ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL HEMORRÁGICO
Autor: Jéssica Lucilaine Prudencio
1 – RESUMO
Na hemorragia intracerebral e subaracnóide, ocorrem a ruptura de um vaso sangüíneo cerebral com um aumento drástico na pressão intracraniana e uma redução na perfusão cerebral global que pode durar alguns minutos. Após essas alterações imediatas, ocorre uma melhora gradual na pressão intracraniana e na pressão de perfusão, apesar desses valores não retornarem aos valores de base. Ocorre uma redução acentuada da perfusão cerebral próxima ao hematoma e por isso provavelmente se deve à compressão local. As regiões do cérebro afastadas do sangramento também apresentam alterações da perfusão, que são atribuídas à vasoconstrição causada pela liberação química de produtos de degradação do sangue ou por mediação neuronal.
2 – INTRODUÇÃO
A hemorragia intracranina, incluindo a intracerebral, a subaracnóidea e a intraventricular, é causa freqüente de lesão encefálica. Sempre cercada de muito mistério e dúvidas, recebeu o nome de “apoplexia” devido ao fato de ser, na grande maioria das vezes, um evento súbito, sem aviso prévio.
3 – FISIOPATOLOGIA
Várias são as causas de hemorragia intracraniana (Quadro 1). Hemorragias associadas à alteração de coagulação, rotura de aneurisma micótico, púrpura idiopática cerebral, hemorragia de tronco cerebral com herniação são causas menos comuns. As causas mais freqüentes de hemorragia intracraniana notraumática estão no quadro 1.
Quadro 1. Causas de Hemorragia Intracraniana
1. Primária hipertensiva
2. Rotura de aneurisma sacular
3. Rotura de malformação arteriovenosa
4. Causa indeterminada (pressão arterial normal sem nenhuma causa determinada)
5. Trauma
6. Desordens hemorrágicas, leucemia, anemia aplástica, púrpura trombocitopênica, insuficiência hepática, uso de anticoagulantes etc.
7. Hemorragia secundária a tumor cerebral, coriocarcinoma
8. Rotura de aneurisma infeccioso (“micótico”) e vasculites, doenças inflamatórias arteriais e venosas
9. Infarto hemorrágico
10. Amiloidose arterial
11. Miscelânea: drogas vasopressoras, encefalite herpética, tularemia etc.
Quadro 2. Causas mais freqüentes de hemorragia Intracraniana Não-traumática
1. Hemorragia intracraniana hipertensiva primária
2. Rotura de aneurisma sacular
3. Rotura de malformação arteriovenosas
HEMORRAGIA INTRACRANIANA HIPERTENSIVA PRIMÁRIA
Conhecida também como hemorragia espontânea, caracteriza-se pela associação com níveis pressóricos elevados. Sem distinção de sexo, costuma atingir faixa etária menor do que o infarto trombótico.
Fisiopatologia
Artérias penetrantes provenientes do tronco da artéria cerebral média, basilar ou do polígono de Willis, que se encontram danificadas pela hipertensão arterial (lipo-hialinólise), rompem-se dentro do tecido cerebral, formando uma massa pequena e oval que se espalha por dissecação, crescendo em volume, provocando deslocamento e compressão das estruturas adjacentes. Pode também haver rotura para dentro do sistema ventricular. O sangue extravasado sofre modificações devido à ação fagocítica dos macrófagos, formando uma área escurecida que progressivamente diminui de tamanho e, ao final de seis meses, se torna uma área cicatricial e circunscrita. Diferentes de outras etiologias, quando o sangramento cessa, não costuma haver ressangramento.
Localização
Os sítios mais acometidos são: putâmen e cápsula interna adjacente, tálamo, ponte e cerebelo. Outras causas têm sido descritas para essas hemorragias, entre elas a angiopatia amilóide do idoso, levando a hemorragias únicas ou recorrentes lobares. Atualmente, as hemorragias lobares em sua freqüência diminuída devido ao controle mais rigoroso da hipertensão arterial.
