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quarta-feira, abril 17, 2024

A TUTELA ANTECIPADA

1 – INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda a matéria sobre a tutela antecipada a qual denomina-se como sendo o deferimento provisório do pedido inicial, no todo ou em parte, com força de execução , se necessário (art. 273 do CPC).

Também nessa introdução vale salientar que a tutela antecipada tem semelhança com a medida cautelar no decorrer deste trabalho estaremos explorando melhor a questão.

Segundo LUIZ GUILHERME MARINONI “muitas vezes a pendência do processo pode ser mais incômoda do que uma sentença desfavorável, pois o estado de ansiedade que a falta de definição provoca pode ser mais difícil de ser administrado, para algumas pessoas, do que os efeitos de uma decisão contrária. (…) outro escopo social da jurisdição é o da educação para o exercício dos direitos. Muitas pessoas deixam de exercer seus direitos por não acreditarem na ‘Justiça’.”[1]

Efetivamante, a morosidade na entrega da prestação jurisdicional pode acabar por frustá-la , confirmando a célebre citação de Calamandrei e Rui Barbosa (“Justiça tardia é injustiça manifesta”).

Os princípios fundamentais que comandam o processo, como a garantia do contraditório, e as manobras legais sob a forma de exceções processuais dilatórias, além dos recursos em face do duplo grau de jurisdição, ensejam processos cuja duração é demasiado prolongada, não raro arrastando-se durante anos.

É justamente para tentar evitar essa eternização dos processos, que o direito processual estabelece uma série de medidas de urgência, dentre as quais a antecipação da tutela e as medidas cautelares, aptas a assegurar uma proteção provisória da ordem jurídica violada, até que venha a ocorrer o provimento jurisdicional final, solucionador do conflito de interesses.

O presente trabalho , sem qualquer pretensão de apresentar um estudo aprofundado da doutrina da tutela antecipatória, tem por objetivo apenas responder a algumas reflexões bastante sucintas sobre o tema, com especial ênfase para as distinções verificadas frente às ações cautelares bem como para algumas restrições à sua concessão, estabelecidas na legislação extravagante, hipóteses que vêm suscitando interpretações divergentes na jurisprudência.

2 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA TUTELA ANTECIPADA NO DIREITO BRASILEIRO

Na idade média, como se sabe, os conflitos de interesses eram solucionados pelos próprios litigantes, por meio da chamada autotutela. Era a época da vindita privada, onde o Estado não intervinha nos litígios, predominando a “lei do mais forte”

Posteriormente o Estado assume o Poder Jurisdicional, passando as lides a serem solucionadas mediante o processo.

Entretanto, como o Poder Judiciário, sempre se viu sufocado por uma enormidade de litígios que se multiplicam a cada dia, tornando-o lento e insatisfatório, foram surgindo novas fórmulas desburocratizantes do instrumento processual, tais como a criação de ritos mais simples, o surgimento das medidas cautelares e a antecipação de julgamentos, como nos casos de julgamento antecipado da lide e tutela antecipatória .

Esses julgamentos antecipados não constituem, na realidade, novidades no ordenamento jurídico. Já no direito romano, existiam institutos semelhantes, a exemplo dos interdicta, onde ao pretor era facultado. em determinados casos, antecipar a execução ou mesmo o provimento requestado no próprio processo cognitivo, independente de processo autônomo, superando , com isso, a separação entre conhecimento e execução. É aí que encontramos os antecedentes mais remotos das tutelas antecipadas.

Vê-se, portanto, que a busca por soluções e inovações, objetivando dar maior agilidade e praticidade à prestação jurisdicional, não é apanágio do legislador pátrio , nem muito menos reflexo dos dias atuais. Constitui, na verdade, anseio remoto de toda a comunidade jurídica universal, em todos os tempos, na busca incessante de aperfeiçoar o ordenamento jurídico.

Sugerida pela primeira vez , no sistema judicial brasileiro, pelo eminente Prof. Ovídio Baptista da Silva, ainda no ano de 1983, a tutela antecipatória começou a tomar forma, efetivamente , quando da elaboração do anteprojeto da Comissão Revisora de 1985, composta por eminentes juristas, entre eles Calmon de Passos, Sérgio Bermudes, Kazuo Watanabe, Luiz Antônio de Andrade e Joaquim Correia Carvalho Jr.

