobia.

A angústia de castração é dirigida a um objeto diferente e se expressa de forma distorcida, de modo que Paulo não teme ser castrado, mas sim, teme trovões, bombas e chuva forte.

Pois bem, Paulo estava em plena vivência edípica. Reage com um sintoma fóbico por impossibilidade de lidar com a possível perda desse amor. Sabe-se que as vivências de amor e ódio do Édipo e o temor da perda do amor do objeto aparecem condensados, e a saída do ego para dar conta da pulsão vem na forma de uma fobia.

Como bem coloca Pereira (1990), “se toda angustia é angustia dita de castração, é certo que a criança só terá condições de simbolização após o complexo de castração e a elaboração do Édipo. O complexo de castração é um organizador simbólico”. Paulo estava vivenciando um conflito por ambivalência: amor e ódio ao mesmo tempo pela mãe; apego à mãe, medo de ficar sem ela, de perder o objeto amado, mas ódio por sentir esse apego que o impedia de crescer; medo de fundir-se a ela, o que significava, em última análise, deixar de existir. A proteção de sua mãe era sinal que havia algo assustador que precisava ser contido, porém isso era tão ruim quanto se fundir a ela e deixar de existir, ou seja, não existir era tão assustador quanto o que tinha que ser contido.

Assim, Pereira (1990) esclarece:

“A angústia é uma reação a uma situação de perigo. O ego atua para evitar essa situação ou para afastar-se dela; criam-se sintomas para evitar a angústia ou, mais especificamente, para evitar a situação de perigo assinalada pela angústia….
A castração pode ser demonstrada na experiência da perda do seio no desmame do bebê, ou no cotidiano da perda das fezes que se separam do corpo. Mas a experiência de morte é inédita e nada que se possa experienciar se assemelhará a ela.
Assim, o medo da morte deve ser considerado como análogo ao medo da castração; a situação à qual o ego está reagindo é de ser abandonado pelo superego protetor, ficando à mercê dos perigos que o cercam.” (pg. 45)

Paulo encontra uma forma de manifestar sua agressividade e hostilidade. Através das espadas, seu ódio era colocado para fora. Quando ele batia com força, ela dizia: “Nossa… está bravo? Porque está com raiva? Não faça assim… cuidado… assim machuca… você quer machucar a mamãe?” Dizendo isto, a mãe deixava claro que ele podia destruí-la (o objeto amado!).

Conforme Pereira (1990) destaca, segundo Melanie Klein, a angústia provém da falta de defesas da criança frente à pessoa de sua mãe e do temor de ter destruído alguém de quem depende, por projeção de impulsos sádicos. Contudo, “brigar” e “lutar” com a mãe lhe traria a diferenciação, já que poderia perceber que seu ódio não destruía o objeto amado. A diferenciação era algo desejado, mas temido, e a mãe precisava “autorizá-lo” a fazer isso.

A minha conduta, de não focar atenção em Paulo e me vincular à sua mãe tinha o intuito de não pressioná-lo e não aumentar ainda mais suas defesas. Era assustador para ele se vincular a outra pessoa que não a mãe. Exemplo disso é quando Paulo deixava transparecer que gostava de vir para as sessões e a mãe complementava “ele conta os dias para chegar na 5ª feira”, ficava muito bravo e logo dizia que queria ir embora. Clarificava para a mãe, ao final de todas as sessões, o que tinha acontecido, o comportamento dele, inclusive o dela, principalmente quando tentava nos deixar a sós. Quando ela tenta me incluir na relação desta maneira, deixava-o no desamparo.

Em relação ao desenho que Paulo me entrega no final da última sessão (um peixe e um tubarão), considero que estava deixando comigo “seus bichos”, que poderiam devorar e destruir! A meu ver, estava aí estabelecido o nosso vinculo. A total e categórica “castração” que Paulo me fazia sentir nos atendimentos foram, aos poucos, sendo minimizados. Desta forma, ele pôde ver que seus impulsos não eram destrutivos. Posso supor que logo não precisaria mais que a mãe fosse o nosso meio de comunicação.

Quando a mãe anuncia o término dos atendimentos, ficou muito claro para mim que não estava suportando ver Paulo crescer. Eu estava estimulando a diferenciação. Era preciso castrá-lo, porém, ela castra a mim!!!… e haja ego para suportar a angústia diante de tanta castração!!

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Pereira, Maria Luiza D’Ávila (1990). Da angústia ou de quando indicar análise a uma criança. São Paulo: EDUC: Cortez; Curitiba: UFPR

* Psicóloga clínica com especialização em Psicologia Hospitalar pela Santa Casa de São Paulo, atuando em consultório particular no atendimento a crianças, adolescentes e adultos.

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