Quadro clínico
O quadro clínico depende do tamanho e da localização da hemorragia. Em geral, costumam ter instalação em 30 e 60 minutos a não ser quando relacionadas a distúrbios de coagulação, quando se instalam em até 48 horas, podendo apresentar pródromos (cefaléia, vômitos, tonteiras) e sempre em plena atividade física ou estresse emocional.
HEMORRAGIA EM PUTÂMEN
De maior freqüência, geralmente se rompe pela cápsula interna adjacente. Sensação cefálica dolorosa com desvio da face para um dos lados, dificuldade de fala, hemiparesia e hemiplegia contralateral, desvio do olhar para longe do déficit motor, Babinsk do lado afetado, torpor e coma são os achados clínicos mais freqüentes. Sinais de compressão de tronco podem aparecer se a hemorragia for extensa com formação de edema cerebral.
HEMORRAGIA TALÂMICA
Pode apresentar hemiparesia ou hemiplegia quando acomete cápsula interna. É caracterizada por déficit sensitivo marcante e alterações visuais como defeito do campo visual transitório, desvio do olhar para baixo e para dentro, anisocória sem fotorreação, ptose e miose ipsilateral (síndrome de Horner), ausência de convergência e paresia ou pseudoparesia do sexto par craniano.
HEMORRAGIA PONTINA
Pequenas hemorragias mantém o nível de consciência e apresentam apenas alterações da motilidade acular e paralisia dos pares cranianos.Grandes hemorragias evoluem para o coma e óbito rapidamente se não forem abordadas de forma rápida e correta. Quadriplegia, rigidez de descerebração, pupilas de 1mm de diâmetro reagente à luz e ausência de reflexos de tronco são sinais clínicos encontrados.
HEMORRAGIA CEREBELAR
Vômitos repetidos, cefaléia occipital, vertigem e incapacidade de sentar, andar ou ficar em pé são achados nesta localização. Sinais oculares, como blefaroespasmo, desvio do olhar para o lado oposto da hemorragia e pupilas desiguais, mas fotorreagentes, podem ser encontrados. Apenas uma minoria apresenta, na fase inicial, nistagmo ou ataxia dos membros. Compressão do tronco pode ocorrer, tornando difícil a reversão do quadro.
HEMORRAGIA SUBARACNÓIDEA: ROTURA DE ANEURISMA SACULAR
Causa freqüente de acidente vascular encefálico depois da hemorragia hipertensiva, ocorre mais freqüentemente entre os 35 a 65 anos, sendo rara na infância, o que reforça o fato de estes aneurismas não serem congênitos e sim formados ao longo da vida. A incidência de rotura e sangramento é de 4:100.000 por ano. Possui taxa de mortalidade de 10% no primeiro dia e de 25% ao longo dos primeiros três meses, geralmente deixando seqüelas provenientes ou da hemorragia inicial ou das complicações posteriores como, por exemplo, hidrocefalia. Hipertensão arterial não é um achado freqüente, mas existe um a íntima relação com o tabagismo .
Fisiopatologia
Os aneurismas saculares se originam nas bifurcações e ramos das grandes artérias na base do crânio. Podem se desenvolver ou por destruição focal da membrana elástica interna, devido a forças Hemodinâmicas nos ápices das bifurcações, ou por defeito da camada íntima e média das artérias. Independente da teoria, a íntima protui coberta apenas pela adventícia, tornando-se uma camada fina (menor que 0,3 mm), onde geralmente ocorre a rotura. Podem crescer e atingir diâmetros de até 3cm.
Localização
Cerca de 90% a 95% dos aneurismas se encontram na porção anterior do Polígono de Willis. As localizações mais freqüentes são na junção da artéria comunicante anterior com a artéria cerebral anterior, na junção da artéria comunicante posterior com artéria carótida interna, na bifurcação da artéria cerebral média e na bifurcação da carótida interna entrando nas artérias cerebrais anterior e média. Em 20% dos casos são múltiplos, podendo ser uni ou bilaterais.
