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sábado, abril 20, 2024

Coesão Textual

Conexão

Outro tipo de sinais de articulação são os conectores inter-frásticos, responsáveis pelo tipo de encadeamento a que se tem denominado conexão ou junção (cf. a conjunção de Halliday & Hasan). Trata-se de conjunções, advérbios sentenciais (também chamados advérbios de texto) e outras palavras (expressões) de ligação que estabelecem, entre orações, enunciados ou partes do texto, diversos tipos de relações semânticas e/ou pragmáticas.

Relações Lógico-Semânticas

As relações lógico-semânticas entre orações que compõem um enunciado são estabelecidas por meio de conectores ou juniores de tipo lógico. A expressão conectores de tipo lógico deve-se ao fato de tais conectores apresentarem semelhanças com os operadores lógicos propriamente ditos, não se confundindo, porém, com estes, já que a “lógica” das línguas naturais difere, em muitos aspectos, da lógica formal. São relações desse tipo:

– relação de condicionalidade (se p então q) – expressa-se pela conexão de duas orações, uma introduzida pelo conector se ou similar (oração antecedente) e outra por então, que geralmente vem implícita (oração consequente). O que se afirma nesse tipo de relação é que, sendo o antecedente verdadeiro, o ôonseqüente também o será. Vejam-se os exemplos:

19. Se aquecermos o ferro, (então) ele se derreterá.

20. Caso faça sol, (então) iremos à praia.

– relação de causalidade (p porque q) – expressa-se pela conexão de duas orações, uma das quais encerra a causa que acarreta a consequência contida na outra. Tal relação pode ser veiculada sob diversas formas estruturais, como:

– relação de mediação – que se exprime por intermédio de duas orações, numa das quais se explicitam o(s) meio(s) para atingir um fim expresso na outra:

25. O jovem envidou todos os esforços para conquistar

meio

“o amor da garota dos seus sonhos.”

fim

Embora, do ponto de vista lógico, a relação de condicionalidade (implicação) englobe as de causalidade e de mediação, apresento-as separadamente por razões didáticas.

– relação de disjunção – tal relação pode ser tanto de tipo lógico, quanto de tipo discursivo (que será apresentada mais adiante) e se expressa através do conectivo ou. Esse conector, porém, é ambíguo em língua natural, correspondendo ora à forma latina aut, com valor exclusivo (isto é, um ou outro, mas não ambos), ora à forma -vel com valor inclusivo (ou seja, um ou outro, possivelmente ambos).

26. Você vai passar o fim de semana em São Paulo ou vai descer para o litoral? (exclusivo)

27. Todos os congressistas deveriam usar crachás ou trajar camisas vermelhas, (inclusivo: e/ou)

– relação de temporalidade – por meio da qual, através da conexão de duas orações, localizam-se no tempo, relacionando-os uns aos outros, ações, eventos, estados de coisas do “mundo real” ou a ordem em que se teve percepção ou conhecimento deles. O relacionamento temporal pode ser de vários tipos:

a. tempo simultâneo (exato, pontual):

b. tempo anterior/tempo posterior:

29. Antes que o inimigo conseguisse puxar a arma, o soldado desferiu-lhe uma saraivada de tiros.

30. Depois que Maria enviuvou, ele preferiu viver na fazenda de seus pais.

c. tempo contínuo ou progressivo:

31. Enquanto os alunos faziam os exercícios, o professor corrigia as provas da outra turma.

32. À medida que os recursos iam minguando, aumentava o desespero da população do vilarejo isolado pelas inundações.

– relação de conformidade – expressa-se pela conexão de duas orações em que se mostra a conformidade do conteúdo de uma com algo asseverado na outra:

33. O réu agiu conforme o advogado lhe havia determinado.

– relação de modo – por meio da qual se expressa, numa das orações, o modo como se realizou a ação ou evento contido na outra. Exemplo:

34. Sem levantar a cabeça, a criança ouvia as reprimendas da mãe.

35. Como se fosse um raio, o cavaleiro disparou pela campina afora.

Relações discursivas ou argumentativas

Os encadeadores de tipo discursivo são responsáveis pela estruturação de enunciados em textos, por meio de encadeamentos sucessivos, sendo cada enunciado resultante de um ato de fala distinto. Neste caso, o que se assevera não é, como nas relações de tipo lógico, uma relação entre o conteúdo de duas orações, mas pro-duzem-se dois (ou mais) enunciados distintos, encadeando-se o segundo sobre o primeiro, que é tomado como tema.

