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domingo, março 17, 2024

Uma Análise do Programa Bolsa-Escola no Município de Jardim de Piranhas

As Políticas Sociais surgem da crescente preocupação do Estado com a melhoria do nível da população como um todo, no sentido de exercer uma ação direta sobre o bem-estar dos cidadãos ao proporcionar-lhes serviços ou renda. Essas políticas configuram-se num sistema de proteção composto por inúmeros programas que, em sua maioria, têm vida limitada.

Este trabalho tem como objetivo central fazer uma análise do Programa de Garantia de Renda Mínima vinculada à ações sociais, o Bolsa – Escola, tendo como campo de pesquisa o município de Jardim de Piranhas/RN. A análise baseou-se nas entrevistas com beneficiários do Programa, gestores e técnicos.

Em um primeiro momento, optou-se por realizar um resgate histórico das Políticas Sociais e dos Programas de Renda Mínima no cenário mundial e, mais precisamente no Brasil, a partir da década de 30. Para esse resgate foram utilizadas obras de diversos autores com suas concepções e vertentes.

Em um segundo momento procedeu-se análise bibliográfica dos fundamentos metodológicos de ação do referido programa, como: objetivos, perfil dos beneficiários, entre outros informes. Num terceiro momento, procedeu-se uma análise do Programa Bolsa – Escola no referido município.

A pesquisa realizada mostrou que, embora tenha sido muito valorizado pelos beneficiários e por algumas pessoas ligadas aos programas, este ainda recebe críticas em virtude da não execução das ações sócio-educativas, uma vez que estas poderiam ser associadas a um melhor desempenho do mesmo, não consistindo apenas em uma mera transferência de renda.

Palavras-chave: renda mínima, bolsa-escola, beneficiários.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os programas e projetos de Renda Mínima têm sua atuação no cenário das Políticas Públicas nas últimas décadas do século XX. Contudo, o debate sobre a implantação dos Programas de Garantia de Renda Mínima (PGRM) como elemento estratégico de combate à pobreza, já vinha sendo discutido há muito tempo, estando cada vez mais na pauta das discussões atuais.

A renda mínima é uma transferência de renda monetária direta do governo a indivíduos ou famílias que carecem do mínimo vital. Grosso modo, podemos definir renda mínima como sendo o montante da renda mínima constituindo-se no diferencial entre a soma de todas as rendas de uma família e o valor mínimo necessário à sobrevivência, teto esse estipulado em função da composição demográfica da família, isto é, número de crianças, de inativos ou idosos, e das condições de vida no país.

O valor pago a um adulto sozinho é o valor de referência a partir do qual calculam-se a fração que será paga aos demais membros da família. Este valor é, portanto, inferior àquele que deve receber uma família de dois adultos sem filhos, que por sua vez é também inferior ao que será pago a uma família composta por dois adultos e um dependente, e assim sucessivamente. Não existe um valor preestabelecido por família, apenas um piso, individual.

A idéia de fornecer uma renda mínima a uma parcela pobre da população é introduzida no Brasil na década de 70. Contudo, é apenas nos 90 toma corpo no debate nacional sobre o combate às desigualdades. Foi nessa época que o Senador Eduardo Suplicy, do Partido dos Trabalhadores – PT, apresenta o projeto de lei visando à adoção de um programa de garantia de renda mínima para todos os brasileiros adultos (mais de 25 anos), com renda familiar per capita mensal inferior a R$ 240,00 (US$ 141). Esse propõe que se atribua um benefício mensal equivalente a 30% da diferença entre a renda do indivíduo carente e o valor acima, instituído como uma espécie de linha de pobreza nacional.

Em contrapartida surge outra modalidade de transferência de renda monetária, dirigida não aos indivíduos pobres, mas às famílias pobres com filhos em idade escolar. Esta iniciativa, que cabe ao economista José Márcio Camargo, propõe a concessão de um benefício mensal no valor de um salário mínimo a toda família, sem limite de renda, que tenha seus filhos matriculados no ensino público fundamental, estamos falando do Bolsa-escola.

O argumento em favor dessa modalidade se apóia na compreensão de que o fator com maior poder explicativo na reprodução do ciclo vicioso da pobreza é a pouca escolaridade. De fato, o atraso escolar é ainda elevado no Brasil, embora declinante.

Em virtude disto é que este trabalho busca documentar uma análise do Programa Bolsa-Família no município de Jardim de Piranhas/RN, tendo em vista a escassez de fontes de pesquisas relacionadas ao tema em nosso município e, estando à frente da Secretaria Municipal de Assistência Social, procuramos integrar nossa teoria adquiridas no curso de Pós-graduação em Supervisão Educacional a esta necessidade, com o propósito de verificar a aceitação do público-alvo e até onde esse programa interfere na vida das famílias beneficiárias, lançado um olhar para o programa Bolsa-Escola, (que é um dos programas inserido no Bolsa-Família), onde enfocaremos a co-relação do mesmo com a evasão escolar.

Para a realização deste trabalho, efetivamos uma pesquisa bibliográfica junto a autores como: Maria Ozanira da Silva e Silva (1997), Potyara A. P. Pereira (1998), Argemiro J. Brum (1999), Vicente de Paula Faleiros (2000), entre outros, que realizaram estudos voltados para as ciências sociais, políticas e econômicas.

Visando obter maiores dados, realizamos também uma pesquisa documental analisando leis, decretos, como também outros documentos existentes, na Secretaria Municipal de Trabalho, Habitação e Assistência Social. Para complementar o trabalho foi realizado entrevistas com – beneficiários do Programa, – técnicos – e gestora do programa. (Não esqueça de citá-los)

A pesquisa foi realizada na própria Secretaria de Trabalho, Habitação e Assistência Social situada neste município à rua Dr. Otávio Lamartine, 69, Centro, em Jardim de Piranhas/RN, além de entrevistas com os beneficiários do programa.

A coleta de informações realizou-se no período de novembro de 2005 a março de 2006, e o resultado da referida pesquisa beneficiará a todos os envolvidos, sejam eles, beneficiários, como também a gestão municipal do programa, que, a partir de então, encontrará, de forma sintética de todas as orientações relevantes ao programa.

Para apresentar os resultados sistematizamos organizamos as informações da seguinte forma:

O primeiro capítulo demarca a atuação das Políticas Sociais no cenário mundial, e, sobretudo no Brasil a partir de 1930 frente à crise do capitalismo. Para tanto, serão apresentadas diversas produções de autores que têm orientado os estudos que enfocam a temática das políticas sociais.

O segundo capítulo faz uma abordagem bibliográfica dos fundamentos metodológicos de ação do referido programa, como: objetivos, perfil dos beneficiários, entre outros informes. Na oportunidade serão apresentados diferentes vertentes que norteiam a discussão sobre a atuação do Programa Bolsa-Família.

No terceiro e capítulo desse ensaio monográfico apresentaremos os resultados e análise das entrevistas, onde iremos enfocar a opinião dos beneficiários do programa Bolsa-Escola razão de nossa pesquisa.

E por fim vêm as nossas considerações finais, nelas debruçaremos o olhar para a obtenção dos dados onde faremos uma breve analise do nosso objeto de pesquisa, que o programa bolsa-escola.

1 RENDA MÍNIMA: ELEMENTO DE DISCUSÃO INTERNACIONAL

No percurso da história da humanidade é possível se encontrar, em diferentes sociedades, medidas de exceções ou de ações orientadas na perspectiva de garantir um mínimo de existência, embora em limites muito variados, a certas categorias (inválidos, idosos, viúvas, órfãos, indígenas).

Pensadores como: Thomas More, Thomas Paine, Bertrand Russel entre outros, já apontavam para a possibilidade de que parcela da sociedade que não obtivesse determinada renda devesse ter recursos para garantir suas necessidades básicas e que esta renda mínima estaria determinada pela capacidade geral do Estado, em termos de seus bens produzidos. (SUPLICY, 2000).

Na realidade, a idéia de renda mínima não é incorporada até a renascença, aparecendo indiretamente nas utopias clássicas. No entanto, a renda mínima só passa a ter uma existência legal a partir de 1579 na Escócia, depois na Inglaterra, com a Lei dos Pobres, em 1961. (SILVA, 1997)

Do século XVII ao XIX, as medidas de proteção social com relação à adoção de renda mínima, permaneceram sem nenhuma alteração que possa se constatar na pesquisa.

