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segunda-feira, dezembro 2, 2024

SURDEZ SÚBITA

Autor: Daniela Filgueiras Britto

Introdução:

O conceito de Surdez Súbita, embora varie de acordo com alguns autores, define a perda auditiva abruta ou rapidamente progressiva, por comprometimento de ouvido interno, de intensidade e freqüência variáveis, acometendo ambos (raramente) ou apenas um dos ouvidos.

Os critérios utilizados para enquadrar uma perda auditiva como surdez súbita estão cada vez mais restritivos. H. Lienhart e col. definem como critérios para o diagnóstico de Surdez súbita os seguintes:

Ser uma surdez de aparição brusca ou rapidamente progressiva
Ser uma surdez de ouvido interno por acometimento coclear puro, sendo Sinais de acompanhamento o zumbido e/ou plenitude auricular.
Ser uma surdez onde a causa e o mecanismo patogênico são desconhecidos, sendo então por definição idiopática.
Ser uma surdez que pode evoluir para a regressão, completa ou não, ou agravar-se progressivamente, não tendo caráter flutuante.
É necessário, sempre que possível, pesquisar quais os quadros de perda brusca da audição em que se encontra uma etiologia provável.

Conceito e Estudo Clínico:

O conceito de surdez súbita é o de uma entidade clínica, de etiologia variada e discutida, que se instala subitamente numa pessoa de audição normal, progredindo em horas ou dias, geralmente unilateral. Pode ser bilateral em 4% dos casos, segundo Shaia e Sheehy, mas excepcionalmente ao mesmo tempo: em geral, a agressão ao outro ouvido faz-se após apreciável período de tempo.

A intensidade da hipoacusia é variável, de discreta a acentuada e até total. Quando discreta, chega ao ponto de passar despercebida e só vir a ser descoberta pelo paciente após meses ou anos.

A surdez súbita pode ser precedida, em 80% dos casos, de zumbido ou “estalo” no ouvido, por vezes várias horas antes da perda de audição. Outras vezes, o indivíduo deita-se em perfeito estado de saúde e acorda já com a surdez instalada, que pode ser intensa de início. Quando a surdez é de aparecimento instantâneo, a sensação subjetiva de zumbido ou estalo no ouvido é intensa e alta.

A disacusia é do tipo neurossensorial e em grau de intensidade variável, desde pouco acentuada até profunda.

Segundo Sheehy, há quatro tipos de perfis audiométricos:

Curva ascendente (perda nos “graves”) em 17% dos casos;
Curva descendente (perda nos “agudos”) em 29% dos casos;
Curva horizontal, a mais freqüente (41% dos casos), caracterizada por perda em todas as freqüências;
Perda total.
A disacusia é geralmente do tipo sensorial, isto é, decorrente de lesão ou disfunção das células ciliadas do órgão de Corti, com recrutamento presente e discriminação prejudicada, que o paciente nota de imediato.

A disacusia da surdez súbita pode ser, no entanto, do tipo neural, com tone decay positivo, isto é, fadiga perestimulatória acima de 35dB, discriminação muito prejudicada e ausência de recrutamento. A ausência de recrutamento afasta a possibilidade de lesão ou disfunção do órgão de Corti; sua presença, no entanto, não exclui, de modo categórico, possível lesão neural.

A surdez súbita pode ser permanente e de caráter irreversível, mas também verifica-se recuperação espontânea a um nível de audição normal ou próximo do normal (cerca de 20 a 25% de casos). A recuperação espontânea, quando se verifica, faz-se em poucos dias, mas tem havido referências de casos com surdez súbita e recuperação espontânea tardia.

A função vestibular pode manter-se normal, mas distúrbios vestibulares, traduzidos por vertigem e até vômitos, podem estar presentes, assim como nistagmo espontâneo. O estado vertiginoso por vezes perdura durante semanas ou meses, e as provas funcionais revelarem hiporreflexia e até arreflexia labiríntica, na dependência do fator etiológico.