Entretanto, o instituto só veio a ser criado dez anos mais tarde , com a Lei nº 8.952,de 13 de Dezembro de 1994, que reformulou o artigo 273, do CPC, dando à sua redação novos contornos que explicitaram a possibilidade de o juiz antecipar os efeitos da tutela perseguida e ditar o direito de forma preliminar, satisfazendo o demandante, e garantindo a eficácia da solução da relação jurídica controvertida. Estava instituída, então, no Diploma Processual Civil Pátrio, a antecipação da tutela.

A inovação ora em análise , como se demonstrará logo mais adiante, não veio extinguir o processo cautelar, nem com ele se confunde. Do contrário, vem complementar o elenco das chamadas “tutelas de urgência “, destinadas a situações que não possam aguardar o término do processo principal para obviar ou reparar eventual lesão de direito, consagrando dessa forma o chamado poder geral de cautela do juiz ,.

3 – CONCEITO E HIPÓTESES DE CABIMENTO

A antecipação da tutela , logo que introduzida no ordenamento jurídico positivo, provocou as mais complexas elucubrações da doutrina, dando origem a diversos conceitos . A conceituação mais simples do instituto é o de ser a tutela antecipada, decisão interlocutória, de caráter mandamental, que adianta ao postulante da antecipação, total ou parcialmente, os efeitos do julgamento de mérito, quer em primeira instância quer em sede de apelação. (Veremos mais adiante que não há limite temporal para o pedido de tutela antecipada , que pode ser requerida até mesmo em grau de recurso).

Possuem legitimidade para requerer a tutela antecipatória o autor, o Ministério Público, o réu reconvinte, demais eventuais intervenientes no processo e, nas chamadas ações dúplices, ambas as partes litigantes.

Como já afirmamos em tópico anterior, a antecipação da tutela pode ser requerida a qualquer tempo e em qualquer fase em que o processo se encontre, inclusive inaudita altera parte. Isso porque o legislador não estabeleceu prazo preclusivo para pedido, razão pela qual pode ser postulado e deferido até mesmo em sede de recurso. Importante ressaltar que a concessão inaudita altera parte não representa violação ao princípio do contraditório, mas sim uma breve postergação do mesmo, sendo ainda garantida a possibilidade de reversão da concessão.

Alguns doutrinadores, a exemplo de Calmon de Passos, sustentam que o prazo do requerimento da tutela antecipada não pode ficar ao arbítrio das partes, devendo-se, por analogia , aplicar-lhe o prazo preclusivo de 10 (dez) dias, da data da ciência do fato, previsto no art. 325 do CPC . A posição restritiva, no entanto, não é majoritária, mesmo porque em se tratando de restrição ao exercício de direito , ainda que processual, haveria necessidade de dispositivo expresso.

A antecipação da tutela é cabível no processo de conhecimento , qualquer que seja o tipo de ação ou o rito procedimental adotado, inclusive na jurisdição trabalhista. Não é cabível nas ações de execução , conforme bem salienta Ernane Fidélis dos Santos , uma vez que “tais ações não possuem decisões ou fases que possam impor reconhecimento antecipado de procedência da pretensão, o que já deverá ter ocorrido em ação cognitiva ou por força de título executivo extrajudicial . [2]

Questão que já foi bastante debatida diz respeito ao cabimento ou não de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, em face do duplo grau obrigatório exigido pelo art. 475 do CPC, e da previsão para pagamento de precatórios estabelecida no art. 100 da Constituição. Atualmente já foi superada toda e qualquer controvérsia sobre o tema, sendo perfeitamente possível a sua concessão contra a Fazenda Pública , sempre que o pedido consista em obrigação de fazer ou não fazer. Não é cabível nas ações que tenham por objeto a obrigação de pagar, já que a Constituição Federal (art. 100) determina que os débitos judiciais das entidades estatais (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias ou Fundações Públicas) só podem ser liquidados em decorrência de sentença, e a antecipação da tutela., como já foi dito, é . decisão interlocutória.