No pós-guerra, reacende-se na Inglaterra e nos Estados Unidos o debate sobre a oportunidade de se garantir uma renda mínima às famílias desassistidas, vivendo abaixo da linha da pobreza, muito embora alguns países precursores já tivessem implantado programas afins. (Friedman, 1962)

Contudo, é no século XX, e, sobretudo, a partir dos anos 80, com a intensificação da crise econômica, que a discussão sobre a garantia de renda mínima ganha impulso face às grandes transformações econômico-sociais e com o aumento do desemprego. Silva cita que nesse debate:

Buscam-se alternativas para superar a inadequação dos sistemas de proteção social ao contexto atual de mutação na economia e no mundo do trabalho, em face das mudanças tecnológicas e da internacionalização dos mercados, ou seja, buscam-se alternativas para fazer face à incapacidade e inadequabilidade do Welfare State em responder aos desafios de uma economia e de uma sociedade cuja separação básica não é mais capitalistas e trabalhadores, mas também entre quem detém ou não trabalho. (SILVA, 1997, p. 28).

O debate internacional em torno da defesa de uma renda mínima, entendida como uma política pública de transferência monetária, ocorre sobre inspiração de estudiosos como Milton Friedman (1962), Jonh Kenneth Galbraith (1976), Tony Walter (1989), Van Parijis (1987, 1992), entre outros.

Nesse sentido, o debate, as propostas e as experiências dessa proposta, se orientam por três vertentes teórico-ideológicas: Vertente Liberal que concebe a renda mínima como mecanismo compensatório para abrandar a pobreza e o desemprego crescente; Vertente Progressiva Redistributiva que situa a renda mínima enquanto mecanismo de redistribuição da riqueza socialmente produzida e como política de complementação aos serviços sociais já existentes e a Vertente de Inserção, que concebe a renda mínima como um mecanismo para a inserção social e profissional do cidadão. (SILVA, 1997).

Sob orientação da vertente liberal, Friendman na obra de Silva, defende a renda mínima por meio do Imposto Negativo. Segundo o autor, este consiste em:

[…] Um tipo de renda compensatória generalizada, oferecida a toda pessoa, com exceção dos desempregados, cuja renda familiar seja inferior a um montante fixado (linha de pobreza), acima do qual as pessoas pagam impostos de renda (SILVA, 1997, p. 50).

Em comum acordo com Friedman na defesa da garantia de renda mínima por meio do imposto negativo, encontra-se Galbraith. Na obra de Suplicy, Galbraith argumenta que:

Não se pode alegar, para combater a adoção de uma renda alternativa, que alguns beneficiários não trabalharão. É justo, como dispõem todas as propostas atuais, que o indivíduo que trabalhe ganhe mais do que o que não trabalha. Ao assumir o emprego, perderá uma parte, mas não a totalidade de sua renda alternativa, de modo que sempre estará em melhor situação trabalhando do que vivendo na ociosidade iniludível da sociedade econômica.

Mas o propósito essencial da renda alternativa consiste em impedir que o indivíduo seja obrigado a satisfazer-se com uma renda inferior a um determinado mínimo para conseguir trabalho. (GALBRAITH, apud SUPLICY, 2002, p. 71, 72).

Outra proposta de Renda Mínima defendida nessa vertente é a Renda Mínima Universal também concebida como Dividendo Nacional formulada por Douglas e Haterley, nos anos 20 e, incorporada em 1983 por Roberts. De acordo com Silva:

A proposta de Renda Mínima Universal parte da reflexão sobre a idéia do crescimento da produtividade e da flexibilidade do mercado de trabalho, geradores de desemprego e subemprego crônicos, da insegurança e da precariedade de uma fração crescente da população e propõe uma renda idêntica atribuída a todos, sob base individual, independentemente de outras fontes, da situação familiar ou da vontade de aceitar ou não um emprego. (SILVA, 1997, p. 43).

Ainda, Segundo Silva, sob inspiração liberal temos a Renda Mínima de Walter (1989) e Parijs (1987 1992, 1994). Walter (1989) propõe como alternativa para garantir as necessidades básicas de cada cidadão, uma Renda Básica, independentemente de seus ganhos. Da mesma forma que Walter, Parijs também concebe a Renda Básica como incondicional.

Assim Parijs nos fala:

A renda incondicional é uma estratégia para levar adiante o ideal emancipatório, associado ao movimento comunista, sem a implantação de um modo de produção socialista, permitindo a distribuição, incondicional do benefício do progresso representado por parcela do produto substancial para todo. (PARIJS apud SILVA, 1997, p. 67).

As três propostas de Renda Mínima citadas, constituem propostas de inspiração liberal e têm em comum, a idéia de racionalização dos sistemas de proteção social, o que significa a substituição das diferentes modalidades de benefícios por uma renda monetária única, permitindo aos beneficiários do sistema buscarem atender suas necessidades básicas diretamente no mercado. (SILVA, 1997).

Contudo, a preocupação central das propostas liberais é a possibilidade de desestímulo ao trabalho, valor fundamental do Liberalismo daí sugerir a fixação de um teto que não comprometesse a incitação ao trabalho. Como resposta a essa preocupação, Russel (1997) na obra de Suplicy, argumenta que:

Não deveríamos nos preocupar tanto com o pequeno número que não deseja trabalhar e que se tornariam preguiçosos caso tivesse uma renda mínima garantida. Perceberíamos que, muitos deles, mesmo possuindo certo nível de renda suficiente para todas as suas necessidades, ainda assim prefeririam trabalhar para construir uma vida melhor. (RUSSEl apud. SUPLICY, 2002, p. 63).

Dando continuidade as decisões teóricas sobre as vertentes que norteiam os programas de renda mínima, temos a vertente progressista representada pela Renda de Existência de Bresson (1988, 1991, 1993). Renda Social de Gorz (1991, 1992) e segundo Cheque de Aznar (1988).

Essas propostas também se situam no campo da Renda Mínima Universal de inspiração liberal, nos seguintes aspectos: propõem a renda mínima como complementação aos programas já existentes; propõem uma renda mais elevada possível, conforme a produtividade social; percebem o trabalho como um mecanismo de participação social; constituem um mecanismo de renda e de riqueza nacional, ou até um mecanismo favorecedor da construção de uma sociedade alternativa. (SILVA, 1997).

Por fim, temos em nosso arcabouço teórico as propostas de Renda Mínima de Inserção de Milano (1986 – 1988). De acordo comesse autor, a Renda Social de Inserção como é concebida, é um auxílio material diferencial, associado ao desenvolvimento de ações de inserção social, profissional e de formação, com uma renda mínima para as famílias, associando os recursos concebidos a uma atividade, procurando conservar a dignidade e promovendo a responsabilidade. (Apud SILVA, 1997).

Contudo, Milano concebe a renda mínima, como sendo mais que uma assistência, nesse sentido ele e tece o seguinte comentário:

A garantia de uma renda mínima pode ser uma forma imediata de solidariedade necessária em relação aos pobres, desde que tenha como fundamento à inserção real e duradoura daqueles a quem se destina. (MILANO apud, SILVA, 1997, p. 83).

Esse debate em torno da adoção da garantia de uma renda mínima na perspectiva dos anos 80 assume um caráter intenso e sua instituição se estende por toda a Europa, Estados Unidos, e chega ao Brasil com mais força nos anos 90.

1.1 A Gênese das políticas de atuação social

A Política Social identificada no Estado capitalista do pós-guerra integra um complexo político institucional denominado Seguridade Social (inaugurada na Inglaterra, na década de 40), o qual por sua vez, constitui a base conceitual e política do Estado de Bem-Estar ou Welfare State, como é intencionalmente conhecido. (PEREIRA, 1998).

Os impulsos históricos decisivos do desenvolvimento da política social, como política integrante do Welfare State, foram: a questão social, a crise mundial, a Segunda Guerra Mundial, a prosperidade econômica do pós-guerra, o surgimento do fascismo e a ameaça do comunismo.

