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quarta-feira, outubro 2, 2024

A Força Normativa da Constituição

IDÉIA CENTRAL

Demonstrar que a Constituição contém uma força normativa que estimula e coordena as relações entre os cidadãos e o Estado, e dentre eles, esclarecendo que a Constituição contém, ainda que limitadamente, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado, provando, assim, que a mesma não se resume a um pedaço de papel escrito.

Para comprovar tal demonstração, utilizou-se dos conceitos de Constituição real (fatores reais do poder) e Constituição jurídica (escrita, formal), e desenvolveu a tese de que existe um condicionamento mútuo entre a Constituição real e a Constituição jurídica, de modo que a Constituição jurídica desenvolve um significado próprio, porque a sua pretensão de eficácia lhe atribui uma força normativa, refletindo a realidade histórica, mas também se transformando, ela própria, em uma força ativa, capaz de modificar essa realidade.

PERÍODOS EXPRESSIVOS

1. “… questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. É que a Constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes: o poder militar, representado pelas Forças Armadas, o poder social, representado pelos latifundiários, o poder econômico, representado pela grande indústria e pelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se equipare ao significado dos demais, o poder intelectual, representado pela consciência e pela cultura gerais.

As relações fáticas resultantes da conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das leis e das instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão-somente, a correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder; Esses fatores reais do poder formam a Constituição real do país.” (Pág. 09);

2. “Esse documento chamado Constituição – a Constituição jurídica – não passa, nas palavras de Lassalle, de um pedaço de papel (ein Stück Papier). Sua capacidade de regular e de motivar está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real. Do contrário, torna-se inevitável o conflito, cujo desfecho há de se verificar contra a Constituição escrita, esse pedaço de papel que terá de sucumbir diante dos fatores reais de poder dominantes no país.” (Pág. 09);

3. “Questões constitucionais não são, originariamente, questões jurídicas, mas sim questões políticas. Assim, ensinam-nos não apenas os políticos, mas também os juristas.” (Pág. 09);

4. “… o desenvolvimento das Constituições demonstra que regras jurídicas não se mostram aptas a controlar, efetivamente, a divisão de poderes políticos. As forças políticas movem-se consoante suas próprias leis, que atuam independentemente das formas jurídicas.” (Pág. 10);

5. “É que a história constitucional parece, efetivamente, ensinar que, tanto na práxis política cotidiana quanto nas questões fundamentais do Estado, o poder da força afigura-se sempre superior à força das normas jurídicas, que a normatividade submete-se à realidade fática.” (Pág. 10);

6. “Considerada em suas conseqüências, a concepção da força determinante das relações fáticas significa o seguinte: a condição de eficácia da Constituição jurídica, isto é, a coincidência de realidade e norma, constitui apenas um limite hipotético extremo. É que, entre a norma fundamentalmente estática e racional e a realidade fluida e irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não se deixa eliminar.

Para essa concepção do Direito Constitucional, está configurada permanentemente uma situação de conflito: a Constituição jurídica, no que tem de fundamental, isto é, nas disposições não propriamente de índole técnica, sucumbe cotidianamente em face da Constituição real. A idéia de um efeito determinante exclusivo da Constituição real não significa outra coisa senão a própria negação da Constituição jurídica.” (Págs. 10-11);

7. “… o Direito Constitucional está em contradição com a própria essência da Constituição.” (Pág. 11);

8. “Essa negação do direito constitucional importa na negação do seu valor enquanto ciência jurídica.” (Pág. 11);

9. “Se as normas constitucionais nada mais expressam do que relações fáticas altamente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que a ciência da Constituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausência do direito, não lhe restando outra função senão a de constatar e comentar os fatos criados pela Realpolitik. Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão-somente a miserável função — indigna de qualquer ciência — de justificar as relações de poder dominantes.” (Pág. 11);

10. “Ao contrário, essa doutrina afigura-se desprovida de fundamento se puder admitir que a Constituição contém, ainda que de forma limitada, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado.” (Pág. 11);

11. “Existiria, ao lado do poder determinante das relações fáticas, expressas pelas forças políticas e sociais, também uma força determinante do Direito Constitucional? Qual o fundamento e o alcance dessa força do Direito Constitucional? Não seria essa força uma ficção necessária para o constitucionalista, que tenta criar a suposição de que o direito domina a vida do Estado, quando, na realidade, outras forças mostram-se determinantes? … O conceito de Constituição jurídica e a própria definição da Ciência do Direito Constitucional enquanto ciência normativa dependem da resposta a essas indagações.” (Págs. 11-12);

