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domingo, março 24, 2024

UM OUTRO OLHAR SOBRE O FILME "PATCH ADAMS"

Autor: Bruno Vath

1) IDÉIA DO TRABALHO

Numa Sexta-feira à noite, depois de uma longa semana de aulas, resolvemos ir ao cinema.

Estávamos a decidir qual o filme que íamos ver, até que um de nós se lembrou do filme “Patch Adams”. Embora não soubéssemos qual o tema do filme, este tinha-nos sido muito recomendado.

No final do filme, todos nós estávamos de acordo que este tinha sido uma óptima escolha e estávamos bastante entusiasmados com o seu tema.

“Patch Adams” era um aluno muito especial, que não se conformava com as regras impostas pela Universidade, lutando contra elas e acabando por sair vencedor…

Esta ideia suscitou-nos um enorme interesse, uma vez que somos estudantes universitários e como tal, estamos também sujeitos a determinadas regras com as quais muitas vezes não concordamos e não nos identificamos, mas acabamos na maioria das vezes por nos conformarmos. Este interesse lançou-nos um desafio:

Partir deste filme, isto é, algo que faz parte do senso comum, e através de uma análise mais científica, tirar algumas conclusões.

A personagem do filme, estudante universitário de medicina entra constantemente em conflito com os directores da universidade, dado valorizar muito mais o lado prático d o curso.

Esta forma de como o actor perspectiva o estudo da medicina, é muito semelhante à de “Randall Collins”, pois este defendia que a formação dos indivíduos não deverá ser através de licenciaturas, mas sim através do contacto directo com a prática profissional (Randall Collins, 1979, The Credential Society, New York:Academic Press, pp.191-204). A ideia defendida por Randall Collins poderia ser um ponto de partida para a interpretação do filme “Patch Adams”, mas temos consciência de que seria um objectivo demasiado ambicioso no âmbito da disciplina de Comportamento Organizacional.

Devido ao enorme conflito existente entre o estudante e a Universidade de Medicina, pensamos ser possível uma relação entre a tese da incongruência de Chris Argyris e o filme em questão.

Deste modo, achamos ser bastante interessante interpretar até que ponto o guião do filme incorporou ou não as ideias de Argyris na realização do mesmo.

2) ABORDAGEM TEÓRICA

Para atingir o nosso objectivo optamos pelo modelo teórico de Argyris, nomeadamente a tese da incongruência. A partir deste modelo é possível perceber os factores que determinam a extensão da incongruência.

Características distintivas do modelo

Tendo como base um dilema “indivíduo–organização”, Argyris identifica na sua tese os vários níveis da incongruência, os respectivos reflexos nas acções , comportamentos do indivíduo dentro da organização e as consequências no seu desempenho, consistindo em três partes:

o que é que os indivíduos querem da organização
o que é que as organizações pretendem dos indivíduos
como é que os desejos de ambos são compatíveis
De acordo com o presente na revista ” Argyris, Chris (1973).Personality and Organization Theory Revisted. Administrative Science Quarterly 18 (2), pp.141-167 ” o autor sugere ainda que à medida que as pessoas vão crescendo e se tornam mais maduras sofrem determinadas mudanças básicas ao nível dos interesses e necessidades, como sejam:

i. Passagem de um estado de passividade para um estado de actividade;

ii. Desenvolvimento de autonomia e independência face aos outros;

iii. Desenvolvimento de diversos modos de actuação em detrimento de um único modo de actuação;

iv. Desenvolvimento de interesses mais profundos e em menor quantidade, em vez de muitos e mais casuais e superficiais;

v. Desenvolvimento de uma perspectiva de longo prazo (o comportamento é determinado não só por acontecimentos presentes, mas também pelos passados e futuros);

vi. Passagem de uma posição de subordinado para uma de subordinante

vii. Desenvolvimento de um maior auto-controlo, de uma maior compreensão e de uma maior auto-consciência

O que o modelo pretende mostrar

O modelo defende que a organização, tendo por base a eficiência e eficácia na execução dos seus objectivos, se preocupa mais com a execução destes do que com a satisfação dos interesses pessoais dos indivíduos que a compõem. A existência de regras definidas e de uma unidade de comando impede os indivíduos de desenvolverem e porem em prática as suas próprias capacidades, tornando-os estandardizados; surgem assim diferenças entre os objectivos e necessidades individuais e o próprio clima da organização.