Diante desses fatos, buscaram-se medidas de proteção social que direcionariam as ações sociais, políticas e econômicas do pós-guerra. Assim, nos informa Pereira:

A formação de uma nova classe de assalariados industriais no século XIX, com sua miséria material e moral, sua consciência de classe e seus movimentos reivindicatórios na Europa Continental, determinaram, em grande parte, o surgimento da legislação social e de um conjunto de medidas de proteção social, que passou a constituir entre os anos 40 e 70 os pilares do Welfare State, a saber: políticas de pleno emprego, serviços universais, extensão da cidadania e o estabelecimento de um umbral sócio-econômico, considerado condigno pela sociedade, abaixo do qual ninguém seria permitido viver. (PEREIRA, 1998, p.61).

A perda de centralidade do trabalho nas sociedades pós-industriais leva a uma dissociação entre benefício e atividade, base do sistema de proteção social implementado ao longo do século XX. Aqueles que permanecem integrados, via trabalho, ao antigo sistema de proteção beneficiam-se de direitos sociais negados àqueles que foram destituídos da sua capacidade de trabalho, já não mais adequada. É a ociosidade involuntária. Por questões éticas e de justiça, cabe assegurar a todos os cidadãos “condições materiais mínimas de liberdade”.

1.2 As políticas de atuação social no mundo a partir dos anos 30

A idéia de criar uma rede de proteção social para as populações mais pobres, através de uma transferência de renda complementar vinha sendo formulada por pensadores liberais desde o século XVIII. Muitos países europeus (Dinamarca, Alemanha, entre outros) já nos anos 30-40 passam a adotar políticas com este perfil redistributivo.

De acordo com a ideologia liberal da década de 30, a política social apoia-se no sentido de atender as exigências atribuídas pelo conceito de igualdade. Pereira concebe a Política Social da seguinte forma:

Como um conjunto de medidas administrativas pelo Estado, tendo em vista a diminuição das desigualdades sociais, ou seja, aquelas medidas capazes de facilitar o acesso a bens essenciais de produção pública ou privada daqueles indivíduos ou grupos que se encontram em posição desvantajosa perante outros indivíduos ou grupos em uma mesma sociedade (PEREIRA, 1998, p. 60).

Nessa conjuntura, a Política Social está direcionada para a redução das desigualdades sociais e, através dela, a inserção dos indivíduos na sociedade, de forma que lhes sejam proporcionados meios e/ou condições, para a aquisição de bens necessários ao seu bem-estar.

Segundo Pereira, a política social implantada pelo Estado capitalista “tem por função produzir, instituir e distribuir bens e serviços categorizados como direitos da cidadania”. (PEREIRA, apud, ESPING-ANDERSO e KORPI, 1998, p. 60). Isso nos reporta ao entendimento de que é de responsabilidade do Estado do pós-guerra, a promoção do bem-estar dos cidadãos, bem como, o acesso ao exercício de cidadania.

Em se tratando de cidadania, Marshall a concebe em sua fase madura como acesso de direitos civis – de ir e vir, de imprensa, de fé e propriedade; direitos políticos – de votar e de ser votado, diga-se, participar do poder político; e os direitos sociais caracterizados como o acesso a um mínimo do bem-estar econômico e de segurança (MARSHALL, 1967).

A compreensão de que a cidadania não pode conviver com a exclusão e que, para isso, é indispensável retomar a solidariedade como princípio fundamental de coesão social permeia, aliás, o debate político contemporâneo em todas as democracias ocidentais, premidas pelo aumento do desemprego e da precariedade e pela inadequação dos seus sistemas de proteção social para garantir uma cobertura moderada e de qualidade a todos os cidadãos.

Assim, é através da garantia dos direitos de cidadania que nos tornamos iguais como membros de uma coletividade. A igualdade torna-se uma conquista política e a cidadania, é construída e elaborada convencionalmente, pela ação conjunta dos homens através da organização da comunidade política. (SILVA, 2001).

De acordo com Pereira, tanto a igualdade como o exercício da cidadania e da democracia, constituem valores liberais. Em suma, justificam e ampliam a intervenção do estado na sociedade. Contudo, a intervenção do Estado na economia e na sociedade, consiste no controle das forças produtivas, em detrimento das exigências do capitalismo.

Diante dos pressupostos citados, pode-se dizer que, no pós-guerra, passou para a responsabilidade do Estado a Política de Bem-estar Social, constituída de pleno emprego, serviços sociais universais, garantia de direitos sociais universais e de um mínimo padrão de vida para os cidadãos. Contudo, o Welfare State (Estado de bem-estar) está baseado no mercado voltando seu olhar para o cidadão, apenas enquanto força de trabalho.

Conforme com Faleiros essa visão liberal de igualdade onde o mercado, através de sua ação espontânea, ocasionaria um equilíbrio entre todos os indivíduos pelas vias de livre concorrência e de livre escolha, na qual todos poderiam tirar vantagem, não se realizou. Segundo este autor, o mercado é um mecanismo que mantém a desigualdade de condições. Dessa forma, a intervenção do Estado está mais ligada a interesses mercantis, ele argumenta que:

[…] O Estado intervém no mercado pelo apoio que se dá as empresas ou aos indivíduos para produzir ou ascender aos bens e serviços existentes nele. Chega mesmo a favorecer os “mercados paralelos” para certos grupos sociais que não estão em condições de comprar bens ao preço corrente. (FALEIROS, 2000: 47).

Assim sendo, o auxílio social e toda a política fiscal (entre as quais a renda mínima garantida), são meios de estimular a demanda ou, pelo menos, de mantê-la nos períodos de crise econômica, como argumenta Faleiros:

As políticas sociais permitem certa regularidade no mercado de trabalho, pelos mecanismos de colocação e de formação de mão-de-obra e pelos mecanismos de auxílio ou de seguro aos desempregados. São estes os instrumentos de controle da força de trabalho e dos salários, cujas modificações seguem as crises econômicas e sociais. (FALEIROS: 2000, 48).

Como podemos perceber, o Estado é considerado como “agente principal” que age pela sociedade civil para tornar acessível um mínimo de “proteção” material, para os indivíduos. É a concepção paternalista do Estado que se traduz numa série de medidas para possibilitar o acesso a esse mínimo, numa perspectiva de estado de bem estar social.

2 BREVE HISTÓRICO DAS POLÍTICAS BRASILEIRAS DE ATUAÇÃO SOCIAL

Na conjuntura dos anos 30, a revolução liderada por Getúlio Vargas mudou o bloco no poder e, mesmo de forma heterogênea, direcionou a política no sentido de transformar as relações Estado/sociedade para a integração do mercado interno e desenvolvimento da industrialização, mantendo, ao mesmo tempo, a economia de exportação de produtos agrícolas sem romper a dependência dos países centrais. Como nos informa Brum:

A Revolução de 1930 foi liderada por políticos moderadamente reformistas e liberais e levou ao poder forças heterogêneas – segmentos da sociedade e frações de classes que se uniram contra a situação até então vigente, mas que detinham, por outro lado, acentuadas divergências entre si. Essas forças não tinham suficiente coesão e sustentação própria. Por isso, tiveram necessidade de barganhar – não só entre seus distintos segmentos, mas também com o latifúndio agrário e as velhas oligarquias regionais. (BRUM, 1999, p. 192-193).

Na realidade, nenhuma classe social tinha força suficiente para impor sua orientação de forma dominante, como diz Brum: “O latifúndio exportador estava em decadência, à burguesia urbana ainda insipiente e o operariado, apenas ensaiava os primeiros passos” (BRUM, ibid, p. 193). Foi nesse cenário de fragilidade que Getúlio conseguiu, através de sua astúcia e malícia, a centralização do poder.

Num contexto de crise devido à quebra da bolsa de valores e da realidade brasileira que revelava sérias debilidades sociais, políticas e econômicas, a existência de um Estado forte, seria a saída para a condução do processo de desenvolvimento capitalista brasileiro.

No plano social, Getúlio através de sua política trabalhista, buscava, ao mesmo tempo, controlar as greves e os movimentos dos operários e estabelecer um sistema de seguro social.

O Ministério do Trabalho, criado em 1930, articulou o atrelamento dos Sindicatos ao Estado, através do controle de suas eleições, de suas finalidades, finanças e atividades. O Sistema de Seguros foi paulatina e sucessivamente implementado através de Institutos de Previdência Social, para categorias de trabalhadores como: marítimos (1933), bancários (1934), industriários (1936), transportadores (1938), entre outros.

Os trabalhadores rurais, a maioria da população, sem condição salarial por pressão dos latifundiários e, também, sem organização de seus interesses, ficaram de fora do sistema estatal de previdência até os anos 70. (FALEIROS, 2000).