4 – PRESSUPOSTOS PARA A SUA CONCESSÃO

Estabelece o artigo 273 do CPC um conjunto de requisitos e pressupostos que o juiz deve observar para antecipar a decisão, o que demonstra não estar a concessão da tutela antecipada ao exclusivo alvedrio do magistrado.

Os pressupostos para a concessão do pedido, expressos no artigo 273 do CPC, em sua redação atual , são os seguintes:

Art. 273: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1º. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º. A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do artigo 588. § 4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5º. Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.” (Redação dada ao artigo pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994 .)

Pela leitura do dispositivo acima, vê-se que a concessão da antecipação da tutela pressupõe, inicialmente, a presença de dois elementos preponderantes, quais sejam a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação.

Segundo Carreira Alvim, ” prova inequívoca deve ser considerada aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito, não possa ser oposta qualquer dúvida razoável, ou, cuja autenticidade ou veracidade seja provável” . [3]

Ou seja, prova inequívoca é aquela que, por si só, permite se tomar como verdadeiros e certos os fatos aludidos, no momento de sua análise.

Já a verossimilhança, diz o dicionarista Plácido e Silva, é “plausibilidade, a probabilidade de ser. A verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas. No entanto, conforme é assente na jurisprudência, sendo a verossimilhança uma questão de fato, não se pode sobre ela estabelecer regras doutrinárias. Deve, portanto, ser deixada ao prudente arbítrio do juiz que a resolverá segundo as circunstâncias que cercam cada caso, diante do exame das relações existentes entre as provas feitas e os fatos que se pretendem provar” [4]

Verossimilhança é o juízo de convencimento a ser feito em torno de todo dos fatos alegados pela parte que pretende a antecipação de tutela . É mais do que o fumus boni iuris, necessário à concessão das medidas cautelares. Não bastando a simples fumaça, exigindo-se uma forte probabilidade de legitimidade e juridicidade dos fatos narrados.

Esses dois requisitos iniciais, ou seja o da prova inequívoca e o da verossimilhança além de bastante vagos, são contraditórios, como bem observa o mestre CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, dizendo: “A dar passo ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor. Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no art. 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança”.[5]

Além da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação , a lei exige ainda, alternativamente, uma das duas hipóteses previstas nos incisos I e II do artigo 273.

Segundo o inciso I do art. 273, para que a tutela seja concedida é preciso que haja “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” . É exatamente, sem tirar nem por, o chamado periculum in mora, também exigido nas medidas cautelares. Observa, no entanto, Ernane Fidélis, que o “o prejuízo referido na lei não se confunde com o incômodo e a inconveniência decorrentes da marcha normal do processo, mas de situação anômala, particularíssima, relacionada com a parte especificamente” . [6]

Já o inciso II do art. 273 impõe requisito bem mais difícil de ser comprovado, qual seja “o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”. Isto porque o direito de defesa só pode ser exercido e reconhecido como garantia constitucional quando exercido de forma razoável e de forma a não retardar, indevidamente, a realização do direito do autor.

É curial que a ocorrência dessa hipótese pressupõe que o requerimento de tutela, necessariamente, seja feito após a contestação.

Além desses requisitos, o § 2º do artigo 273 considera primordial que a antecipação da tutela outorgada não seja, de forma alguma, irreversível, estabelecendo que o juiz não concederá a tutela antecipatória quando existir perigo de irreversibilidade do provimento.

Importante ressaltar aqui que o provimento em si, nunca será irreversível, uma vez que provisório, podendo a qualquer tempo ser revogado, mas sim seus efeitos, que são as conseqüências de fato da implementação da medida.

A respeito dessa característica de provisoriedade da antecipação, CARLOS ALBERTO ÁLVARO DE OLIVEIRA diz que, não havendo cognição exauriente, não pode a tutela consistir em satisfação do direito em sua plena realização prática, acrescentando que: “Também não se há de emprestar ao provimento concessivo da antecipação do efeito executivo ou mandamental (com cognição incompleta) a qualidade de verdadeira sentença, porque, se assim fosse, o direito do demandado sofreria um brutal atropelo.”[7]

REIS FRIEDE manifesta grande preocupação quanto à observância da reversibilidade, ao afirmar que “tanto a tutela cautelar como a tutela cognitiva antecipada, segundo os preceitos normativos aplicáveis às respectivas espécies, não podem suportar os riscos derivados da irreversibilidade de seus efeitos.”[8]

O artigo 273 prevê, ainda, em seu § 3º, que a execução da tutela antecipada atenderá ao previsto no artigo 588, II e III, que dispõe sobre a execução provisória.