12. “Uma tentativa de resposta deve ter como ponto de partida o condicionamento recíproco existente entre a Constituição jurídica e a realidade político-social. Devem ser considerados, nesse contexto, os limites e as possibilidades da atuação da Constituição jurídica. Finalmente, hão de ser investigados os pressupostos de eficácia da Constituição.” (Pág. 13);

13. “O significado da ordenação jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas — ordenação e realidade — forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco.” (Pág. 13)

14. “A radical separação, no plano constitucional, entre realidade e norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a qualquer avanço na nossa indagação. Como anteriormente observado, essa separação pode levar a uma confirmação, confessa ou não, da tese que atribui exclusiva força determinante às relações fáticas.” (Pág. 14);

15. “A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade.” (Pág. 14);

16. “… a pretensão de eficácia de uma norma constitucional não se confunde com as condições de sua realização; a pretensão de eficácia associa-se a essas condições como elemento autônomo. A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social.

Determinada pela realidade social e, ao mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas. A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas.” (Pág. 15);

17. “… “Constituição real” e “Constituição jurídica” estão em uma relação de coordenação. Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra. Ainda que não de forma absoluta, a Constituição jurídica tem significado próprio.” (Pág. 15);

18. “Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra idealizar essa pretensão de eficácia. Essa constatação leva a uma outra indagação, concernente às possibilidades e aos limites de sua realização no contexto amplo de interdependência no qual esta pretensão de eficácia encontra-se inserida”. (Pág. 15-16);

19. “… a compreensão dessas possibilidades e limites somente pode resultar da relação da Constituição jurídica com a realidade.” (Pág. 16);

20. “Toda Constituição, ainda que considerada como simples construção teórica, deve encontrar um germe material de sua força vital no tempo, nas circunstâncias, no caráter nacional, necessitando apenas de desenvolvimento.” (Pág. 17);

21. “Se não quiser permanecer “eternamente estéril”, a Constituição — entendida aqui como “Constituição jurídica” — não deve procurar construir o Estado de forma abstrata e teórica.” (Pág. 18);

22. “… se as leis culturais, sociais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela Constituição, careceria do imprescindível germe de sua força vital. A disciplina normativa contrária a essas leis não logra concretizar-se.” (Pág. 18);

23. “A norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do presente.” (Pág. 18);

24. “A Constituição converte-se, assim, na ordem geral objetiva do complexo de relações da vida.” (Pág. 18);

25. “… a força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart).” (Pág. 19).

26. “… pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral — particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional —, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).” (Pág. 19).

27. “Essa vontade de Constituição origina-se de três vertentes diversas. Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação).

Assenta-se também na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. Essa vontade tem conseqüência porque a vida do Estado, tal como a vida humana, não está abandonada à ação surda de forças aparentemente inelutáveis. Ao contrário, todos nós estamos permanentemente convocados a dar conformação à vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas.” (Págs. 19-20).

28. “A força que constitui a essência e a eficácia da Constituição reside na natureza das coisas, impulsionando-a, conduzindo-a e transformando-se, assim, em força ativa. Como demonstrado, daí decorrem os seus limites. Daí resultam também os pressupostos que permitem à Constituição desenvolver de forma ótima a sua força normativa.” (Pág. 20).

29. “Quanto mais o conteúdo de uma Constituição lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa.” (Pág. 20).

30. “… a Constituição não deve assentar-se numa estrutura unilateral, se quiser preservar a sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança político-social. Se pretende preservar a força normativa dos seus princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária.” (Pág. 21).

31. “Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis.” (Pág. 21).

32. “… Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático.” (Pág. 22).

33. “Igualmente perigosa para força normativa da Constituição afigura-se a tendência para a freqüente revisão constitucional sob a alegação de suposta e inarredável necessidade política.” (Pág. 22).

34. “A freqüência das reformas constitucionais abala a confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando a sua força normativa. A estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição.” (Pág. 22).

35. “… a Interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm).” (Pág. 22).

36. “Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.” (Pág. 22-23).

37. “… uma mudança das relações fáticas pode — ou deve — provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa.

A finalidade (Telos) de uma proposição constitucional e sua nítida vontade normativa não devem ser sacrificadas em virtude de uma mudança da situação. Se o sentido de uma proposição normativa não pode mais ser realizado, a revisão constitucional afigura-se inevitável. Do contrário, ter-se-ia a supressão da tensão entre norma e realidade com a supressão do próprio direito” (Pág. 23).