O modelo de proteção Getulista se definia, em comparação com o que se passava no mundo, como fragmentado em categorias, limitado e desigual na implementação dos benefícios, em troca de um controle da classe trabalhadora. De acordo com Brum, a política brasileira e o populismo constituíram os pilares importantes para a implementação dos ideais getulistas.Conforme esse autor:

A criação do Ministério do Trabalho, a implementação das leis trabalhistas, de enquadramento dos sindicatos ao estado e a criação de Juntas de Conciliação e Julgamento para arbitrar conflitos entre patrões e operários foi essencial para quebrar a resistência dos sindicatos autônomos e enquadrá-los sob controle do Estado. (BRUM, 1997, p. 197, 198).

Quanto ao populismo, este mesmo autor diz que esta era uma prática política paternalista, clientelista e cartorial em que o Estado exercia a tutela da sociedade regulando tudo. Essas práticas políticas prevaleceram no Brasil até os anos 50.

Em 1942, foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA), coordenada pela primeira dama para atender as famílias de pracinhas envolvidas na guerra. Depois de 1946, a LBA passa a dedicar-se a maternidade e a infância, implantando postos de serviços de acordo com interesses, apoios e conveniências, buscando a legitimação do Estado junto aos pobres. A LBA também assistia aos marginalizados sem nenhuma qualificação, desenraizados do mundo rural pelo êxodo e que não conseguiam inserir-se nas atividades urbanas.

Ainda na linha assistencial foram criados, em 1946, o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC), ambos controlados por patrões mesmo com a intervenção do Estado. Assim, nos mostrar Faleiros:

Apesar da intervenção do Estado, a burguesia industrial e Estatal adotou ainda outros meios para o controle mais íntimo, mais direto da classe operária e dos trabalhadores do comércio e da indústria. (FALEIROS, 2000, p. 154).

Na distribuição de benefícios sociais predominava o assistencialismo, numa junção de obras de caridade, na maioria das vezes religiosas, com ações das primeiras damas. Assim, têm-se nos anos 30, 40 e meados dos anos 50, um modelo de Política Social paternalista, clientelista e assistencialista, frente a um poder centralizado que impulsiona mecanismos para favorecer o mercado interno, sem, no entanto, romper com os laços, com a oligarquia, com o coronelismo e com o regionalismo. Onde os trabalhadores do campo são excluídos dos benefícios sociais e certos interesses da classe operária são atendidos e, ao mesmo tempo, controlados pelo poder.

Esse modelo predominou até o golpe de 1964. No período de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a tônica será a proposta desenvolvimentista pela associação ao capital estrangeiro.

Em 1960, houve a aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que determinou a unificação dos benefícios dos vários institutos, pondo ordem em mais de 300 leis e decretos referentes à Previdência Social onde definiu um período mínimo de contribuições de cinco anos para uma aposentadoria de 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens). Em 1963, foi aprovada, mas não implementada, a previdência rural em meio às lutas camponesas. (FALEIROS, 2000).

No período que vai de 1964, ano do Golpe Militar, a 1988, ano da Constituição Democrática, o país se desenvolveu economicamente de forma considerável com a expansão da produtividade, modernização da economia e entrada do capital estrangeiro em parceria com o Estado.

No entanto, o Estado adotava uma política econômica centralizadora. Com o cerceamento das liberdades e o controle sobre os sindicatos e as organizações sociais, a classe trabalhadora e as camadas mais pobres da população contavam relativamente com a força coletiva e a política de contenção de salários, seguida por tempo muito prolongado, limita o poder aquisitivo dos potenciais consumidores de bens de consumo popular.

Conseqüentemente, a demanda de tais produtos não se aplicou e a indústria, por sua vez, não teve condições de atender às exigências da população em quantidade de preços compatíveis, pois a política adotada pelos governos militares não contemplava essa alternativa e o processo centralizador avançou rapidamente.

Em 1970, os dados divulgados pelo censo revelaram que a concentração de renda era ainda maior do que se imaginava, e na obra de Barros o próprio presidente Médici reconhecia: “A economia vai bem, mais o povo vai mal”, em ver a terrível penúria dos sertanejos que morriam de fome. (BARROS, 1949, p. 69).

Sobre essa concentração de renda, Brum argumenta que:

A concentração da economia e da renda deu-se em três dimensões principais: concentração regional, com regiões mais ricas e dominantes e regiões mais pobres dominados economicamente; concentração em grandes unidades produtoras ou de comércio (indústrias, bancos, redes de lojas e de supermercados), com grande poder na formação de preços e no controle do mercado e concentração pessoal, com indivíduos relativamente mais ricos e a maioria da população proporcionalmente pobre. (BRUM, 1999, p. 345-346).

Em vez de caminhar na direção do equilíbrio social, o país desorientou-se alagando as desigualdades sociais que se intensificaram na década de 70 com a crise mundial do petróleo.

Nesse contexto, as relações do Estado com a sociedade sem legitimidade política, o bloco militar – tecnocrático – industrial no poder procurou obter o apoio social da população com certas medidas sociais, como: a criação de Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), cuja administração ficou nas mãos da tecnocracia e foram feitos convênios entre este órgão e grandes empresas para que o trabalhador fosse atendido no local de trabalho, usando-se o esquema de saúde e segurança no trabalho que deveria contribuir para o aumento da produtividade, a ampliação da Previdência dos trabalhadores rurais (1971), aos empregados domésticos (1973) e aos ambulantes (1978);

O governo ainda estimulava a economia no meio rural com distribuição de benefícios em dinheiro com a finalidade de garantir as eleições nas pequenas cidades do interior; em 1974 os idosos pobres de mais de 70 anos foram beneficiados por uma lei que implementou a renda mensal vitalícia, no valor de um salário mínimo para os que haviam contribuído, ao menos um ano, com a Previdência Social.

Ainda em 74, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social com a incorporação da LBA, Fundação de Bem-Estar do menor (FUNABEM), Central de Medicamentos (CEME), Empresa de Processamento de Dados da Previdência (DATAPREV).

O sistema foi unificado em 1977, com a criação do Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS) que compreendia, além do INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e o Instituto Nacional de Administração da Previdência Social (IAPAS). Nesse mesmo ano foi regulamentada a Previdência Privada. (FALEIROS, 2000).

Em contrapartida, Faleiros assinala que, 40 bilhões de brasileiros não tinham nenhum acesso a serviços médicos consolidando-se a desigualdade: o setor privado para os ricos, os planos de saúde para um seleto grupo de assalariados e classe média, os serviços públicos para os pagantes da previdência e, para os pobres, a caridade feita em geral por entidades municipais ou filantrópica.

A política de financiamento habitacional do então criado Banco Nacional de Habitação (BNH), também serviu ao governo para reativas a economia e financiamentos para as classes médias terem acesso a casa própria. Para os pobres, a LBA passou a ter programas de cursos de artes domésticas e de ajudas restritas. (FALEIROS, 2000).

De acordo com este autor, esse modelo repressivo, centralizado, autoritário e desigual foi sendo implantado como um complexo assistencial – industrial – tecnocrático – militar. Controlado pela gestão tecnocrática, não veio a se constituir como projeto universal de cidadania.

Era a continuação de um modelo fragmentado e desigual de incorporação social da população em estratos de acesso, conforme os arranjos do bloco no poder para favorecer grupos privados e particulares, conquistar clientelas, impulsionar certos setores economicamente influentes, obter lealdade e, é claro, dinamizar a acumulação.

Ao término da década de 70, a economia brasileira apresentava claros sinais de fraqueza para manter o ritmo de expansão. Esta conjuntura, demarcada pela inflação e pela dívida pública acentuada, levou a sociedade às manifestações de rua, formação de comitês, entre outras formas de reação.

Aos poucos, os partidos de oposição ao regime militar, o movimento sindical e a sociedade civil foram ocupando progressivamente o cenário político nacional. Em 1979, com a anistia, fora possibilitado o perdão aos torturadores e concedido direitos políticos e civis aos considerados inimigos internos do regime de segurança nacional.

Em 1982, houve eleições para governadores e, em 1984, a luta pelas eleições diretas para a Presidência à República resultou em eleições indiretas e convocação da Assembléia Nacional Constituinte em 1986, com os mesmos congressistas eleitos para a legislatura normal. (FALEIROS, 2000).