Etiologia e Anatomia Patológica:

Entre as causas atribuídas como responsável pela instalação de surdez súbita, encontram-se as viroses, os distúrbios vasculares (vasospasmos), as mudanças de pressão barométrica, o trauma acústico violento (explosões), o trauma craniano, o barotrauma (com ou sem fístula perilinfática), a cirurgia estapendiana, o neuroma do acústico (etiologia que deve ser sempre suspeitada, pois existe em 10% dos casos, daí ser aconselhável solicitar sempre que possível, tomografia computadorizadas e ressonância magnética do crânio), além de outras causas menos freqüentes ou fatores de predisposição: anestesia geral, gravidez, diabete, doença de Mènière (embora raramente possa ser precedida de sudez súbita), policitemia vera, anemia, leucemia, meningite, esclerose múltipla, distúrbios tireoidianos, lues, esforço físico etc.

Principais etiologias relacionadas com perda brusca da audição:

INFLAMATÓRIAS
VIRAIS

Para alguns autores, ocupa o primeiro lugar em incidência como causa de surdez súbita. Pode fazer parte de uma virose sistêmica, como é o caso da parotidite, do sarampo, da mononucleose ou mesmo da gripe comum, ou aparecer de forma isolada e sem sintomas gerais, o que torna difícil o seu diagnóstico.

BACTERIANAS

A surdez súbita por infecção bacteriana do labirinto a partir do ouvido médio são excepcionais. A liberação de toxinas bacterianas pode desencadear fenômenos de sensibilização a problemas na microcicurlação.

AUTO-IMUNES

Os complexos imunes circulantes que existem em diversas patologias acometem o ouvido interno causando vasculites (S. Cogan, Wegner, poliartrite nodosa, …)

O mecanismo imunológico pode explicar tanto a surdez súbita como também a surdez flutuante e síndromes cócleo-vestibulares isoladas.

Nestes casos são obtidos resultados encorajantes com associação de corticoterapia com quimioterapia (ciclofosfamida).

ALÉRGICAS

Extremamente raras, a surdez súbita de origem alérgica pode ser encontrada ao curso de uma reação alérgica generalizada, ou após injeção de soros ou vacinas, picadas de abelhas ou outras substâncias alergizantes. Ela será conseqüência de problemas na microcirculação ou fenômenos anafiláticos alterando e causando danos à permeabilidade capilar.

FATORES VASCULARES

Etiologia muito freqüente, segundo alguns autores ocupa o primeiro lugar. Três mecanismos podem dar origem à lesão: a hemorragia, o espasmo, e a trombose. Assim, encontramos surdez súbita em pacientes com patologias cardio- vasculares (HAS, anticoagulantes à longo prazo), prolapso mitral ( em particular na doença de Berlow), nas doenças hematológicas ( leucemias, mieloma). A trombose é certamente a origem da surdez no curso de diabetes ou certas lipidemias ou mesmo com o uso de contraceptivos orais. A este fator vascular se junta os efeitos do stress, da instabilidade emocional, de um desequilíbrio neurovegetativo que favorece o espasmo vascular.

ORIGEM TUMORAL

O neurinoma do acústico pode se revelar em cerca de 10% dos casos como surdez súbita. Outros tumores, menos comumente, também podem ser causas: meningiomas, astrocitomas, metástases.

AFECÇÕES NEUROLÓGICAS DEGENERATIVAS

Excepcionalmente, a surdez súbita pode ser a primeira manifestação de esclerose múltipla.O diagnóstico se fará a partir do BERA que mostrará um alargamento do tempo de latência e um traçado desorganizado, e confirmado pela RNM.

ORIGEM TRAUMÁTICA

Todos os traumas cranianos podem ser origem de afecções no ouvido interno. A abertura iatrogênica de espaços líquidos em cirurgia otológicas pode provocar surdez iatrogênica. Barotraumas podem gerar rupturas na região das janelas ou luxação do estribo, dando origem à fístula labiríntica. É, então, o contexto traumático e o caráter flutuante da audição que conduzirão a uma timpanotomia exploradora e tratamento específico.

O trauma sonoro agudo, a eletrocussão e agressões a distância do ouvido ( manipulação vertebral), são também causas a serem lembradas.