Quadro clínico
Geralmente são assintomáticos quando não rotos. Pródomos de rotura como paralisia do terceiro e sexto pares, alterações do campo visual, localizam a lesão no seu sítio anatômico. No momento que rompem, a sintomatologia é bastante característica com cefaléia excruciante e vômitos, perda súbita e por vezes apenas momentânea da consciência ocorrem em cerca de 45% dos casos.O aumento súbito da pressão intracraniana aproximando-se da pressão arterial média e diminuindo a pressão de perfusão cerebral é o responsável pela sintomatologia. Sinais focais podem ocorrer, principalmente com aneurismas localizados na artéria comunicante anterior ou artéria cerebral média, que se rompem para dentro do parênquima cerebral. Em casos de hemorragia maciça, a morte pode ocorrer em questão de minutos, entretanto no diagnóstico diferencial de morte súbita. Geralmente nesses casos o sangue disseca a região de tecido cerebral, inundando os ventrículos cerebrais e elevando a pressão intracraniana. Outros sinais clínicos podem estar presentes, como rigidez de nuca, que desaparece à medida que o nível de consciência se deteriora, sinal de Babinsk bilateral, fundo de olho com hemorragias e febre elevada (39%C).
Utiliza-se freqüentemente a escala de HUNT e HESS para o estabelecimento do status neurológico (Quadro 3):
Quadro 3. Escala de HUNT e HESS
1 Grau I Assintomático ou com discreta cefaléia e rigidez de nuca
2 Grau II Cefaléia moderada a severa, ou rigidez de nuca, mas ausência de sinais neurológicos, exceto paralisia de nervo craniano
3 Grau III Obnubilação, confusão e discreto déficit motor
4 Grau IV Torpor e hemiparesia moderada à severa
5 Grau V Coma profundo e rigidez de descerebração
MALFORMAÇÃO ARTERIOVENOSA
Vasos dilatados formam uma comunicação entre os sistemas arteriais e venosos. São verdadeiras fístulas arteriovenosas cujos vasos aumentam de tamanho ao longo dos anos desde a sua formação embriogênica. Por vezes, atingem dimensões suficientes para fístula alterar o débito cardíaco. Ocorrem em qualquer região de cérebro, tronco cerebral e medula espinhal, mais os maiores geralmente se localizam na parte central dos hemisférios cerebrais se estendendo do córtex até o sistema ventricular. São mais freqüentes no sexo masculino e geralmente se rompem entre a segunda e a terceira década. Rompem-se para dentro do tecido cerebral e podem se estender para a região subaracnóidea. Cefaléia, convulsões e sinais de localização podem ocorrer. Quando localizado no sistema carotídeo-cerebral médio, pode-se auscultar um sopro sistodiastólico na região ocular, fronte ou pescoço. Em 90% dos casos, o sangramento cessa espontaneamente e o paciente sobrevive.
Diagnóstico
O diagnóstico da hemorragia intracraniana deve ser rápido e preciso, pois na maioria das vezes é fatal.
Clínico
História e exame físico completo, na maioria das vezes, orienta a etiologia e a localização da lesão. São de extrema validade na busca da etiologia a verificação de níveis tensivos prévios e atuais, o exame cutâneo em busca de outras malformações arteriovenosas ou tumores e a verificação do uso de medicações (anticoagulantes). Deve-se observar os sinais neurológicos de localização e pesquisar a rigidez de nuca.
4 – TRATAMENTO
Devido à alta incidência de óbito nas primeiras horas por hipertensão intracraniana ou por edema cerebral, medidas urgentes devem ser tomadas, como as que se seguem.
Manter permeabilidade das vias aéreas, objetivando boa oxigenação (SaO2 >= 95%) e ventilação. Deve-se evitar hipercapnia ou hipocapnia excessiva (PaCO2 em torno de 30 mmHg). Se necessário, utilizar métodos ventilatórios invasivos.
Cabeceira elevada para facilitar o retorno venoso cerebral e diminuir a pressão intracraniana. Manter a cabeça sempre centrada.