Dessa forma, chegam ao fim o Período Militar que, em seus 21 anos de vigência, esteve centralizado nas mãos dos militares, reprimido os opositores e favorecendo dirigentes de empresas estatais, multinacionais e privadas, concentrando a renda do país nas mãos de uma minoria.

No período do governo autoritário, no Brasil, os modelos de políticas sociais visaram cumprir a função de amortecedoras de tensões em vista do descontentamento da população como citamos anteriormente. Reforçando esses argumentos, Silva comenta que:

A ditadura utilizou a política social para legitimar o regime e como mecanismo de controle social para conter a insatisfação da população em relação aos efeitos perversos do padrão de desenvolvimento excludente do período, demonstrando o quanto o Estado se mostrou incapaz de incorporar generalizadamente os interesses da população e, pois, o quanto tem se mantido privado, oligarquizado, apropriado privilegiadamente, tanto por frações da classe dominante, como por frações da classe trabalhadora, “feudalizando” mesmo quando se trata da realização da política social. (SILVA, 2001, p. 23).

O sistema de Seguridade Social instituído pela referida Constituição é integrado por três políticas: a Assistência, a Saúde e a Previdência. A Assistência Social é regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) nº 8.742 de 07/12/93.

A esta são atrelados princípios de seletividade e universalidade na garantia dos serviços, gratuidade e não contributividade no que tange a natureza dos direitos, redistributividade no que se refere aos mecanismos de financiamento e descentralização e participação quanto a sua forma de organização política e institucional. (FERREIRA, 2000).

No que diz respeito à política de saúde brasileira, esta se aproxima do modelo de proteção social beverídgeano. Fundamenta-se nos princípios da gratuidade, não-contributividade, redistributividade e descentralização adquirindo sentido de direito universal e incondicional do cidadão, para aqueles serviços e benefícios que se convencionou denominar de assistência à saúde. Contudo, as perdas de capacidade de trabalhar por motivo de doença – o seguro saúde – mantêm-se sob a lógica do seguro previdenciário submetido à contribuição prévia. (FERREIRA, 2000).

Quanto à política de Previdência Social, esta se caracteriza por ser contributiva por seu direito só ser assegurado mediante contribuição prévia (com exceção para os trabalhadores rurais, conforme Lei Orgânica da Previdência Social nº 8.213 de 24/07/91). O montante dos benefícios é proporcional à contribuição. Alguns benefícios são seletivos e focalizados – como o salário família.

Em relação ao financiamento, a Previdência Social brasileira, orienta-se mais por uma lógica regressiva que progressiva, visto que as fontes de recursos são fundamentalmente asseguradas pelos próprios trabalhadores. (FERREIRA, 2000). Dessa forma, através da luta política, são formalmente assegurados e universalizados os direitos de cidadania, colocando-se ainda como exigência a participação da população como forma de gestão na coisa política (SILVA, 2001).

Contudo, no final do governo do Presidente José Sarney (1985 – 1989), ocorre um esfacelamento das Políticas sociais, contrariando o conceito da cidadania instituído pelo congresso. Conforme Faleiros, os programas federais de habitação, saúde e educação, foram utilizados em benefício do então presidente para manter-se no poder. (FALEIROS, 2000).

Neste período, também houve uma descentralização das políticas sociais que passaram a serem executadas pelos estados e municípios, com isso vive-se um processo de conflitos entre um modelo de garantia de direitos descentralizado e participativo e uma política clientelista, de distribuição de favores, “cooptadora” e fragmentada que usa os recursos para fins privados.

Nos anos 90, tem-se uma abertura econômica com o aceleramento do processo de privatização que já havia sido iniciado por José Sarney e se estende com o então presidente Fernando Collor de Melo (1989 – 1992). De acordo com Faleiros:

Fernando Collor definiu seu programa na ótica neoliberal ao defender a redução do Estado e ampliação do mercado (…). Pelo esquema de corrupção que adotou e com a volta da inflação sofreu o impeachment pelo Congresso Nacional em 1992 (FALEIROS, 2000, p. 205-206).

Com o impeachment, o vice-presidente Itamar Franco assumiu o governo (1993 – 1995), conseguindo controlar a inflação com a adoção de uma nova moeda, o Real. No campo social foi aprovada em 1993, a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), que torna a assistência um dever do Estado e direito do cidadão; a criação do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) e extinção da LBA, do INPS e do INAMPS (FALEIROS, op. cit.).

No governo seguinte, o de Fernando Henrique Cardos (1995 – 2002), autor do Plano Real, adotado no governo anterior, outras mudanças ocorreram no meio social, político e econômico. O modelo econômico e político adotado por esse governo, é uma continuação do já implementado, o de maior favorecimento do mercado e de redução de estado priorizando os que vivem de especulação em detrimento dos que vivem do trabalho. (FALEIROS, id). Este é o modelo neoliberal.

As políticas neoliberais começam a se configurar no mundo dos anos 70, como citamos anteriormente, após a crise do petróleo e visavam à redução do Estado e a maximização do mercado. Os ideais dessas políticas foram sintetizados no consenso de Washington e preconizavam algumas políticas para o enfrentamento da crise e para fazer frente ao endividamento externo em que estavam mergulhados alguns países.

Nesse sentido, ocorre o desmonte do Estado de Bem-Estar Social com a adoção de medidas privatizantes, desestruturação das políticas públicas e redimensionamento do Estado, intensificando a redução dos postos de trabalho e no aumento das desigualdades. Para Silva, a política neoliberal avança na contramão dos direitos sociais.

É o desmantelamento dos serviços públicos essenciais, em favor de interesses privados na saúde, educação, na previdência e em outras áreas. (SILVA, 1999). No Brasil, essa política ocasionou um elevado índice de desigualdade e pobreza, principalmente no que diz respeito à inserção do sujeito no mercado de trabalho.

Diante dessa situação o governo vem instituindo políticas de caráter compensatório no intuito de fazer valer os argumentos contidos na Constituição Federal de 1988 e assegurar um patamar de sobrevivência a todo cidadão. A discussão sobre a implantação de políticas de Renda Mínima no Sistema de Proteção Brasileiro é retomada, como veremos no capítulo seguinte.

2.1 A Renda Mínima no sistema de proteção social brasileiro

No Brasil, a primeira proposta de renda mínima, segundo Suplicy, foi de autoria de Antonio Maria Silveira em 1975, mas os marcos da constituição de um sistema de Proteção Social no Brasil situam-se no período que vai de 1930 a 1943, no contexto das grandes transformações socioeconômicas, como já foi abordado anteriormente, marcadas pela passagem do modelo de desenvolvimento agro-exportador para o modelo urbano-industrial, quando também ocorre o reordenamento do Estado Nacional.

A partir de então, o Estado assume a relação ou provisão direta no campo da Educação, Saúde, Previdência, programa de alimentação e nutrição, habitação popular, saneamento e transporte coletivo. (NEPP, 1994). Silva nos fala que :

O Estado no Brasil foi sempre o principal ator na produção do desenvolvimento econômico. Embora tendo historicamente priorizado o mercado, procurou ser, ao mesmo tempo, uma fonte de solidariedade social, assumindo, também o papel de promotor da comunidade de interesses. Nesse contato, o padrão de cidadania desenvolvido tinha por base o mercado de trabalho, rigidamente controlado pelo Estado (SILVA, 1997, p. 105-106).

Todavia, a idéia de um mínimo no contexto do Estado brasileiro, pode inicialmente ser identificada com a criação do salário mínimo em 1934 ou, mais precisamente em 1940, com sua implantação, tendo significado de uma renda mínima apenas para as pessoas legalmente inseridas no mercado de trabalho.

Durante as décadas de 60 e 70, marcadas pelo autoritarismo da ditadura militar, os programas sociais e serviços sociais passam a funcionar como compensação à repressão e como mecanismo de controle social para conter a insatisfação da população diante da situação vivida pela maior parte da parcela da população.

Nesse contexto, sobretudo a partir de meados da década de 70, a rearticulação da sociedade civil estruturava novas demandas sociais e fazia ampliar o conceito de cidadania que era assimilado e inserido com um novo conteúdo pela Constituição Brasileira de 1988, por meio da noção de Seguridade Social, que incorpora à Assistência junto com a Previdência Social e a Saúde, como um direito social.