Um aspecto que até desmereceria qualquer realce dada à sua obviedade é a necessidade da fundamentação da decisão , já assegurada constitucionalmente. Entretanto o legislador achou por bem determinar, no § 1º do art. 273 que “o juiz indicará , de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento.”, devendo fazê-lo também no caso de revogação ou modificação de sua decisão, conforme reza o § 4º.

Finalmente, é importante observarmos que o termo “poderá”, previsto no caput do art. 273, não traduz liberalidade ou discricionariedade do juiz, mas um dever do julgador, sendo-lhe obrigatório determinar a antecipação da tutela , uma vez preenchidos os requisitos exigidos.Por outro lado não pode o Juiz conceder a tutela ex officio, vez que a lei exige o requerimento da parte.

5 – ELEMENTOS DIFERENCIADORES ENTRE TUTELA ANTECIPADA, MEDIDA CAUTELAR E JULGAMENTO ANTECIPADO A LIDE

5.1. TUTELA ANTECIPADA E MEDIDA CAUTELAR

O Juiz Federal Reis Friede, já citado anteriormente, em excelente trabalho publicado na internet, faz uma comparação entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, mostrando a distinção entre os dois institutos, cujos conceitos, segundo o autor ” são freqüentemente confundidos por diversos autores e profissionais do Direito.”

Diz Reis Friede “que, na medida cautelar, basta a existência do fumus boni juris e do periculum in mora para que ela se concretize. Já na tutela antecipada, exige-se que haja prova inequívoca da verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que fique caracterizada a resistência da parte diversa, conforme reza o art. 273 do Código de Processo’Civil. Ressalta, ainda, como diferença básica, o fato de ” na tutela antecipada haver o adiantamento da prestação jurisdicional, incidente sobre o próprio direito reclamado, enquanto que no procedimento cautelar não se antecipa a prestação jurisdicional buscada na lide principal. ” [09] Complementando, observa o mestre Cândido Rangel Dinamarco que “a técnica engendrada pelo novo art. 273 consiste em oferecer rapidamente a quem veio ao processo pedir determinada solução para situação que descreve, precisamente, aquela solução que ele veio ao processo pedir. Não se trata de obter medida que impeça o perecimento do direito ou que se assegure ao titular a possibilidade de exercê-lo no futuro. A medida antecipatória conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado pelo autor. [10]

A jurisprudência nacional vem se firmando no sentido de estabelecer a correta distinção entre os institutos, a se ver pelos seguintes precedentes:

Tutela antecipada não se confunde com medida liminar cautelar, eis que nesta a providência se destina a assegurar a eficácia prática da decisão judicial posterior, enquanto que naquela existe o adiantamento do próprio pedido da ação. (Ac. un. da 5a Câm. do TJ/RJ de 10/12/1996, no Ag. 4.266/96, rel. Des. Miguel Pachá; RDTJRJ 32/240).

Não se confundem medida cautelar e tutela antecipada. Na primeira bastam fumaça de bom direito e perigo de dano. Na segunda, exige-se que a tutela corresponda ao dispositivo da sentença; haja prova inequívoca, capaz de convencer o juiz da verossimilhança das alegações; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Tudo isso mediante cognição provisória, com audiência do demandado, que só pode ser dispensada em casos excepcionais. (Ac. un. da 3a Câm. do TJ/SC de 17/09/96, no Ag. 96.001.452-7, rel. Des. Amaral e Silva; Adcoas, 30/04/1997, n. 8.153.739).

