27.1 C
Sorocaba
segunda-feira, março 24, 2025

ADMITINDO O GERÚNDIO

“(…)Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento / No sol de quase dezembro, eu vou” Caetano Veloso. Alegria, Alegria

Escritores, poetas e compositores expressaram-se com primor utilizando uma das formas nominais do verbo, o gerúndio. Em Alegria, Alegria, por exemplo, Caetano Veloso usa o aspecto inacabado do gerúndio para exprimir a idéia de progressão indefinida de um processo (o caminhar). O modo (contra o vento, sem lenço sem documento) da ação de caminhar, expressa pelo gerúndio, e o espaço temporal, ocupado pela ação em seu desenvolvimento (no sol de quase dezembro) são adjuntos. O gerúndio pode desempenhar função de advérbio, adjunto adverbial e adjetivo, ao lado do seu caráter verbal. Na língua padrão do Brasil, conservou-se a construção com o sufixo -ndo e com um verbo auxiliar em qualquer de seus tempos. Em Portugal, substituíram-no por uma perífrase (duas formas verbais juntas) com o infinitivo. Eles dizem “Estou a escrever“ em vez de Estou escrevendo.

Gonzaguinha, em Explode Coração, emprega o gerúndio com um substantivo antecedente para expressar a qualificação dinâmica desse substantivo ligada a uma atividade de caráter verbal (o sol desvirginando a madrugada; a dor dessa manhã nascendo, rompendo, rasgando . Aproxima o gerúndio das funções desempenhadas pelo adjetivo: Eu, chorando [= eu chorosa]; sofrendo [= sofredora].

Leia: “E que esta vida entre assim/ Como se fosse o sol/ Desvirginando a madrugada/Quero sentir a dor dessa manhã/Nascendo, rompendo, rasgando (…) Eu, chorando, sofrendo(…) Feito louca, alucinada e criança/ Não dá mais pra segurar/ Explode coração”

O gerúndio pode equivaler não somente a oração adverbial, mas ainda a oração adjetiva: “Uma moça cosendo roupa [= que cosia roupa]/Com a linha do Equador/ E a voz da Santa dizendo[= que dizia]/ O que é que tô fazendo/ Cá em cima desse andor“ (Chico César).

Uma das aplicações mais freqüentes do gerúndio é aquela em que ele denota ação simultânea: Gritando, pedia socorro.
O gerúndio denota também modo, meio ou instrumento: Escreveu a dissertação citando autores consagrados.

“Andam sussurrando em versos e trovas“

Chico Buarque, em O que Será que Será, torna clara a dicotomia entre os auxiliares andar e estar, quando estão juntos ao gerúndio, ou seja, evidencia a oposição entre uma ação durativa num momento estático e a duração dinâmica, que andar, como verbo indicador de movimento, imprime à perífrase. Andar assinala um movimento, uma ação durativa em que predomina a idéia de intensidade ou de movimento reiterado.

Veja: “O que será que será/ Que andam suspirando pelas alcovas/ Que andam sussurrando em versos e trovas (…) Que anda nas cabeças, anda nas bocas (…) Que estão falando alto pelos botecos“.

No falar cotidiano, usa-se o gerúndio: A criança está dormindo. Em lugar do verbo estar, combinam-se, muitas vezes, com o gerúndio, andar, ir, ou vir para significar melhor a duração ou repetição do fato. O auxiliar ir assinala um movimento em progressão: Eles iam saindo quando você telefonou; vir, uma progressão para o ponto em que se situa o falante: Vínhamos correndo quando o motorista freou o carro. Colocado junto do verbo principal, o gerúndio expressa de regra uma ação simultânea, correspondente a um adjunto adverbial de modo: Ouvia sorrindo o que a criança falava.

“Continua dando as ordens no terreiro“

Gilberto Gil, em Aquele Abraço, faz uso do aspecto durativo e continuado do gerúndio: “Chacrinha continua balançando a pança/ E buzinando a moça e comandando a massa (…) Alô, alô, seu Chacrinha – velho guerreiro“.

ATENÇÃO! Não confunda gerúndio com gerundismo. Evite construção inadequada do tipo: “Vamos estar mandando o produto” (gerundismo). Substitua por: ”Vamos mandar o produto”, porque em frases como essa não há um processo em curso. Portanto, não há continuidade da ação. Em vez de três formas verbais, use duas.

Governador “demite” gerúndio
Essa é digna do Febeapá (Festival da Besteira que Assola o País) de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do jornalista Sérgio Porto (1923-1968). O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), pelo Decreto 28.314, de 28 de setembro de 2007, demite o “gerúndio“ de todos os órgãos do governo e proíbe o seu uso como desculpa de “ineficiência“. Os fatos lingüísticos não podem ficar atrelados a imposições e decretos. Mas o governador encontrou o culpado da “ineficiência“ administrativa. E ainda acrescenta: “Revogam-se as disposições em contrário“. Pois… Sim, senhor!

Outros trabalhos relacionados

ARCADISMO

ARCADISMO (1768-1808) As formas artísticas do Barroco já se encontram desgastadas e decadentes. O fortalecimento político da burguesia e o aparecimento dos filósofos iluministas formam um...

Regras de Acentuação Gráfica

O português, assim como outras línguas neolatinas, apresenta acento gráfico. Toda palavra da língua portuguesa de duas ou mais sílabas possui uma sílaba tônica....

GÊNERO DO SUBSTANTIVO

Na língua portuguesa, há dois gêneros: masculino e feminino. •É masculino o substantivo que admite o artigo "o". •É feminino o substantivo que admite o artigo...

MEIO X MEIA

MEIO X MEIA Uma regra prática para empregar corretamente o advérbio meio ou o adjetivo meia é tentar substituir esses termos pelas palavras mais ou...