Outras formas de mínimo que podem ser identificadas no âmbito do Sistema Brasileiro de Proteção Social são representadas pela instituição da Renda Mínima Vitalícia, vinculada à Previdência Social atribuída aos brasileiros com mais de 70 anos que não dispunham de meios de subsistência, cujo valor, seria de um salário mínimo e, posteriormente, do seguro-desemprego em 1986.

De acordo com a Constituição de 1988, no âmbito da Assistência Social esse direito passa a se constituir num direito do cidadão e dever do Estado (art. 203 e 204) na categoria de auxílio aos idosos sendo estendido aos portadores de deficiência impossibilitados de trabalhar e não dispunham de renda per capta superior a um quarto de salário mínimo.

A prolongada crise econômica dos anos 80, agravada pelo avanço neoliberal, sobretudo, a partir desta década, causa um grande impacto no processo de ampliação das demandas sociais que avançava no âmbito da democratização da sociedade brasileira. Nos anos 90, o sistema de proteção social brasileiro é descrito por Draibe (1995) da seguinte forma:

Como um sistema marcado por superstições de objetivos, competências, clientelas – alvo, agências e mecanismo operadores, instabilidades e descontinuidade dos programas sociais: insuficiência com desperdício de recursos; distanciamento entre formuladores de políticas e beneficiários; ausência de mecanismos de controle e acompanhamento de programas. (SILVA, apud, DRAIBE 1997, p. 106).

Nos meados da década de 90, tem-se um Sistema de Proteção Social incapaz e sem orientação para confrontar o empobrecimento crescente e a desproteção do amplo contingente da população brasileira. Draibe (1995) afirma que:

[…] Nunca se desenvolveu uma estratégia abrangente de luta contra a pobreza do país, além de se verificar incapacidade de fiscalização dos programas sociais desenvolvidas nos estratos mais pobres da população possíveis impactos. (SILVA, apud, DRAIBE 1997, p. 107).

Contudo, é no âmbito desse Sistema de Proteção Social a temática da renda mínima, entendida como transferência monetária a indivíduos ou a famílias, ocupa espaço marginal no debate brasileiro sobre as questões sociais. A possibilidade de prática desse tipo de política pública começa a ser colocada a partir de 1991, com o projeto de Lei nº 80, que propõe a instituição do Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), apresentado ao Senado Federal pelo Senador de São Paulo Eduardo Suplicy.

De acordo com Suplicy (2002), na década de 80 já se expõe à necessidade de se defender a garantia de uma renda mínima para as famílias. No entanto, é nos anos 90 que ela é retomada por esse mesmo autor com mais vigor.

O Programa de Garantia de Renda Mínima, definido no Projeto de nº 2.561, de 1992, (ver anexo) é a proposta de um programa de abrangência nacional e consiste na transferência de auxílio financeiro como forma de contemplação de renda familiar fixado, sob a forma de imposto negativo. O referido projeto foi aprovado pelo senado em dezembro de 1992.

Trata-se de um instrumento de política social que garantem aos cidadãos beneficiados disporem de um valor mínimo de renda em dinheiro. Caso a renda do cidadão não alcance o mínimo determinado, ele recebe um complemento financeiro para que sua renda atinja aquele patamar. Os recursos para a concessão de benefícios vêm de rubricas do orçamento público destinadas ao programa.

Por isso, a Garantia de Renda Mínima também é chamada de Imposto de Renda Negativo. O acesso ao benefício pode ser livre ou vinculado. Ou seja, pode-se definir que todos os cidadãos que não possuam a renda no patamar mínimo podem receber o benefício, ou somente terão acesso àqueles que satisfizerem algumas condições complementares.

De acordo com Suplicy os fundamentos teóricos desta proposta provêm de dois economistas contemporâneos: Milton Friedman, autor do imposto negativo e Galbraith que defende a garantia de uma renda mínima para as pessoas que não encontram um emprego. (SUPLICY, 2000).

Na literatura de Suplicy, Galbraith (1976) comenta que: “… para os que não encontram emprego, deve-se, como imperativo de direito prover uma renda mínima garantida ou alternativa”. (Id). Suplicy também busca fundamentar e justificar seu PGRM com base no art. 3º, inciso III, da constituição de 1988, que determina a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, devendo as transferências de renda monetária, em forma de renda mínima, se constituir um mecanismo nessa direção para os que não conseguem satisfazer suas necessidades básicas.

No entanto, no debate sobre a instituição de uma renda mínima no Brasil, surgiram diversas críticas como: o desestímulo ao trabalho, o elevado custo do programa, as dificuldades da economia, desmotivação de lutas sociais pela busca de melhoria de condições de vida, entre outras.

Por outro lado, são apontadas algumas vantagens, como: liberdade de opção do beneficiário na utilização do dinheiro recebido, a abrangência nacional do programa que permitirá a fixação do homem em sua região de origem evitando a migração, maior possibilidade de controle e diminuição de fraude na administração do programa permitindo reduzir a burocracia, em face da simplificação do sistema. (SILVA, 1997).

No que diz respeito ao desestímulo ao trabalho, Silveira argumenta que:

A renda mínima proporciona o fisicamente indispensável para que uma pessoa possa conseguir trabalho, assimilar, educação, tratamento, etc. posto que o miserável não dispõe sequer de condições mínimas para procurar um emprego (devido a sua aparência) e, muito menos, para assimilar uma qualificação mínima (dada à falta de escolaridade) que o capacite para o trabalho. (SILVEIRA, 1992, p. 175).

Mesmo diante das críticas feitas à proposta de Suplicy, o Programa de Garantia de Renda Mínima, foi instituído no Brasil no ano de 1995. De acordo com informações obtidas através do Núcleo e Estudos de Políticas Públicas da Universidade de Campinas/SP (NEEP, UNICAMP) e de informações catalogadas no gabinete do Senador Suplicy, por Silva (1997), os programas pioneiros foram:

– Em 1995, o Programa de Renda Familiar (Campinas, SP);

– Bolsa Família e Poupança – Escola (Brasília – DF);

– Em 1996, o Programa de Renda Mínima Familiar (Ribeirão Preto/SP) seguindo-se de propostas similares em Santos e Jundiaí (SP), Vitória (ES), Boa Vista (RR), Belo Horizonte (MG) e Salvador (BA).

Conforme Suplicy (2002), a partir de então, os programas foram se estendendo pelos municípios brasileiros. Além disso, o Governo Federal instituiu diversos outros programas, vinculados ao programa Renda Mínima. Dentre eles o parlamentar citar:

– O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, gerido pela Assistência Social;

– O Bolsa Alimentação, administrado pelo Ministério da Saúde;

– O Bolsa – Escola, administrado pelo Ministério da Educação, entre outros.

Desses programas acima citados, nos reportamos ao Bolsa-Escola Federal, vinculado à Educação que constitui um programa Nacional de transferência de renda e se estendeu pelos municípios brasileiros a partir do ano de 1995, chegando ao município de Jardim de Piranhas/RN, no ano de 2001. Esse programa será nosso objeto de estudo do capítulo seguinte.

3 ANÁLISE DO PROGRAMA BOLSA-ESCOLA NO MUNICÍPIO DE JARDIM DE PIRANHAS/RN

A Constituição Federal de 1988 reconhece a educação como um direito social, universal e gratuito, nos termos dessa Lei todo o ser humano independente de cor, raça, posição social, idade, tem direito à educação, assim nenhuma criança/adolescente pode ficar fora da escola.

De acordo com a LDB de 1996, a educação é responsável pela formação do indivíduo para o exercício da cidadania bem como, para a sua inserção no meio social do trabalho, sendo considerada como um dever do Estado e da própria família (Lei nº 9.394/1996).

No entanto, mesmo tendo alcançado um patamar máximo de direito social, a educação brasileira ainda deixa muito a desejar. O índice de reprovação e evasão escolar ainda se verifica num grau bastante elevado e poucos alunos conseguem chegar, ao menos, a concluir o Ensino Médio.

Isto se atribui a diversos fatores entre eles, o fato das crianças abandonarem a escola para ingressarem no mercado de trabalho tendo em vista a situação de pobreza da família. Esse fator se configura como sendo o mais presente. Nesse, contexto, surgem os programas assistenciais do governo como uma forma de conceder a essas famílias um mínimo para sua sobrevivência, atendendo, no caso do bolsa-escola, à manutenção das crianças na escola.