Prova de que se trata de enunciados diferentes, resultantes cada um de um ato de fala particular, é que eles poderiam ser apresentados sob forma de dois períodos ou até proferidos por locutores diferentes. Assim, tais encadeamentos podem ocorrer entre orações de um mesmo período, entre dois ou mais períodos e, também, entre parágrafos de um texto: daí a denominação dada aos conectores por eles responsáveis de operadores ou encadeadores de discurso.

Ademais, esses conectores, ao introduzirem um enunciado, determinam-lhe a orientação argumentativa. Por esta razão, são também chamados operadores argumentativos e as relações que estabelecem, relações pragmáticas, retóricas ou argumentativas. Entre as principais destas relações podem citar-se:

– conjunção – efetuada por meio de operadores como é, também, não só … mas também, tanto … como, além de, além disso, ainda, nem (= e não), quando ligam enunciados que constituem argumentos para uma mesma conclusão. Exemplo:

36. João é, sem ddvida, o melhor candidato. Tem boa formação e apresenta um consistente programa administrativo. Além disso, revela pleno conhecimento dos problemas da população. Ressalte-se, ainda, que não faz promessas demagógicas.

37. A reunião foi um fracasso. Não se chegou a nenhuma conclusão importante, nem (= e não) se discutiu o problema central.

– disjunção argumentativa – trata-se aqui da disjunção de enunciados que possuem orientações discursivas diferentes e resultam de dois atos de fala distintos, em que o segundo procura provocar o leitor/ouvinte para levá-lo a modificar sua opinião ou, simplesmente, aceitar a opinião expressa no primeiro:

38. Todo voto é útil. Ou não foi dtil o voto dado ao rinoceronte “Cacareco” nas eleições municipais, há alguns anos atrás?

– contrajunção – através da qual se contrapõem enunciados de orientações argumentativas diferentes, devendo prevalecer a do enunciado introduzido pelo operador mas (porém, contudo, todavia etc.).

39. Tinha todos os requisitos para ser um homem feliz. Mas vivia só e deprimido.

Quando se utiliza o operador embora (ainda que, apesar de (que) etc.), prevalece a orientação argumentativa do enunciado não introduzido pelo operador:

40. Embora desconfiasse do amigo, nada deixava transparecer.

41. O calor continua insuportável, apesar da chuva que caiu o dia todo.

Segundo Ducrot (1980), o operador MAS pode exprimir um movimento psicológico entre crenças, opiniões, emoções, desejos, ainda que implícitos, quando orientados em sentidos contrários, como em:

42. Jeanne, tendo acabado de arrumar as malas, aproximou-se da janela, mas a chuva continuava. (Maupassant, Une Vié).

– explicação ou justificativa – quando se encadeia, sobre um primeiro ato de fala, outro ato que justifica ou explica o anterior:

43. Não vá ainda, que tenho uma coisa importante para lhe dizer. (Justificativa)

44. Deve ter faltado energia por muito tempo, pois a geladeira está totalmente descongelada. (Explicação)

– comprovação – em que, através de um novo ato de fala, acrescenta-se uma possível comprovação da asserção apresentada no primeiro:

45. Encontrei seu namorado na festa, tanto que ele estava de ténis Adidas.

– conclusão – em que, por meio de operadores como portanto, logo, por conseguinte, pois etc., introduz-se um enunciado de valor conclusivo em relação a dois (ou mais) atos de fala anteriores que contêm as premissas, uma das quais, geralmente, permanece implícita, por tratar-se de algo que é voz geral, de consenso em dada cultura, ou, então, verdade universalmente aceita. Exemplo:

47. João é um indivíduo perigoso. Portanto, fique longe dele.

– comparação – expressa-se por meio dos operadores (tanto, tal) … como (quanto), mais… (do) que, menos… (ao) que, estabelecendo entre um termo comparante e um termo comparado, uma relação de inferioridade, superioridade ou igualdade. A relação comparativa, como demonstra Vogt (1977, 1980), possui caráter eminentemente argumentativo: a comparação se faz tendo em vista dada conclusão a favor ou contra a qual se pretende argumentar. Assim, se a uma pergunta como: “Devemos chamar Pedro para tirar a mala de cima do armário?”, se obtivesse como resposta:

48. “João é tão alto quanto Pedro.”

a argumentação seria desfavorável a Pedro (embora não negando a sua altura) e favorável a João. Se, por outro lado, a resposta fosse:

49. “Pedro é tão alto como João.”

haveria inversão da orientação argumentativa, agora favorável a Pedro.