O limite objetivo da tutela é a coincidência em extensão com a prestação definitiva ou a procedência da inicial caracterizada pela provisoriedade e não se confunde com o provimento cautelar. A semelhança formal que a antecipação de tutela inegavelmente mantém com a pretensão cautelar, da qual efetivamente se distingue não só em razão da vida efêmera desta última mas, principalmente, em razão do próprio exame do direito afirmado que a primeira comporta, embora resguardada pela provisoriedade, não enseja deferimento alternativo. (Ac. un. da 9a Câm. do 2o TACiv/SP de 10/04/96, no Ag. 456.382-00/8, rel. Juiz Francisco Casconi; RT 729/246; Adcoas, ago./96, n. 8.151.009).

Em suma, a antecipação da tutela , muito embora se aproxime em determinados pontos da medida cautelar , por serem ambas tutelas de urgência, com aquela não se confunde. A cautelar tem natureza instrumental, ou seja, visa a garantir o resultado prático do processo de conhecimento ou de execução ,preservando e impedindo o perecimento de determinado bem ou direito. Já a tutela antecipada, tem por objetivo adiantar os efeitos do próprio provimento jurisdicional pleiteado, propiciando sua imediata execução.

5.2. TUTELA ANTECIPADA E JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

A tutela antecipada também não se confunde com o julgamento antecipado da lide, de que trata o artigo 330 do Código de Processo Civil.

Começa que no julgamento antecipado da lide o juiz profere sentença, põe termo ao processo, proferindo uma sentença de mérito, impugnável por apelação e sujeita à coisa julgada material, enquanto que na antecipação de tutela, por se tratar de decisão interlocutória, ainda provisória e, a qualquer momento, passível de modificação ou revogação., por isso não se submetendo à coisa julgada material., o recurso cabível é o de agravo de instrumento.

Não se pode, portanto, confundir a antecipação da tutela com a própria prestação jurisdicional. Nesse particular, as lições de JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS são bastante claras: “Sempre procurei distinguir a prestação da atividade jurisdicional da tutela jurídica. São coisas distintas. A primeira, um dever-poder a que o Estado está obrigado constitucionalmente e que corresponde à prestação devida, em face do exercício, pelo sujeito, do seu direito de ação (direito de obter, do Estado-juiz, um pronunciamento em face da postulação que lhe é formulada); a segunda, o deferimento de certo bem da vida, reclamado como próprio ou como devido ao que exercitou o seu direito de ação. A atividade jurisdicional do Estado deve ser prestada a todos que a reclamem. Já a tutela jurídica diz respeito a um bem da vida que transcende o processo o qual, mediante o processo, se pretende obter. A tutela jurisdicional, portanto, não ocorre, necessariamente, em todo processo.”[11]

6 – RESTRIÇÕES INCONSTITUCIONAIS À CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA

As principais restrições à concessão da tutela antecipada estão expressas na Leis nº 9494/97, que manda aplicar ao instituto as limitações já previstas para as medidas liminares , consubstanciadas nas leis nºs 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92 esta última com a redação alterada pela Medida Provisória nº 2.102-29, de 27 de março de 2001, a saber :

Lei 9.494, de 10.9.97 – Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências: “Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei n. 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992″.

Lei n. 4.348, de 26 de junho de 1964: ei n. 4.348, de 26 de junho de 1964: Estabelece normas processuais relativas a mandado de segurança: ‘ Art. 5º Não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens. Parágrafo único. Os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença”

Lei n. 5.021, de 9 de junho de 1966 -Dispõe sobre o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público civil. Art. 1º (….) § 4º Não se concederá medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias.

Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992 – Dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público e dá outras providências. Art. 1º Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.§ 1º Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal (…).§ 3º Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. (…)§ 5o Não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos tributários ou previdenciários.” (redação do parágrafo dada pela MP no 2.102-29, de 27 de março de 2001)

O inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal de 1988 estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Segundo o Prof. Arruda Alvim,: “Isto quer dizer que nenhuma lesão ou mera ameaça da lesão de direito individual ou não, pode ser por lei infraconstitucional subtraída do conhecimento do Poder Judiciário” [12]. Ou como diz Celso Ribeiro Bastos, ” lei alguma poderá auto exluir-se da apreciação do Poder Judiciário quanto à sua constitucionalidade, nem poderá dizer que ela seja ininvocável pelos interessados perante o Poder Judiciário para resolução das controvérsias que surjam da sua aplicação” [13]

Em razão desse dispositivo vem a doutrina e a jurisprudência indagando se poderia a lei vedar a concessão da tutela antecipada em determinadas hipóteses. Entendemos que não.