O Programa Bolsa-Escola é um programa de transferência de renda vinculado à educação que visa à garantia de permanência da criança na escola. Este programa consiste na transferência monetária a família com crianças em idade escolar de 6 a 15 anos e que estejam freqüentando a escola.

É caracterizado como um Programa de Renda Mínima e como experiência pioneira o Distrito Federal no ano de 1995 estendendo-se pelos municípios brasileiros durante esses nove anos chega ao município de Jardim de Piranhas/RN, em 2001. O Programa Bolsa-Escola foi instituído em nível nacional pela Lei nº 10.219 de Abril de 2001, como mostra Suplicy:

Em março de 2001, foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso uma nova Lei de nº 10.219 / 2001 que autoriza o Governo Federal a realizar convênios com os Governos de todos os Municípios Brasileiros para adotarem o programa de renda mínima associado à Educação ou Bolsa – Escola. (SUPLICY, 2002, p.134).

Por essa lei, os municípios serão responsáveis pela administração enquanto que o Governo Federal passará a transferir o pagamento para as famílias beneficiárias por meio de um cartão magnético. De acordo com o artigo 2º, inciso II da referida lei, terão direito ao benefício aquelas famílias com crianças de 6 a 15 anos, desde que estejam freqüentando a escola e tenham renda per capita de até R$ 100.00. O valor é de R$ 15 ou R$ 30 ou R$ 45 por mês, de acordo com o total de crianças beneficiadas.

O pagamento está condicionado a uma freqüência de pelo menos 85% das aulas, avaliada a cada três meses. É pago através de cartão magnético, com o qual o dinheiro é obtido sem intermediários, em qualquer agência bancária da Caixa Econômica Federal. Aos Municípios, cabe a responsabilidade de selecionar as famílias e fiscalizar a execução do programa, além de desenvolver as ações sócio-educativas. Suplicy comenta que:

Um dos méritos da Lei nº 10.219/2001 está na forma de transferir o benefício monetário diretamente da Caixa Econômica Federal para as famílias beneficiárias, escolhendo-se a mãe como responsável quanto há pai / mãe. Esse procedimento evita o grave problema das prefeituras desviarem recursos, inclusive com a colaboração de empresas que se dizia acessória junto ao MEC e as prefeituras para ajudar na administração sobre escassos recursos. (SUPLICY, 2002, p. 135).

Na verdade, o programa de renda mínima é apenas mais um dentre os instrumentos de que o governo dispõe para produzir ações coordenadas na área social. Os programas de Renda Mínima, como é o caso do Bolsa-Escola, algumas vezes têm sido classificados como programas apenas compensatórios. No entanto, quando compreendidos em todas as suas dimensões podem possibilitar uma melhoria nas condições de vida das famílias carentes.

4.1 O programa bolsa-escola no município de Jardim de Piranhas/RN

O Município de Jardim de Piranhas/RN localiza-se na Microrregião do Seridó Oriental. Sua área corresponde a 331 km², às margens do Rio Piranhas., tem hoje uma população estimada em 13.270 habitantes, geograficamente distribuída na zona rural e urbana.

É uma cidade tradicionalmente conhecida pela fabricação de redes e panos de prato, cujos habitantes as vendem em diversas localidades do Brasil (corretores de redes e panos de prato) durantes os doze meses do ano, com maior ênfase de fevereiro a julho. Além da produção desses artefatos, “Jardim”, como é conhecida a cidade, destaca-se pela animação nos festejos do Carnaval, sendo o Clube Atlético Piranhas — CAP — o ponto de encontro dos foliões.

O comércio vem se modernizando e juntamente com os serviços públicos ameniza o problema da mão-de-obra desocupada. Na área social, o município conta com programas de assistências a famílias carentes, crianças e idosos. Dentre esses programas, temos os de transferência de renda o Programa Bolsa Família, que hoje, abrange todos no mesmo cartão, como o Bolsa – Escola, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e, o Vale – gás.

Este estudo enfoca o Programa Bolsa-Família que foi instituído no município através da Lei Municipal nº 460/2001 que entrou em vigor em 02 de maio de 2001. Este programa atende aos requisitos da Lei Federal que, para sua operacionalização no município, exige alguns requisitos como a formação do Conselho de Controle Social que deverá ter em sua composição membros representantes da Secretaria Municipal de Educação Gabinete do Prefeito, Secretária Municipal de Trabalho, Habitação e Assistência Social, pais de alunos da rede municipal e estadual de ensino, Conselho Municipal de Educação e Sindicato dos trabalhadores rurais.

Incentivar e viabilizar a permanência das crianças beneficiadas na rede escolar de ensino fundamental por meio de ações sócio-educativas de apoio aos trabalhos escolares, de alimentação e de práticas desportivas e culturais em horário complementar ao das aulas. (Lei Municipal, nº 460/ 2001).

Para a implantação do referido programa, a Prefeitura realizou o cadastro das famílias obedecendo aos critérios da Lei Federal que se faz explícito na Lei Municipal, como segue:

Incentivar e viabilizar a permanência das crianças beneficiadas na rede escolar de ensino fundamental por meio de ações sócio-educativas de apoio aos trabalhos escolares, de alimentação e de práticas desportivas e culturais em horário complementar ao das aulas. (Lei Municipal, nº 460/ 2001, grifo nosso).

O processo de seleção das famílias beneficiadas foi realizado pelo Conselho de Controle Social, Prefeitura Municipal, MEC e Governo Federal.

São beneficiadas do programa as famílias com renda familiar per capitã de R$ 100,00 que possuam sob sua responsabilidade crianças com idade entre 6 e 15 anos, matriculados em estabelecimentos de ensino fundamental regular com freqüência escolar igual u superior a 85%. (LEI MUNICIPAL, nº 460/ 2001).

Esse processo obedeceu à ordem de cadastro e seleção, sendo este primeiro, realizado pelo município e o segundo, pelo Governo Federal em parceria com o Ministério de Educação e Cultura (MEC). Quando da implantação do programa no município, foram contemplados 394 famílias sendo beneficiadas 634 crianças.

3.1.1 Bolsa-Escola e Educação

Os dados da nossa pesquisa estão organizados para analisar as relações verificadas entre a execução do Programa e aspectos relacionados com a Freqüência, a Evasão Escolar e o processo ensino – aprendizagem.

3.1.2 Programa e Freqüência escolar

De acordo com depoimentos dos beneficiários com o programa, ele é concebido como um grande incentivo à freqüência escolar até mesmo em virtude de lhes proporcionar as condições, embora que mínimas, de manter a criança na escola no que diz respeito à compra de material escolar, roupas e calçados.

Os professores também o concebem como um incentivo à freqüência muito embora, o visam apenas como uma forma de manter a criança na escola, o que não implica dizer que ela realmente estude e aprenda. Na visão do professor: “[…] O benefício leva o aluno à escola por obrigação dos pais e não por responsabilidade e compromisso”. (H.P.C., Professor).

3.1.3 Programas e Evasão Escolar

No que diz respeito à evasão escolar, os benefícios não demonstram muito entendimento acerca do assunto e se manifestaram de forma muito vaga, sem comentários.

Já os professores, em sua maioria, concordam que o programa teve uma boa parcela de contribuição na redução da evasão escolar se for levado em consideração, apenas permanência da criança na escola. No entanto, eles não consideram a evasão apenas o afastamento físico da criança da escola, mas também a sua participação no processo de aprendizagem do qual o aluno permanece ausente e, dessa forma, evadido na própria sala de aula, como segue o argumento de alguns:

[…] A evasão amenizou de forma considerável, embora muitas vezes o aluno permaneça na sala apenas para não perder o benefício não produzindo praticamente nada e, na maioria dos casos, até atrapalhando a aula. (I. B. A professor).

… O aluno vem à escola para não perder a bolsa, mas torna-se evadido na sala de aula por não realizar as atividades e às vezes, nem permanecer o horário integral, desobedecendo as normas da escola. (M.S.S., professor).

3.1.5 Programa e Aprendizagem

De acordo com o depoimento dos beneficiários, a contribuição que o programa traz para a criança em relação à educação, além da freqüência, foi apenas a compra de materiais. Em nenhum momento se questionou a aprendizagem das crianças.