Evitar hipotensão através da administração de soluções cristalóides e aminas vasopressoras,se necessário, e hipertensão através do uso de drogas anti- hipertensivas como o nitroprussiato de sódio na dose de 0,3 a 8 mg/kg/min, evitando-se o uso de medicações anti-hipertensivas de ação central (p.ex.,alfametildopa).
Havendo sinais clínicos de hipertensão intracraniana (tríade de Cushing: hipertensão arterial, bradicardia e arritmia respiratória), acrescentar manitol a 20% na dose de 1g/kg/dia ou 0,25g/kg/dose de 4 em 4 horas. Se possível e indicado, monitorar a pressão intracraniana de maneira invasiva e utilizar a medicação conforme a necessidade (PIC>18mmHg). O uso de hiperventilação também é indicado nesses casos, sendo o paciente sedado e se necessário curarizado, para manter ventilação controlada com PaCO2 em torno de 30mmHg. Dá-se a preferência à sedação com benzodiazepínicos ou com barbitúricos de ação rápida, monitorando a pressão arterial média para manter a pressão de perfusão cerebral (entre 50 e 70mmHg).
O uso de glococorticóide é controverso. Sua indicação é limitada aos casos de:
a) hemorragia intracraniana por tumor cerebral;
b) inundação ventricular para diminuir a chance de aracnoidite;
c) nos casos de dor cefálica ou na região da nuca, devido ao efeito irritativo do sangue no espaço subaracnóideo. A dose é variável, dando-se preferência para a dexametasona injetável por no máximo 7 dias (dose média de 6 a 16mg/dia).
A profilaxia e o tratamento das convulsões são prioritários. Utiliza-se no primeiro caso a difenilhidantoína na dose de 5 a 6 mg/kg/dia em intervalos de 6 a 8 horas. Barbitúrico também pode ser indicado nesses casos.
Deve-se evitar o uso de drogas com ação antiadesiva plaquetária (ácido acetilsalicílico) e heparina, mesmo em dose profilática, pelo risco de aumentar a área de sangramento na fase aguda. O uso de drogas antifibrinolíticas é controverso. O ácido aminocapróico parece impedir a lise do coágulo no local da rotura, reduzindo o risco de ressangramento, mas existem trabalhos evidenciando o aumento de infarto cerebral.
O tratamento cirúrgico é individualizado de acordo com a patologia e o quadro neurológico.A remoção cirúrgica de coágulos intracerebrais supratentoriais é controversa. O tamanho do hematoma, o quadro clínico inicial e a evolução com agravamento do estado neurológico determinam a abordagem cirúrgica imediata. No caso de coágulos infratentoriais, principalmente região cerebelar e pontina, o tratamento cirúrgico deve ser conduta inicial, em paralelo ao suporte clínico mencionado acima, para evitar compressão de tronco cerebral. Exceção a esta conduta é feita nos casos de lesões de pequeno volume e quadro neurológico inicial e evolutivo estáveis. Nas malformações arteriovenosas, a excisão cirúrgica é preferida, com índice de mortalidade peroperatória de 2%. Embolização ou ligadura das artérias nutridoras da lesão também podem ser utilizadas. Nos casos de malformações múltiplas, pode ser indicada radioterapia.
Os aneurismas saculares devem ser abordados cirurgicamente para evitar o risco elevado de ressangramento. Através do clampeamento intra ou extra craniano do aneurisma ou através da radiologia intervencionista e utilizando-se balão para oclusão, consegue-se com êxito evitar complicações complicações futuras. Existem dúvidas quanto ao melhor momento de realizar estes procedimentos. Devido a complicações que podem advir caso o aneurisma não seja abordado cirurgicamente, principalmente o vasoespasmo, preconiza-se que a abordagem deva ser realizada precocemente entre o primeiro e terceiro dia de rompimento. Outras escolas, entretanto, preconizam que a abordagem cirúrgica seja postergada para a segunda semana do evento.