Qualquer organização cresce porque os objectivos que procura atingir são demasiado complexos para um só indivíduo os atingir. Assim, as acções necessárias para a consecução dos objectivos são divididos pelos indivíduos que constituem a organização. Como é óbvio, cada indivíduo tem os seus desejos, necessidades e objectivos próprios e só contribui construtivamente para o desenvolvimento da organização, se esta satisfizer de uma forma justa e positiva essas necessidades e expectativas. Portanto, é de realçar a importância de conseguir harmonizar os objectivos da organização com as necessidades daqueles que a constituem. As organizações têm uma vida própria, pois têm objectivos que, infelizmente, podem ser independentes ou antagónicos das necessidades dos indivíduos. Neste sentido, as possibilidades de interacção são inevitáveis e variam consoante as personalidades de cada um. Assim, é provável o conflito entre as necessidades individuais e a configuração estrutural e formal da organização. De acordo com o especificado no modelo, quanto mais formal for a organização, mais o comportamento do indivíduo tenderá a ser conflituoso e por sua vez a organização tenderá a fazer uma avaliação do seu desempenho ( recorrendo por

vezes à punição). Existem vários factores que determinam a extensão da incongruência, tais como, o indivíduo ocupar uma baixa posição hierárquica, ter controlo reduzido nas suas condições de trabalho e ser impossibilitado de se empenhar ao máximo segundo as suas aptidões e competências. Além disso, quanto mais directa a liderança e quanto mais unilateral o controlo de gestão, mais dependente o indivíduo se sentirá. O indivíduo tentará ignorar ou superar este

género de dificuldades e o resultado será o fracasso psicológico, a frustração e o conflito. Este tipo de sentimentos pode levar a reacções distintas por parte dos subordinados de acordo com a sua personalidade, e será tanto maior, quanto mais maduros estes forem e quanto mais regras e procedimentos existirem na organização.

Os subordinados poderão tomar a decisão de abandonar temporariamente ou definitivamente a organização ou poderão optar por se manter na organização, trabalhando arduamente de maneira a alcançar níveis superiores e lutando contra a organização com o objectivo de ganhar maior controlo sobre esta. Perante este tipo de decisão, o indivíduo tende a adoptar mecanismos de defesa, na tentativa de introduzir os seus ideais e conceitos próprios na organização. Têm ainda a opção de ficar na organização, distanciando-se psicologicamente e tornando-se indiferentes, apáticos e descomprometidos com esta. Nesta situação não há união, nem turnover nem mesmo absentismo. Por outro lado, pode ficar na organização não pela importância intrínseca do seu trabalho, mas sim pela remuneração.

3) METODOLOGIA

A abordagem metodológica escolhida foi a análise do filme “Patch Adams”. Este filme foi a fonte de informação utilizada, como forma de operacionalizar o nosso objectivo.

Este tipo de abordagem designa-se por método qualitativo, o qual é utilizado para estudar comportamentos e processos, quando estes não podem ser quantificáveis. Este método envolve uma interpretação aproximada da realidade, feita com base em material empírico como sejam experiências pessoais e histórias verídicas.

O facto de o investigador recorrer às suas próprias experiências e conhecimentos introduz alguma subjectividade nos resultados na medida em que ele próprio

observa o objectivo através de uma perspectiva própria. O investigador faz por assim dizer uma “filtragem” daquilo que observa assimilando apenas aquilo que considera relevante para o seu trabalho.

Desta forma, não existe qualquer tipo de envolvimento com o sujeito em estudo (personagem do filme), pois limitamo-nos a observar o seu comportamento e atitudes relativamente a determinadas situações.

Descrição do filme

O filme relata uma história verídica, que tem como base a história de um estudante universitário de medicina, Patch Adams, que não se conforma com determinadas regras da universidade.

