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quarta-feira, abril 17, 2024

A Linguagem no Deficiente Mental

Autor: Debora Chagas dos Santos

INTRODUÇÃO

Apesar de podermos nos comunicar de muitas e variadas formas, é através da linguagem falada e escrita que geralmente o fazemos. Para além da sua função social e comunicativa, a linguagem é muito importante como instrumento do pensamento a serviço da resolução de problemas cognitivos, na planificação e regulação da conduta (Carretero e Madruga, 1984). É através da linguagem que nos apropriamos da cultura e interagimos com os outros. Nesse setor, as crianças com deficiência mental apresentam muitas vezes dificuldades, quer ao nível da fala e sua compreensão, quer no ajustamento social. Sabendo-se que os estímulos ambientais são fundamentais ao desenvolvimento do indivíduo (Hallahan e Kauffman, 1997), estes problemas poderão ser, se não causa, um fator a considerar como grande influência no desempenho das crianças com deficiência mental.

AS ALTERAÇOES DE LIGUAGEM NA DEFICIÊNCIA MENTAL E A INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

Uma característica comumente considerada típica das crianças deficientes mentais é o atraso no desenvolvimento da linguagem. Não se sabe quanto do atraso da linguagem lhe é devido, e quanto é conseqüência das parcas habilidades cognitivas. O desenvolvimento da linguagem no deficiente mental segue a mesma seqüência que nas crianças normais, a passo mais lento, ou há diferenças qualitativas no desenvolvimento da linguagem no deficiente mental? Parece haver evidências suficientes para fundamentar, em parte, ambas as suposições.

Semmel, Barritt e Bennett (1970) estudaram crianças deficientes mentais educáveis institucionalizadas e não-institucionalizadas, comparando seu desempenho lingüístico com dois grupos de crianças típicas. Verificaram que as crianças deficientes mentais educáveis, com QIs médios de 70, tinham menos capacidade em linguagem do que as crianças típicas, mesmo quando a idade mental era elevada em consideração. Isto é, uma criança deficiente mental de 10 anos (com idade mental de 7 anos) ainda não tinha um desempenho tão bom em desenvolvimento de linguagem quanto uma criança típica de 7 anos. Os pesquisadores concluíram que pode haver uma diferença não somente em aquisição, mas também uma diferença qualitativa.

Cromer (1974) examinou os estudos sobre linguagem receptiva dos deficientes mentais e concluiu que: (1) os deficientes mentais desenvolvem a linguagem mais lentamente; (2) as crianças subnormais são mais atrasadas em idade de linguagem do que em idade mental; (3) capacidades cognitivas pobres, tais como tempo limitado de memória a curto prazo, podem ser responsáveis pelo atraso lingüístico.

Um outro aspecto, que revelou uma diferença na taxa de desenvolvimento da linguagem nos primeiros anos de vida e uma diferença qualitativa mais tarde, indica como o problema pode ser resolvido. Naremore e Dever (1975) colecionaram amostras de cinco minutos de discurso de crianças normais e deficientes de 6 a 10 anos. As amostras foram analisadas quanto a propriedades lingüísticas, tais como elaboração do sujeito, número de subordinações, número de orações relativas, e quanto a itens lingüístico básicos, tais como número de palavras, sentenças, pausas, repetições e assim por diante. As crianças retardadas eram mais deficientes no uso de orações complexas e elaboração de sujeito. Essa é uma importante falha de comunicação, porque limita o tipo e a quantidade de informações que a criança pode comunicar aos outros, principalmente quando são exigidas seqüências de atividades.

Um exemplo das diferenças entre a linguagem expressiva das crianças normais e das crianças deficientes mentais educáveis é dado nas amostras que se seguem, em que duas crianças de 10 anos descrevem o mesmo programa de televisão que viram (Naremore e Dever, 1975):

-Criança normal de 10 anos: Toda as vezes que ele tentava começar alguma coisa, todos eles começavam a tocar seus instrumentos e não faziam nada, então Lucy disse que precisavam de uma árvore de Natal cor-de-rosa para a rainha do Natal, mas, quando Charlie Brown saiu, descobriu que havia muitas que eram rosa, verde e azul, mas havia apenas uma pequena.

-Deficiente mental de 10 anos: Charlie Brown não parecia ter espírito de Natal e então Linus disse que ele deveria se envolver e havia esta pequena casa do médico e Charlie Brown foi lá e isso é o que Lucy lhe disse que fizesse.

A produção da criança deficiente mental não é apenas mais dispersa, com conteúdo mais limitado do que a da criança normal, mas também é pobre sintaticamente. A criança retardada depende muito do e com conectivo, e falta-lhe habilidade para impor uma estrutura temporal ou hierárquica aos eventos, ao contrário da criança normal.

Segundo a descrição do DSM.IV, a característica essencial do Retardo Mental é quando a pessoa tem um “funcionamento intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, auto-cuidados, vida doméstica, habilidades sociais, relacionamento interpessoal, uso de recursos comunitários, auto-suficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança”.