No caso dos aneurismas saculares, as complicações tardias merecem serem tratadas de maneira adequada, pois estão relacionadas com o aumento da morbidade. O vasoespasmo ocorre em 30% dos casos, com sinais clínicos que sugerem isquemia do território ao redor da lesão em torno do sétimo dia.
5 – PROGRAMA FISIOTERAPÊUTICO
Diariamente, o pacientes deverá passar de três a cinco períodos com seu fisioterapeuta:
1) Sessão individual para exercitar os membros atingidos (alongamentos), manter articulações livres (mobilização), treino de equilíbrio na posição sentada.
2) Uma classe de ginástica, na qual o paciente aprende a mover novamente o corpo.
3) Um período de exercícios de resistência para fortalecimento muscular.
4) Uma classe ambulante, para treinar a marcha.
5) Atividades de classe de vida diária, na qual ele aprende a mexer-se, deitar-se, levantar-se…
O que ocorre bastante e é difícil de aceitar pelo paciente e também pela família, é a lentidão do processo. É claro que o tempo e o grau de desempenho está relacionado com o grau do AVC, com a personalidade do paciente, a presença e a gravidade de depressão e muitos outros fatores que podem ser descritos como reabilitação física.
Mas a reabilitação total significa mais do que independência de andar e cuidar de si. Significa a retomada pelo paciente do gosto e do desejo de viver.
6 – REABILITAÇÃO
Durante o início da recuperação objetivamos principalmente:
minimizar os efeitos das anormalidades de tônus;
manter uma ADM normal e impedir deformidades;
melhorar as funções respiratórias e motoras;
mobilizar o paciente nas atividades funcionais iniciais envolvendo mobilidade no leito, o ato de sentar, transferências…;
impedir o descondicionamento;
promover a conscientização corporal, movimentação ativa e uso do lado hemi;
melhorar controle de tronco e equilíbrio na posição sentada;
iniciar as atividades de cuidados pessoais.
A reabilitação consiste na aplicação de um programa planejado, através do qual a pessoa incapacitada, ou convalescente, mantém ou progride para o maior grau de independência física e psíquica de que é capaz. Para entender em que consistem as medidas de reabilitação do paciente hemiplégico, é preciso, compreender o que aconteceu com ele em termos da deficiência física que ele pode ser obrigado a enfrentar. E se quisermos compreender a deficiência física causada pelo AVE, assim como a melhor maneira de ajudar o paciente, teremos primeiramente de entender alguns fatos simples a respeito dos movimentos e do movimento voluntário normal de que goza o ser humano saudável, sem mesmo dar-se conta.
O homem não nasce com movimentos controlados, mas sim com o que chamamos de movimentos reflexos primitivos. Durante os primeiros meses de vida, ele vai desenvolvendo o seu controle motor. Exercita os seus reflexos primitivos até que os mesmos se tornem parte da postura controlada e dos movimentos voluntários. Em outras palavras, ele atravessa progressivamente as etapas do movimento reflexo, do controle da postura e do movimento voluntário, e das habilidades específicas. Aprendeu a marcha ereta, desenvolveu movimentos de precisão e aprendeu movimentos especializados que preserva por toda a vida.
Os reflexos básicos, que ele aproveitou como pedras fundamentais, sobre as quais se baseiam os seus movimentos controlados, ainda existem, integrados dentro do seu controle postural. Alguns destes reflexos, ou seja, aqueles que o mantém ereto contra a ação da gravidade, dominam sobre os demais, porém isto não tem importância: o seu cérebro está exercendo o controle e ele domina o seu corpo. Infelizmente, depois de um AVE, o cérebro perde o controle e o homem deixa de dominar seu próprio corpo. Esta realidade devastadora atinge-o como um raio caído do céu azul; é este o primeiro fato amargo que ele precisa enfrentar. Ele precisa aceitar o fato de depender de ajuda, sob muitos pontos de vista do seu corpo já não lhe obedece, falta-lhe o equilíbrio; os movimentos normais já não são possíveis no lado afetado, e, sob alguns aspectos, ele é tão dependente da ajuda de outrem quanto uma criança recém-nascida. Não é capaz sequer de ir sozinho ao sanitário; precisa ser levado até lá, e assistido como uma criança pequena.