Durante todo o filme, o estudante infringe as regras da universidade na tentativa de impôr os seus ideais relativamente ao curso de medicina, os quais se centram no contacto directo e frequente com os doentes, e não no estudo teórico.

Para este estudante, o humor é o melhor remédio e está disposto a levar alegria aos seus pacientes das formas mais extravagantes, mesmo que isso signifique colocar a sua carreira em risco.

Toda esta situação baseada em peripécias verídicas de um médico que desafiou as convenções da sua profissão e que criou uma perspectiva totalmente diferente da medicina e do seu estudo, vai gerar enormes conflitos com os directores da universidade e do hospital. Estes conflitos levaram a que a universidade avisasse várias vezes o aluno quanto ao seu comportamento e tivesse por mais do que uma vez perto de o expulsar. Não tendo o aluno levado estes avisos em consideração, manteve os seus comportamentos. Em consequência foi expulso definitivamente, mas não concordando com os factos que a faculdade apontava como justificação da expulsão, pediu recurso, levando o caso ao tribunal da ordem dos médicos.

Após a apresentação das argumentações de cada uma das partes, isto é, do aluno e dos directores da universidade, o painel de júris chegou à conclusão de que, o comportamento e os métodos utilizados pelo aluno eram invulgares e, em grande parte, iam contra os princípios básicos daquela honrosa e já muito antiga profissão. Porém, o aluno tinha dentro de si uma chama que revelava a sua especial vocação e o enorme interesse e desejo por ajudar o próximo. Os júris,

inclusivé, esperavam que essa chama se alastrasse por toda a classe médica, do mesmo modo que as labaredas do fogo devastam uma floresta.

Desta forma, o painel de júris acaba por se pôr do lado do aluno, dando-lhe assim a oportunidade de acabar o seu curso e exercer medicina. Estes mesmos júris chamaram a atenção dos directores da universidade devido ao seu excessivo rigor e à falta de sensibilidade pela posição dos alunos. Toda esta situação foi de tal forma emocionante e sensibilizadora para a classe médica em geral que acabou

por dar a conhecer a todos a causa pela qual o aluno lutava e, por juntar muitos médicos à sua defesa.

Como resultado de toda a sua actuação e para além de ter saído vencedor deste desafio, Patch Adams acabou por abrir uma clínica privada em Virginia onde tratou mais de 15000 pessoas gratuitamente e sem qualquer seguro. Mais de 1000 médicos ofereceram-se para deixar as suas clínicas e aderir à causa de Patch, alterando a forma como encaravam a sua profissão, assim como muitas universidades reformularam o seu método de ensino.

4) INTERPRETAÇÃO DO FILME À LUZ DA TEORIA DA INCONGRUÊNCIA DE CHRIS ARGYRIS

O modelo articula-se com o nosso objectivo, na medida em que a partir do mesmo podemos perceber os factores que determinam a extensão da incongruência. Neste sentido, podemos aplicá-lo ao actor em estudo, uma vez que o filme constata um dilema “indivíduo-organização”, relação essa que é a base da tese da incongruência.

Adaptando ao nosso caso, vamos numa primeira fase identificar o que o actor ( “Patch Adams” ) quer da universidade. O estudante pretende auferir um ensino mais pragmático, isto é, que não se limite apenas ao estudo intensivo da teoria que se encontra nos manuais.

Contrariamente a universidade dá mais ênfase a um estudo teórico valorizando os alunos que se dedicam mais ao estudo dos livros. Através do filme, verifica-se que estes desejos contraditórios de ambas as partes são completamente incompatíveis pois, assiste-se a um infringir constante das regras por parte do estudante e a uma punição, também constante, por parte dos directores da universidade.

Quando surgem níveis tão elevados de incongruência, os indivíduos podem ter segundo Argyris reacções distintas.

Entre todas estas reacções (já apresentadas no ponto 2) apenas uma se aplica ao actor em estudo. ” Patch Adams” optou por se manter na universidade, trabalhando intensamente e lutando contra as regras da universidade, com o objectivo de introduzir nesta os seus ideais e conceitos próprios, isto é, adoptando mecanismos de defesa. Esta situação vem mostrar que um conflito entre a

organização e o indivíduo, nem sempre leva a níveis de desempenho negativos por parte dos indivíduos, pois, “Patch Adams” foi bastante persistente na concretização dos seus objectivos e ideais, empenhando-se sempre o mais possível.