O presente trabalho focaliza o interesse na questão do desenvolvimento de sujeitos com deficiência mental, sobretudo, no que se refere ao desenvolvimento da linguagem. A partir dos estudos de Vygotsky (1989) e Bakthin (1995) sobre a linguagem humana, em especial as relações entre linguagem e consciência e a perspectiva dialética e dialógica, objetivou-se a compreensão de como jovens com deficiência mental fazem uso da linguagem, especialmente, durante os momentos em que estão convivendo em grupo.

Para a realização desta pesquisa formou-se um grupo de jovens com deficiência mental (dois do sexo masculino e dois do sexo feminino) que foram atendidos semanalmente em uma Clínica _ Escola de Fonoaudiologia localizada na cidade de Piracicaba, no Estado de São Paulo. Pôr um período de 4 meses (agosto a dezembro de 2002) desenvolveu-se um trabalho fonoaudiológico com este grupo, aonde foram privilegiadas situações de uso efetivo da linguagem, tais como, relatos de experiências vividas. O grupo foi a todo momento, encorajado a dialogar com seus pares sobre o tópico que estava sendo relatado. As sessões de fonoaudiologia, com duração de 60 minutos foram filmadas integralmente, as fitas transcritas e os dados analisados. O interesse foi compreender de que maneira se estabelece (ou não) a dinâmica dialógica entre os jovens com deficiência mental e terapeuta, com foco na questão da reversibilidade e na construção dos interlocutores no diálogo.

O estudo indica que, a interação entre os jovens com deficiência mental, é fundamental para a constituição da linguagem. Além disso, os dados mostram que, no início do atendimento fonoaudiológico, os participantes apenas respondiam às perguntas que lhes eram feitas pelo terapeuta. No decorrer do processo, a fonoaudióloga, ao buscar atribuir sentido e significação às palavras dos sujeitos, possibilitou que a linguagem enquanto atividade simbólica de fato ocorresse durante o jogo dialógico. Neste sentido, é possível concluir ainda que, o processo terapêutico fonoaudiológico realizado em grupo mostra-se um instrumento constitutivo e enriquecedor para o exercício pleno da linguagem.

Algumas sugestões na comunicação e expressão usada por fonoaudiólogas na área de expressão oral para deficientes mentais:

A produção e interpretação da linguagem oral deve ser feita em contextos familiares à criança. Por exemplo: falar sobre a própria criança, o pessoal da escola, os elementos da natureza (chuva, terra, água, vento, flora, fauna etc.), os animais, transportes em geral, os alimentos, o vestuário, os objetos escolares e domésticos, os brinquedos, os livros com gravuras, etc;
Articular as palavras de seu vocabulário, de forma a ser compreendido pelo grupo;
Usar a linguagem oral e gestual como meio eficiente de comunicação com as pessoas de su convívio;
Identificar-se, dizendo seu nome, nome dos pais, sexo etc;
Identificar-se e nomear os objetos e pessoas que a cercam;
Aumentar a capacidade de atenção e concentração, observando objetos, ouvindo músicas, sons, conversas, estórias;
Compreender e seguir ordens verbais simples (uma ordem de cada vez);
Expressar sua idéias, emoções e sentimentos;
Associar os objetos com sua funções;
Localizar e identificar as diferentes partes do seu próprio corpo, do colega e de figuras;
Manipular jornais, livros e revistas, folheando, observando e nomeando as gravuras;
Identificar e nomear os locais e dependências mais comuns da casa e da escola;
Responder a perguntas do tipo: Aonde está isto? O que você fez? Qual o brinquedo que usou?
Ampliar seu vocabulário oral, identificando e nomeando flores, frutos, brinquedos, animais, alimentos, objetos escolares e domésticos.

CONCLUSÃO

A linguagem não explica o desenvolvimento da inteligência. Uma das conclusões que se pode tirar a partir disso, é que a criança não aprende os conceitos infantis por transmissão verbal. Por exemplo, não adianta ensinar os conceitos de alto-baixo, maior-menor, apenas através da linguagem e da percepção de desenhos. Para compreender estas relações espaciais, a criança precisa agir sobre o meio, com seu corpo, sobre os objetos, e esta ação não pode ser substituída por palavras, estas noções precisam ser vivenciadas para serem compreendidas.

O desenvolvimento da linguagem da criança é reflexo do desenvolvimento do seu pensamento, segundo a teoria psicogenética de Piaget.

BIBLIOGRAFIA

CAMINHOS DO APRENDER. Uma alternativa educacional para a criança portadora de deficiência metal. Izabel Nunes Ferreira. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portador de Deficiência – CORDE, 1993.

Educação da criança Excepcional / Samuel A. Kirk, James J. Gallagher; [tradução Marília Zanella Sanvicente]. – 3ªed. – São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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