OTOTÓXICOS

Em geral dão quadros de surdez progressiva bilateral, porém pode em alguns casos originar quedas abruptas da audição bilateralmente.

FÍSTULA PERILINFÁTICA

Define-se como fístula perilinfática uma comunicação anormal entre as estruturas do ouvido interno e os espaços do ouvido médio. Constitui ainda um dos diagnósticos mais controvertidos na otologia, não se dispondo de nenhum teste diagnóstico único que possa confirmar a presença da fístula antes da cirurgia.

Os sintomas são variáveis e podem ser vestibulares, cocleares ou mistos, podendo simular Ménière com zumbido, plenitude auricular e diplacusia, normalmente associados ao aumento de pressão do líquor ou no ouvido médio, como após mergulhos, barotraumas, pouso de avião, esforços físicos. O sinal de Hennebert, definido como nistagmo e vertigem induzidos por pressão positiva da orelha afetada, pode ser positivo. Avaliações audiométricas completas são essenciais para avaliação do paciente com suspeita de fístula. Estes testes podem revelar padrão estável, recuperação completa ou piora gradual da função nas audiometrias seriadas. A perda progressiva pode estar associada à perda contínua de líquido perilinfático e portanto à um pior prognóstico. A medida de B2- transferrina no líquido próximo à membrana da janela redonda é um método mais específico porém ainda pouco utilizado e em fase experimental. O tratamento é controverso e inicialmente empírico e conservador.

Antes de considerar a cirurgia, tenta-se o tratamento clínico por duas semanas, que podem ser abreviadas se o estado do paciente deteriorar. O tratamento inclui repouso no leito, prednisona 2 mg/kg duas vezes ao dia por sete dias e posterior redução gradual. Se houver sintomas agudos de obstrução nasal ou sinusite o paciente deve ser tratado com descongestionantes sistêmicos ou tópicos e antibióticos. Antibioticoterapia de amplo espectro deve ser administrada por 10 dias para qualquer labirintite serosa sobreposta.

Os pacientes são monitorizados rigorosamente por duas semanas, e se os sintomas se deteriorarem o paciente é submetido à timpanoplastia exploradora, de preferência sob anestesia local e sedação.

Sintomas:

Uma queda brusca da audição, sem pródromo ou causa evidente, mais comumente unilateral,e que a pessoa se lembra da data e da hora, ou ao acordar pela manhã. Em crianças, o quadro pode passar despercebido, principalmente se unilateral. Pode ser acompanhada de zumbido (70% dos casos), plenitude auricular e/ou sinais de distorção da sensação auricular. A vertigem pode estar presente em 40% dos casos, sendo normalmente leve e transitória. Outros sintomas que podem ser encontrados são a cefaléia e sintomas de infecção viral de VAS.

Inicialmente uma sensação de pressão no ouvido, seguida por
Tinido, que geralmente é acentuado por
Grave perda de audição, começando em minutos e ocasionalmente levando à surdez completa.
Os seguintes sintomas estão ausentes:

Tonturas
Distúrbios do equilíbrio
Sintomas neurológicos e oftalmológicos

Epidemiologia

SEXO

Normalmente não se encontra predomínio, sendo encontrado em alguns trabalhos predomínio masculino e em outros o feminino

IDADE

A análise de grandes séries mostra um predomínio de adultos, dos 20 aos 70 anos.

PERÍODO DO ANO

Não parece haver preferência por estações do ano, sendo a freqüência igual nos meses frios e quentes.

PREVALÊNCIA

A prevalência da surdez súbita é difícil de se estimar devido ao seu caráter unilateral, sua recuperação espontânea e até total.

EXAME CLÍNICO

A otoscopia é normal, assim como o resto do exame ORL. Os testes de diapasão revelam uma surdez sensorial.

O estudo prossegue com uma audiometria tonal e vocal e testes supralimiares que confirmam o acometimento coclear. Devem ser repetidos a cada 2-3 dias até que haja estabilização do quadro.

O BERA tem sido utilizado para descartar patologia retrococlear.