Pelos exemplos acima, verifica-se: a) que, do ponto de vista argumentativo, não há “igualdade” entre Pedro e João; b) que, embora tema e rema sejam perfeitamente permutáveis do ponto de vista sintático, não o são do ponto de vista argumentativo.

– generalização/extensão – em que o segundo enunciado exprime uma generalização do fato contido no primeiro (ex. 50 e 52), ou uma amplificação da ideia nele expressa (ex. 51):

– especificação/exemplificação – em que o segundo enunciado particulariza e/ou exemplifica uma declaração de ordem mais geral apresentada no primeiro:

53. Muitos de nossos colegas estão no exterior. Pierre, por exemplo, está na França.

54. Nos países do Terceiro Mundo, como a Bolívia e o Brasil, falta saneamento básico em muitas regiões.

– contraste – na qual o segundo enunciado apresenta uma declaração que contrasta com a do primeiro, produzindo um efeito retórico:

55. Gosto muito de esporte. Mas luta-livre, faça-me o favor!

56. Os ricos ficam cada vez mais ricos, ao passo que os pobres tornam-se cada vez mais pobres.

– correção/redefinição – quando, através de um segundo enunciado, se corrige, suspende ou redefine o conteúdo do primeiro, se atenua ou reforça o comprometimento com a verdade do que nele foi veiculado ou, ainda, se questiona a própria legitimidade de sua enunciação:

57. Irei à sua festa. Isto é, se você me convidar.

58. Eu não agiria deste modo. Se você quer saber a minha opinião.

59. Meus parabéns! Ou não devo cumprimentá-lo por isso?

60. Pedro chega hoje. Ou melhor, acredito que chegue, não tenho certeza.

Outros tipos de relações poderiam ser ainda apresentadas, por exemplo, as que se estabelecem entre turnos, no diálogo. Não tive a intenção de ser exaustiva e, sim, de apresentar ao leitor uma visão geral do assunto.

Charolles (1986) ressalta que o uso dos mecanismos coesivos tem por função facilitar a interpretação do texto e a construção da coerência pêlos usuários. No entanto, seu uso inadequado pode dificultar a compreensão do texto: visto possuírem, por convenção, funções bem específicas, eles não podem ser usados sem respeito a tais convenções. Se isto acontecer, isto é, se seu emprego estiver em desacordo com sua função, o texto parecerá destituído de se-qüencialidade, o que dificultará a sua compreensão e, portanto, a construção da coerência pelo leitor/ouvinte.

É preciso deixar claro, ainda, que a coesão referencial e a coesão sequencial não devem ser vistas como procedimentos total mente estanques. Há, na língua, formas que apenas efetuam encadeamentos (os conectores propriamente ditos) e outras que operam, ao mesmo tempo, remissão (ou referência) e encadeamento.

Vejam-se, como exemplo destas últimas, as formas examinadas no item Justaposição (pág. 60) (meta-nível), algumas das quais, inclusive, apresentam semelhanças com as dos exemplos (63) e (64) do capítulo anterior. O próprio uso de formas remissivas, retomando referentes do texto para se tornarem suportes de novas predicações, não deixa de contribuir para a progressão do texto, aproximando-se, pois, dos mecanismos de seqüenciação parafrástica.

Como se pode verificar de tudo o que foi dito neste capítulo, também a questão da coesão sequencial é bastante complexa. Esta obra terá atingido seu objetivo se conseguir motivar o leitor a novas leituras sobre o tema coesão textual.

Referências:

KOCH, I.G.V. A coesão textual. 8ª ed. São Paulo: Contexto, 1996,p.62-70.

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