No lactente os padrões motores e posições adotadas no desenvolvimento motor seguem uma ordem. Neste processo, os movimentos controlados do pescoço e dos ombros precedem o controle dos cotovelos e, finalmente, das mãos; os movimentos controlados do tronco e dos quadris precedem aqueles dos joelhos e pés. A solicitação do peso corporal tem importância fundamental para o desenvolvimento dos movimentos controlados.
É preciso que o lactente se apoie sobre os antebraços, passando daí a apoiar-se sobre os joelhos e sobre as mãos, conforme os padrões normais de engatinhamento, que ele adota ao atravessar as diversas etapas do seu desenvolvimento motor. Sem esta capacidade de apoio do próprio peso, ele não conseguiria progredir e não alcançaria a sua meta, isto é, a postura controlada e os movimentos coordenados.
Em outras palavras, o desenvolvimento se dá da cabeça aos pés, ou seja, no padrão de desenvolvimento simples que se observa no lactente, os reflexos primitivos são dos lábios e língua em direção aos músculos dos olhos, do pescoço, do ombro, dos braços, mãos, dedos, tronco, perna e pés, sendo que as respostas reflexas primitivas acabam sendo substituídas pelos movimentos voluntários, e pela postura controlada. Podemos também dizer que os movimentos primitivos se transformam em movimentos automáticos e, finalmente, em movimentos deliberados ou voluntários. Nos estágios finais do desenvolvimento motor plenamente coordenado vemos que os movimentos se iniciam pela mão e pelo pé: ao invés de seguirem os movimentos iniciados pelo ombro e pelo quadril, respectivamente, a mão ou o pé dão início ao movimento, sendo que a mão em particular, toma a liderança dos movimentos coordenados, funcionais e hábeis.
É imprescindível aplicar o padrão de desenvolvimento motor do lactente ao paciente hemiplégico.
De um só golpe, com rapidez devastadora, e dependendo da gravidade do seu caso, metade do seu corpo se tornou semelhante ao da criança recém-nascida. restam-lhe apenas os movimentos reflexos primitivos; ela não é capaz de executar movimentos controlados voluntários, porque a lesão cerebral comprometeu o mecanismo normal dos reflexos de postura que ele havia levado tantos meses para desenvolver, no começo de sua vida.
Nas palavras do fisioterapeuta, os reflexos primitivos não estão mais integrados para formar movimentos controlados. Predominam, então, os reflexos mais poderosos, ou reflexos dominantes, levando ao aparecimento, dentro de algumas semanas ou meses, do quadro contorcido e espástico que quase todos já vimos algumas vez e que pode ser reconhecido à primeira vista como sequela de derrame. Acrescente-se a isso a fraqueza muscular, devida à interrupção das vias motoras destinadas aos músculo afetados e, os eventuais déficits sensitivos que podem complicar mais ainda este quadro.
Já vimos acima que todo movimento representa a resposta a algum estímulo sensorial. Não é de se estranhar, então, que o paciente esteja em sérias dificuldades. Metade do seu corpo se subtrai ao seu controle, em grau maior ou menor, de acordo com a gravidade do derrame. Não há tempo a perder. É urgente.
Entretanto, existem complicações que constituem uma barreira à reabilitação e recuperação dos movimentos controlados, entre elas o desenvolvimento do espasmo muscular e as deficiências sensoriais, de mínimas a muito graves. Temos que levar em conta, então, os tipos de dificuldades:
1 – Inicialmente, é preciso considerar o lado afetado do paciente como sendo tão incapaz como uma criança recém-nascida. Por conseguinte, não podemos esperar que ele apresente movimentos controlados e voluntários normais, no lado afetado; o seu equilíbrio estará prejudicado.