Nesse caso, nos reportamos para os depoimentos dos professores que estão diretamente ligados a esse processo. Para muitos professores a aprendizagem não provém de incentivo do programa, pois muitos beneficiários freqüentam a escola, apenas motivados pela bolsa e não produzem praticamente nada como argumentam:

“… as crianças vêm a escola, mas na maioria das vezes não assistem aula (…), elas vem à escola só por vir, sem nenhum objetivo a cumprir”. (M.A.N.S, professor).

Ainda relacionado à aprendizagem, alguns professores acreditam que:

“[…]independente do programa o aluno aprende por seu próprio interesse”. (I.B.A ., professor).

Em contrapartida com os depoimentos anteriormente mencionados, um outro concebe o programa contrapartida com os depoimentos anteriormente mencionados, um outro concebe o programa como um estímulo à aprendizagem e afirma que:

“[…]a criança avança na aprendizagem a partir do momento em que recebe estímulos para que isto aconteça”. (C.C.S., professor).

Contudo, entre vantagens e desvantagens do programa em relação à educação, os pais classificaram a freqüência escolar como a face mais positiva do mesmo, ao contrário dos professores que, em sua maioria, atribuíram as maiores críticas a ela, sendo esta concebida como uma forçada e sem nenhum proveito na maioria dos casos.

De acordo com os dados estatísticos obtidos na Secretaria Municipal de Educação relacionados aos anos de 2002 e 2003, conforme quadro demonstrativo abaixo, a evasão quase não existiu embora que de acordo com os depoimentos da maioria dos professores, esta fato não tenha sido mérito do programa. Contudo, se levarmos em consideração o pressuposto de que o objetivo do programa é manter a criança na escola, através da freqüência e do índice de evasão, constata-se que este objetivo está sendo alcançado.

Quadro 1 – Alunos de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental beneficiados com o Bolsa – Escola nos anos de 2002 e 2003.

Tabela


Fonte: Secretaria Municipal de Educação

Porém, no que diz respeito à aprendizagem, os professores foram bem claros em suas colocações, a aprendizagem não se verifica entre os beneficiários. No depoimento da Secretaria Municipal de Educação, ela se refere ao programa com bastante otimismo em seus argumentos:

“…sou otimista com o programa. Acredito no incentivo à educação e, baseado nos depoimentos das mães, o considero um programa muito benéfico”. (I.M.M, Secretaria de Educação).

3.2 O Bolsa-Escola na realidade de Jardim de Piranhas/RN

No campo das Políticas Públicas, o Bolsa-Escola não chega a consistir em um programa que realmente proporcione um nível de sobrevivência satisfatório e digno de conferir igualdade social aos cidadãos, como propõe Silva, tendo em vista ser uma bolsa de quantia mínima para suprir as necessidades da maioria das famílias beneficiadas. No entanto, de acordo com os dados coletados na pesquisa, a maior parte dos beneficiários o concebe como um benefício útil devido a difícil situação econômica que se encontram.

No município de Jardim de Piranhas, o Programa Bolsa-Escola adquiriu uma característica comum, segundo as entrevistas realizadas que foi o fato de, na maioria das famílias, a mulher assumir o papel de chefe com relação ao sustento familiar. Isso se deve a conjuntura de desemprego que se mostrou bastante acentuada nestas famílias.

A grande maioria das famílias acompanhadas é constituída por mais de três pessoas estão enquadradas entre as de baixa renda, apesar de algumas terem uma renda em média de até três salários.

Quando da realização das entrevistas, tornou-se nítido nas expressões dos beneficiários que o benefício é bem aceito por eles. Daí não haver críticas tão ferrenhas. No entanto, ainda encontramos exceções, embora que mínimas, com relação à aceitação do Programa. Alguns beneficiários manifestaram certa “insatisfação” com relação à distribuição do benefício e entre eles surge o seguinte comentário:

[ ] “Sou beneficiário do programa, mas não concordo com essa forma de distribuição de renda. Seria mais produtivo criar mecanismos para gerar renda como fábricas para trabalhar, por exemplo”. (M.J.R., beneficiária)

Para muitos, a idéia de distribuição ou renda torna o indivíduo dependente e ocioso causando o desestimulo ao trabalho. De acordo com o depoimento desse beneficiário do programa, nem sempre esse fato se constata, pois muitos, ainda que vítimas do assistencialismo prefere o trabalho.

No que diz respeito à educação, não podemos concebê-lo como incentivo totalmente se for levado em consideração a produção escolar do aluno, tendo em vista que a reprovação ainda se faz muito presente. No entanto, ele alcança seu objetivo quando leva a criança à escola e reduz o índice de evasão.

Contudo, a permanência da criança na escola sem progresso consiste em um problema como argumenta um coordenador:

[…] O governo tirou o problema da rua e o transferiu para a escola. A criança é obrigada a permanecer na escola para não perder a bolsa e, além de não produzir, na maioria dos casos, implica em um problema para a escola. (E.D., coordenador).

Essa concepção de produção escolar também se faz presente entre as opiniões dos beneficiários como segue:

“Deveria haver uma avaliação com os alunos beneficiários e se constatasse um bom rendimento por parte daquele aluno, o mesmo permaneceria no programa”. (S.R.S., beneficiário).

Nesse sentido, o programa deixa a desejar quando concede a renda ao cidadão sem se preocupar com a sua produção. Essa forma de distribuição de renda só contribui para a reprodução dos necessitados. Se for levado em consideração o depoimento dos professores com relação à aprendizagem, o indivíduo nunca terá a oportunidade de se liberar das benesses do Estado de forma que se tornará um círculo de dependência o qual se reproduzirá cada vez mais. O Estado, ao invés de formar cidadãos, para através do exercício de sua cidadania, contribuir com o aumento da riqueza da nação, permanecerá produzindo dependentes dele cada vez mais.

Por fim, é um fator positivo do programa a transferência de renda ser em dinheiro, pois proporciona ao cidadão sua liberdade de usufruto contribuindo para sua inserção na sociedade já que dispõe do recurso e da liberdade para utilizá-lo e como cita Eduardo Suplicy: “O programa em dinheiro propicia muito mais eficiência, grau de liberdade (…) confere às pessoas muito maior grau de cidadania”. (2002: 143).

Além dos impactos diretos de melhoria das condições de renda em aspectos como alimentação, saúde, moradia e lazer. O aumento de renda nas faixas mais pobres da população tende a produzir um aumento no consumo de bens populares, estimulando o desenvolvimento de um mercado de massas, dentro dos limites impostos pela inserção do município na economia regional, nacional e mundial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências de implementação/execução dos Programas de Renda Mínima, a exemplo do Bolsa-Escola, tem se dado de forma diferenciada em cada realidade, respeitando as particularidades locais, as questões culturais, políticas, bem como, as formas de organização e luta dos grupos locais.

Estes aspectos interferem na execução dos programas e, na realidade do município de Jardim de Piranhas, que tem sua estrutura social, política e econômica diferente dos demais que adotaram o referido programa, os resultados se mostram de acordo com as condições locais.

Baseado nos objetivos propostos deste trabalho chegou-se a algumas conclusões que poderão ser bastante úteis para a seqüência do programa neste município, bem como, direcionar outros estudos voltados para esta temática.

Durante a pesquisa algumas dificuldades se tornaram evidentes, como: a inibição do público-alvo e a rejeição de muitos, o que dificultou uma melhor e mais completa análise do programa. No entanto, mesmo diante das dificuldades, as informações obtidas foram consideradas de acordo com sua importância, tornando-se assim possível alcançar os objetivos da pesquisa.

De posse das informações obtidas, constatou-se que, embora sendo considerado por muitos como apenas uma medida compensatória do governo, o Bolsa-Escola conseguiu durante seu período de implantação, obter resultados significativos relacionados aos seus objetivos. Também se verificou, uma grande publicidade do mesmo sendo apontado pelo público-alvo como um dos melhores até hoje, devido a sua eficiência e durabilidade.

Nas sugestões apontadas pelos beneficiários, a continuidade e ampliação do programa são pontos evidentes. Contudo, essas sugestões devem ser levadas em consideração desde que sejam repensadas algumas práticas como, por exemplo, as ações sócio-educativas que não são desenvolvidas e que, além de incentivar a permanência na escola, também poderá contribuir com a produção escolar do aluno. Dessa forma, o programa assumirá realmente um caráter social e educativo.

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