De acordo com a tese de Argyris verificamos que na parte inicial do filme o actor vive numa situação de passividade e dependência, sem objectivos de vida. Posteriormente frequentou uma clínica de recuperação psicológica na qual se apercebeu que conseguia ajudar as pessoas que o rodeavam. Foi aí que descobriu a sua vocação, decidindo licenciar-se em medicina. Esta decisão fez com que o actor sofresse inúmeras mudanças no seu comportamento. Desenvolveu maior autonomia e independência, assim como maior auto-controlo, auto-consciência e compreensão. Como exemplo disso, temos o facto de ter sido ele próprio a decidir abandonar a clínica, contrariando a vontade dos médicos assim como também foi ele próprio que decidiu inscrever-se na faculdade de medicina com uma idade invulgar para um estudante universitário (com mais ou menos 40 anos). Além disso, o seu comportamento passou a ser determinado não pelos acontecimentos presentes, mas sim por uma combinação destes com os passados e os futuros, isto é, desenvolveu uma perspectiva de longo prazo. Este facto é visível no filme, já que a partir do momento em que ele entrou na faculdade passou a ter uma prospecção futura em termos profissionais, nomeadamente exercer medicina. Tudo isto está de acordo com o modelo teórico de Chris Argyris, pois este sugere que à medida que as pessoas vão crescendo e se tornam mais maduras, sofrem determinadas mudanças básicas ao nível dos interesses e necessidades, o que realmente se verificou com a personagem em questão.

Neste sentido, segundo Argyris, podemos enumerar algumas razões para a existência de um nível tão elevado de incongruência. Uma das razões é o facto de o autor ser maduro, muito independente e ter uma elevada autoconsciência em relação aos ideais que defende. Outra razão, também presente no modelo de Argyris, relaciona-se com o facto de a universidade ser muito estruturada e formalizada, isto é, com várias regras e procedimentos bastante rígidos.

5) NOTA FINAL

Até aqui ficamos com a ideia de que o guião do filme incorpora a tese de Argyris. Mas, por outro lado, temos consciência de que essa incorporação não é perfeita, pois concluímos que alguns pontos do modelo considerados como inequívocas consequências do conflito indivíduo-organização não se enquadram na situação evidenciada pelo filme. Isto porque o modelo centra-se mais num estudo das organizações que têm como base a utilização de tecnologias para a produção em massa. Contrariamente, o nosso caso centra-se no estudo de uma organização que recorre à utilização de recursos humanos, e não tecnologias, para formar e desenvolver indivíduos na área da medicina.

Visto que o trabalho se enquadra no âmbito do comportamento organizacional, podemos através dele reforçar a ideia de que a generalização é uma meta difícil de atingir. Isto é, os modelos teóricos em comportamento organizacional não se aplicam a todo e qualquer comportamento dos indivíduos da organização.

Desta forma, concluímos que não existe uma adaptação total e perfeita entre a tese da incongruência e o filme “Patch Adams”, porque qualquer teoria é construída para uma aplicação generalizada e, como tal, não se adequa integralmente a nenhuma realidade muito específica.

6) IDEIA FINAL

Ao longo deste trabalho, todas as nossas atenções foram despertadas para o facto de na generalidade das universidades a teoria ser mais valorizada do que a prática. Como tal, gostaríamos de fazer um estudo mais aprofundado nesta matéria, no entanto sabemos que só será possível tendo mais informação sobre as várias metodologias de ensino e com base em outras teorias mais adequadas, o que deixamos para uma investigação futura.

Bibliografia

Argyris, Chris (1973). Personality and Organization Theory Revisted. Administrative Science Quarterly 18 (2), pp .141-167
Randall, Collins, 1979, The Credential Society, New York:Academic Press,pp.191-204 : www.runet.edu/%7Elridener/courses/Collinr2.HTML (visto em 20 de Dez de 1999)

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