2 – O espasmo acabará aparecendo, por maior que seja a flacidez apresentada por seus membros imediatamente após o acidente vascular. Se isto não for evitado colocará um ponto final nas tentativas de reabilitação, e todo o programa de fisioterapia resultará em fracasso.
3 – O paciente pode apresentar certo grau de deficiências sensoriais, resultando em deficiências motoras, já que todos os movimentos controlados representam uma resposta direta às mensagens transmitidas pelos órgãos dos sentidos.
Já que chegamos à conclusão de que os padrões motores do lactente precisam ser aplicados ao paciente hemiplégico, será que isto significa que o aparecimento de espasticidade muscular e as deficiências sensoriais anulam a esperança de concluir com sucesso o programa de reabilitação elaborado para este paciente ?
A resposta é sim; a espasticidade e as deficiências sensoriais podem perfeitamente encerrar as possibilidades de eventuais progressos, condenando ao absoluto fracasso as esperanças razoáveis em relação à recuperação, a não ser que sejam adotadas determinadas medidas especiais. É perfeitamente possível que a espasticidade e os déficits sensoriais encerrem bruscamente o esquema de reabilitação, praticamente antes de seu início. Por exemplo: nenhum paciente hemiplégico consegue engatinhar, usando as mãos e os joelhos, após o desenvolvimento de flexão rígida dos punhos, com fechamento forçado das mãos. E, se o paciente perdeu toda a sensibilidade profunda, relativa aos músculos e às articulações, não tendo noção da posição relativa do membro no espaço, como poderá ele começar a movimentá-lo, passando pelas rotinas de rotação do tronco, de engatinhamento e de aquisição do equilíbrio?
Este último caso demonstra que a instalação da espasticidade não é o problema mais grave; a perda da sensibilidade constitui um obstáculo muito maior, no caminho para a recuperação. Entretanto é indispensável começar o programa de exercícios de reabilitação, levá-lo adiante e concluí-lo com êxito. O tratamento correto (cada caso é um caso) é urgentemente necessário, sobretudo porque previne espasticidade e contribui para vencer a perda da sensibilidade. Também neste caso, a compreensão leva à aplicação do tratamento correto, pois existe um meio de contornar estes problemas.
A fisioterapia é o meio eficiente para a reabilitação do hemiplégico pois ela promoverá não só a reabilitação em si mas também a neuroplasticidade.
7 – POSICIONAMENTO DO PACIENTE COM AVE
O paciente com AVE precisa ter sempre um posicionamento correto , prevenindo a espasticidade . A posição deverá ser a anti-espástica ou de recuperação .
pronação do ombro com rotação externa ;
extensão do antebraço ( não total , discreto grau de flexão ) ;
extensão digital com abdução ;
protração de pelve com rotação interna da perna ;
flexão de quadril , joelho e tornozelo .
Devemos manter o paciente em algumas posições :
decúbito dorsal ;
decúbito lateral sobre o lado são ;
decúbito lateral sobre o lado afetado ;
posição de ponte .
Podemos realizar exercícios passivos de todas as articulações do membro superior afetado se este tem hemiplegia . Se o déficit afetado é uma hemiparesia , poderemos fazer exercício ativo assistido ou ativo , na medida do possível .
elevação dos braços com os dedos entrelaçados ;
movimentos para o ombro afetado principalmente ;
no membro inferior afetado : extensão completa de quadril;
exercício rotação de tronco ;
rotação terminando no apoio de cotovelo afetado ;
rotação para a posição sentada na beira do leito;
treinamento de equilíbrio em paciente sentado ;
transferência da cama para a cadeira .
BIBLIOGRAFIA
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DELISA, Joel A. – Medicina de Reabilitação: Princípios e Prática. Editora Manole, Lta. Vol. 2. Cap. 29. 1992.
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JOHNSTONE, Margaret – Tratamento domiciliar do paciente hemiplégico, vivendo dentro de um esquema, Editora Atheneu, SP.
O’SULLIVAN, Susan B. & SCHMITZ, Thomas J. – Fisioterapia, Avaliação e Tratamento, segunda edição, Editora Manole, SP, 1993.