O estudo radiológico compreende a CT de ossos temporais com e sem contraste e RX de coluna cervical. Se for feita a suspeita de neurinoma do acústico indica-se a realização de ressonância magnética.

O estudo laboratorial inclui o hemograma completo, glicemia, uréia e creatinina, sódio e potássio, colesterol e frações, triglicérides, sorologia para LUES e coagulograma.

Fatores Prognósticos

PERDA INICIAL

Quanto menor a perda inicial melhor a recuperação. As perdas abaixo de 45 dB são as que mais respondem ao tratamento ou deixam seqüelas leves.

As perdas acima de 75db são de difícil resposta e comumente deixam seqüelas.

TIPO DA CURVA AUDIOMÉTRICA

As cofoses ou disacusias profundas tem o pior prognóstico.
As curvas em platô tem melhor prognóstico que as curvas descendentes.
As curvas em cúpula ou ascendentes recuperam parcialmente ou totalmente em 50% dos casos.
VALOR DA AUDIÇÃO CONTRALATERAL

Este é um fator nem sempre levado em conta, mas parece que a taxa de recuperação é de 30% se a audição contralateral está preservada a 5% quando é alterada.

IDADE DO PACIENTE

Pacientes com menos de 40 anos tem prognóstico melhor que aqueles mais idosos.

PRECOCIDADE DO TRATAMENTO

É aceito que quanto mais rápido for instituído o tratamento melhor é o prognóstico.

Tratamento:

Quando possível, o tratamento etiológico é, obviamente, o ideal: tratar diabete, distúrbios tireoidianos, lues, causas vasculares a distância, fístulas labirínticas, neuromas do acústico etc. Para viroses, não há tratamento específico.

Na grande maioria dos casos, o tratamento é inespecífico, pelo desconhecimento do fator etiológico.

O tratamento inespecífico consiste principalmente em medicação vasodilatadora, na presunção de que a surdez súbita decorreria de alterações vasospásticas no ouvido interno. Antes de se internar o paciente, ou durante a internação, devem-se investigar outras possíveis causas, pois, mediante anamnese cuidadosa e exame otoneurológico, pode-se chegar à suspeita bem fundamentada de fístula da janela redonda, de neuroma, de distúrbios metabólicos, cardiovasculares etc., evitando-se, assim, preciosa perda de tempo na orientação de terapêutica correta.

A rigor, deverão ser investigados: tempo de protrombina, teste de Paul Bunnel, reações sorológicas, lipidograma, curva glicêmica, ressonância magnética do meato acústico interno, testes imunológicos para vírus.

Alguns casos, é indicada uma timpanotomia exploradora para o selamento de possível fístula das referidas janelas. Na anamnese, não se deve nunca deixar de pesquisar, por isso mesmo, a possibilidade de esforço físico como causa de surdez súbita.

Na real impossibilidade de estabelecer diagnóstico etiológico, providencia-se a internação do paciente para tratamento vasodilatador. Como é possível verificar a recuperação espontânea da surdez súbita, é difícil, ou mesmo impossível, avaliar até que ponto o tratamento vasodilatador ou antiespasmódico instituído foi eficaz. Não se pode deixar de tentar todos os recursos terapêuticos, embora baseados em conceitos ainda não confirmados experimentalmente, mas que também não podem ser afastados definitivamente, como a possível correlação de fenômenos vasospasmóticos súbitos ao nível do ouvido interno de pacientes sob o efeito de evidentes fatores de tensão emcional, de variada natureza. A surdez súbita profunda, muito acentuada, em geral não tem chance de recuperação, por prováveis lesões irreversíveis do órgão de Corti.

Quanto mais “precoce” o início do tratamento, de preferência na primeira semana, e quanto menor a perda auditiva (até 45dB), maiores as chances de obter bons resultados.

Esquema de tratamento:

Corticóides, sempre que possível.
Dextran 40, 500 mg em solução glicosada, gota a gota por via endovenosa, de 12/12 horas.
Carbogênio (90% de O2 e 10% de CO2), aplicado em cateter nasal, na quantidade de 5 litros por minuto, durante 1 hora.

Observação: Esta doença é uma emergência médica.

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