38. “A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade.” (Pág. 23).

39. “Em síntese, pode-se afirmar: a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade.

A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. As possibilidades, mas também os limites da força normativa da Constituição resultam da correlação entre ser (Sein) e dever ser (Sollen).” (Pág. 24).

40. “… a intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro plano, como uma questão de vontade normativa, de vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).” (Pág. 24).

41. “Constatam-se os limites da força normativa da Constituição quando a ordenação constitucional não mais se baseia na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegenwart). Esses limites não são, todavia, precisos, uma vez que essa qualidade singular é formada tanto pela idéia de vontade de Constituição (Wille zur Verfassung) quanto pelos fatores sociais, econômicos e de outra natureza” (Pág. 24).

42. “A vontade de Constituição não é capaz, porém, de suprimir esses limites. Nenhum poder do mundo, nem mesmo a Constituição, pode alterar as condicionantes naturais.” (Pág. 24).

43. “A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel, tal como caracterizada por Lassalle. Ela não se afigura “impotente para dominar, efetivamente, a distribuição de poder”, tal como ensinado por Georg Jellinek e como, hodiernamente, divulgado por um naturalismo e sociologismo que se pretende cético.

A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição.” (Pág. 25).

44. “… o Direito Constitucional não se encontra em contradição com a natureza da Constituição.” (Pág. 26).

45. “… o Direito Constitucional não está obrigado a abdicar de sua posição enquanto disciplina científica. Se a Constituição jurídica possui significado próprio em face da Constituição real, não se pode cogitar de perda de legitimidade dessa disciplina enquanto ciência jurídica.

Ele não é — no sentido estrito da Sociologia ou da Ciência Política — uma ciência da realidade. Não é mera ciência normativa, tal como imaginado pelo positivismo formalista. Contém essas duas características, condicionada tanto pela grande dependência que o seu objeto apresenta em relação à realidade político-social, quanto pela falta de uma garantia externa para a observância das normas constitucionais” (Pág. 26).

46. “… o Direito Constitucional depende das ciências da realidade mais próximas, como a História, a Sociologia e a Economia.” (Pág. 26).

47. “Isso significa que o Direito Constitucional deve preservar, modestamente, a consciência dos seus limites. Até porque a força normativa da Constituição é apenas uma das forças de cuja atuação resulta a realidade do Estado. E esta força tem limites.” (Pág. 26).

48. “Subsiste para o Direito uma enorme tarefa, sobretudo porque a força normativa da Constituição não está assegurada de plano, configurando missão que, somente em determinadas condições, poderá ser realizada de forma excelente. A concretização plena da força normativa constitui meta a ser almejada pela Ciência do Direito Constitucional.

Ela cumpre seu mister de forma adequada não quando procura demonstrar que as questões constitucionais são questões do poder, mas quando envida esforços para evitar que elas se convertam em questões de poder (Machtfragen).” (Págs. 26-27).

49. “… o Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Portanto, compete ao Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung), que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força normativa.” (Pág. 27).

50. “Os princípios basilares da Lei Fundamental não podem ser alterados mediante revisão constitucional, conferindo preeminência ao princípio da Constituição jurídica sobre o postulado da soberania popular” (Pág. 28).

51. “O significado superior da Constituição normativa manifesta-se, finalmente, na quase ilimitada competência das Cortes Constitucionais — princípio até então desconhecido —, que estão autorizadas, com base em parâmetros jurídicos, a proferir a última palavra sobre os conflitos constitucionais, mesmo sobre questões fundamentais da vida do Estado.” (Pág. 28).

52. “… a força normativa da Constituição depende da satisfação de determinados pressupostos atinentes à práxis e ao conteúdo da Constituição.” (Pág. 28).

53. “O questionamento da Constituição não decorre de um estado de anormalidade. Ao contrário da Constituição de Weimar, a Lei Fundamental (Grundgesetz) — promulgada numa época de inesperado desenvolvimento econômico e sob a influência de relações políticas relativamente estáveis — não foi submetida a uma prova de força.

Como referido, as situações de emergência no âmbito político, econômico ou social configuram a maior prova desse tipo para a força normativa da Constituição, uma vez que elas não podem ser resolvidas com base no exercício das competências convencionais previstas na Constituição.” (Pág. 30).

54. “Não se deve esperar que as tensões entre ordenação constitucional e realidade política e social venham a deflagrar sério conflito. Não se poderia, todavia, prever o desfecho de tal embate, uma vez que os pressupostos asseguradores da força normativa da Constituição não foram plenamente satisfeitos.