Ensina o mestre Cretella Jr. que ,.”o texto de lei ordinária que declarar a exclusão é eivado de inconstitucionalidade” [14]

O Ministro do STJ José Augusto Delgado, em trabalho intitulado “A tutela do processo na Constituição de 1988 – Princípios essenciais”, citado pelo Juiz Federal Francisco Barros Dias, defende “o impedimento do Legislativo suprimir ou restringir da apreciação judicial qualquer conflito, reafirmando, de modo solene, que a unidade da função jurisdicional deve ser preservada” [15]

Os que defendem o contrário, afirmam que a possibilidade de se conceder a tutela antecipada não está expressa, e sequer implícita, na garantia que a Constituição outorga aos cidadãos. O deferimento de tutela antecipada , sobretudo quando inaudita altera parte, é medida de exceção, porque de certa forma desvirtua o fundamental princípio do contraditório. Por esse motivo poderia a lei ordinária livremente dispor sobre a proibição de se conceder tutela antecipada em determinadas hipóteses.

Ocorre, todavia, que em certas hipóteses concretas, as tutelas de urgência, aí incluída a tutela antecipada, passam a configurar uma das únicas formas de resguardo do direito. E nesse caso, a tutela tem que ser concedida, ainda que haja restrição legal.

Tolher ou limitar a concessão da tutela em hipóteses tais, importa em atingir, em maior ou em menor grau, direitos individuais, solenemente assegurados na Constituição. Macula a integralidade do respeito à garantia constitucional de eficácia da decisão jurisdicional conferidora da segurança jurídica a quem dela se veja carente. É certo que o exercício de direito constitucionalmente assegurado, qualquer que ele seja, pode ser condicionado legalmente em seu exercício, quanto à forma procedimento etc., como, por exemplo, a exigência de prestação de caução, desde que esta formatura legal não implique comprometimento da própria existência do direito

É importante relembrar o que já foi dito em tópicos anteriores: o provimento antecipado não é uma liberalidade da Justiça. É direito do cidadão, que não pode ser negado quando presentes os seus pressupostos, como também não deve ser concedido quando ausentes os requisitos de sua admissibilidade.

Quando a lei ordinária determina a proibição na concessão de tutela antecipada, em realidade está tolhendo a liberdade do juiz em apreciar e avaliar a existência de suas hipóteses de cabimento. Tanto que, a se dar guarida a tais diplomas legais, ter-se-à a situação em que o juiz, ainda que reconheça presentes os requisitos legais, não poderá conceder a tutela simplesmente porque a lei veda. E isso é totalmente desarrazoado.

Marinoni, criticando a decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 223-6-DF, STF, de 05.04.90, anota que é por demais evidente que determinadas pretensões somente se compatibilizaram com tutelas de urgência. E as liminares e as ações urgentes, para estes casos, são os instrumentos que concretizam o direito à adequada tutela jurisdicional. A restrição do uso da liminar, portanto, significa lesão evidente ao princípio da inafastabilidade. Do contrário, teremos que raciocinar com um dado absurdo, ou seja com a possibilidade de se estabelecer (através de lei), de forma absoluta a inexistência de necessidade de tutela urgente para determinados casos, o que significaria, ainda, subtrair da valoração do juiz, e transplantar para o domínio da norma, a própria aferição da existência do periculum in mora. [16]

7 – CONCLUSÕES

Como dito no início deste trabalho, não se procurou aqui mostrar um estudo aprofundado da doutrina da tutela antecipada , mas tão somente apresentar algumas reflexões bastante sucintas sobre o instituto.

Entre os aspectos abordados a merecer especial destaque a título de conclusão, devem ser ressaltados os seguintes:

A idéia de inclusão da tutela antecipatória no sistema judicial brasileiro é do Prof. Ovídio Baptista da Silva, ainda no ano de 1983.. O instituto começou a tomar forma, efetivamente , quando da elaboração do anteprojeto da Comissão Revisora de 1985, vindo a ser criado dez anos mais tarde , com a Lei nº 8.952,de 13 de Dezembro de 1994, que reformulou o artigo 273, do CPC.