A resposta à indagação sobre se o futuro do nosso Estado é uma questão de poder ou um problema jurídico depende da preservação e do fortalecimento da força normativa da Constituição, bem como de seu pressuposto fundamental, a vontade de Constituição. Essa tarefa foi confiada a todos nós.” (Pág. 32).

ANÁLISE CRÍTICA

Através da elaboração do presente fichamento, e após a leitura minuciosa do texto, podemos perceber que Hesse coloca-se em oposição às teses desenvolvidas por Lassalle. Empenha-se em demonstrar que não há de se verificar uma derrota da Constituição quando colocamos a mesma em oposição aos fatores reais de poder demonstrados por Lassalle se puder admitir que a Constituição contém, ainda que limitadamente, uma força própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado, comprovando que existem intenções que podem ser realizadas e que permitem assegurar a força normativa da Constituição, mesmo se a submetermos a confrontos com os fatores reais de poder, e a transformação das questões jurídicas em questões de poder somente poderá, será possível quando essas intenções não puderem atingir os seus objetivos.

Apesar de reconhecer o significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição, Hesse enfatiza o aspecto da vontade de Constituição. A Constituição transforma-se em força ativa se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem presentes, na consciência geral (especialmente na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional), não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição.

Essa vontade de Constituição baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa resistente, que projeta o Estado contra o bel-prazer descontrolado e desproporcionado. Manifesta-se, sobretudo, na compreensão de que a ordem constitucional é mais do que uma norma legitimada pelos fatos e que não se tornará eficaz sem a cooperação da vontade humana.

Observamos, também, que para Hesse, a ordenação e a realidade devem ser consideradas em sua relação, em seu contexto e em seu condicionamento recíproco. A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside em sua vigência, onde a pretensão de eficácia não pode ser separada das condições históricas de sua realização. Apesar disto, constitui um elemento autônomo em relação a estas condições, demonstrando também que a Constituição não configura apenas a expressão de um ser, mas também de um dever ser.

Graças à pretensão de eficácia, ela busca imprimir ordem e conformação à realidade política e social, não sendo apenas determinada pela realidade social, mas também determinante em relação a ela. Desse modo, a força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem até ser diferençadas, mas não definitivamente separadas ou confundidas. Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem simplesmente uma da outra.

Temos também, segundo Hesse, que “Constituição real” e “Constituição jurídica” condicionam-se mutuamente, mas não dependem simplesmente uma da outra. A Constituição adquire força normativa conforme realiza sua pretensão de eficácia. Nesse contexto, cabe analisar as possibilidades e limites de sua realização

Lembra-nos, Hesse, de que a Constituição, a fim de desenvolver sua força normativa, deve buscar possuir os seguintes requisitos: o conteúdo da constituição deve lograr corresponder ao máximo à natureza singular do presente porque tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento de sua força normativa. Deve, também, mostrar-se em condições de adaptar-se a uma eventual mudança dessas condicionantes (sociais, políticas, econômicas).

E, por fim, não deve se assentar numa estrutura unilateral, se quiser preservar a sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança político-social. O desenvolvimento da força normativa da Constituição não depende, como dito, só do conteúdo da Constituição, mas também de sua práxis. Também, é importante que a concepção de vontade de Constituição seja partilhada por todos os partícipes da vida constitucional, bem como a interpretação da Constituição leve em conta as condicionantes dadas pelos fatos concretos da vida correlacionando-as com as proposições normativas da constituição.

Cita o autor que também é perigosa para a força normativa da Constituição a tendência para a freqüente revisão constitucional, que abala a confiança na sua inquebrantabilidade, debilitando sua força. A estabilidade constitui condição fundamental da eficácia da Constituição.

Finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. Mas ao mesmo tempo em que a mudança das relações fáticas deve provocar mudanças na interpretação da Constituição, o sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de qualquer proposição normativa. Se o sentido de uma proposição normativa não é mais realizável, a revisão constitucional faz-se inevitável.

De acordo com o texto, temos que somente se poderá verificar a eficácia da força normativa em situações de emergência, nos tempos de necessidade. Se nessas condições, a força normativa for preservada, então a Constituição poderá verdadeiramente ser considerada uma força viva capaz de proteger a vida do Estado.

Por fim, segundo o autor, a força normativa da Constituição não está assegurada de plano, configurando missão que somente em determinadas condições, poderá ser realizada de forma excelente. Compete ao direito constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição, que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua força normativa.

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