A tutela antecipada é decisão interlocutória, de caráter mandamental, que adianta ao postulante da antecipação, total ou parcialmente, os efeitos do julgamento de mérito, quer em primeira instância quer em sede de apelação.

A antecipação da tutela só é cabível no processo de conhecimento , independentemente do tipo de ação ou o rito procedimental adotado, inclusive na jurisdição trabalhista. Não é cabível no processo de execução nem no processo cautelar.

É possível a concessão da tutela contra a Fazenda Pública , sempre que o pedido consista em obrigação de fazer ou não fazer. Não é cabível nas ações que tenham por objeto a obrigação de pagar, em face do art. 100 da Constituição Federal

O artigo 273 do CPC estabelece quais os requisitos e pressupostos que o juiz deve observar para antecipar a decisão, o que demonstra não estar a concessão da tutela antecipada ao exclusivo alvedrio do magistrado.

O termo “poderá”, previsto no caput do art. 273, não traduz liberalidade ou discricionariedade do juiz, mas um dever do julgador, sendo-lhe obrigatório determinar a antecipação da tutela , uma vez preenchidos os requisitos exigidos. Por outro lado não pode o Juiz conceder a tutela ex officio, vez que a lei exige o requerimento da parte.

A tutela antecipada não se confunde com medida liminar cautelar. Nesta a providência se destina a assegurar a eficácia prática da decisão judicial posterior, enquanto que naquela existe o adiantamento do próprio pedido da ação. Também não se confunde com o julgamento antecipado da lide, de que trata o artigo 330 do Código de Processo Civil, eis que tutela provisória, não submetida à coisa julgada.

O provimento antecipado não é uma liberalidade da Justiça. É direito do cidadão, que não pode ser negado quando presentes os seus pressupostos. Quando a lei ordinária determina a proibição na concessão de tutela antecipada, em realidade está tolhendo a liberdade do juiz em apreciar e avaliar a existência de suas hipóteses de cabimento.

Sendo assim, são inconstitucionais as restrições à concessão da tutela antecipada expressas na Leis nº 9494/97, que manda aplicar ao instituto as limitações já previstas para as medidas liminares , consubstanciadas nas leis nºs 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92 esta última com a redação alterada pela Medida Provisória nº 2.102-29, de 27 de março de 2001

8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2a ed., São Paulo : Malheiros, 1996, 99.

[2].SANTOS, Ernane Fidelis dos. Novíssimos perfis do processo civil brasileiro , Belo Horizonte, Ed. Del Rey, 1999, p. 23.

[3] CARREIRA ALVIM, J.E. Código de Processo Civil reformado, Ed. Del Rey , 1995, p. 102

[4] Vocabulário Jurídico, 4º vol., p. 482.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 143.

[6].SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. Cit., p. 25

[7]. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Comentários ao código de processo civil. Vol. VIII, Tomo II, Rio de Janeiro : Forense, 1998, p. 21.

[8] FRIEDE, Reis. . Limites objetivos para a concessão de medidas liminares em tutela cautelar e em tutela antecipatória. São Paulo : LTr, 2000, p. 25.

[9] FRIEDE, Reis. Tutela cautelar e tutela antecipada: distinções fundamentais retirado de: http://www.cjf.gov.br/bvirtual

[10] DINAMARCO, Cândido Rangel.,ob. citada p.139

[11] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao código de processo civil, vol. III, 8a ed., Rio de Janeiro : Forense, 1998, p. 9-10.

[12] ARRUDA ALVIM, Tratado de Direito Processual Civil, v. 1/155, Ed. RT, 2ª ed., 1990

[13] BASTOS, CELSO RIBEIRO Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 11ª ed., p. 198.

[14] CRETELLA JR, Comentários à Constituição – 1988, Forense, Universitária, v. I/436, 1989).

[15] DELGADO, JOSÉ ALGUSTO , Jurisprudência Brasileira, Juruá, v. 143/24 e RePro 55/94.

[16] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória . Ed. RT, 1992, pág. 96

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